‘Faixa de Gaza é primeiro laboratório de uso de inteligência artificial em guerra’, diz sociólogo Sérgio Amadeu
Tecnologias foram utilizadas para identificar e fixar alvos a partir do comportamento de palestinos nas redes sociais
Adele Robichez e Rodrigo Viana, Brasil de Fato - O sociólogo Sérgio Amadeu, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), avalia que a Faixa de Gaza se tornou o “primeiro grande laboratório de uso de inteligência artificial numa guerra”. A análise foi feita em conversa com o BdF Entrevista, da Rádio Brasil de Fato, às vésperas do lançamento de seu novo livro As Big Techs e a Guerra Total, na próxima quarta-feira (3).
Para Amadeu, empresas de tecnologia como Amazon, Microsoft e Google fornecem sistemas de vigilância e processamento de dados para o Estado de Israel. “Os israelenses descobriram que estavam desenvolvendo soluções de inteligência artificial para a vigilância profunda dos palestinos. As big techs trouxeram ferramentas de inteligência artificial para que eles pudessem utilizar”, conta.
Ele cita a denúncia feita em 2021 por funcionários da Amazon e da Microsoft, do movimento No Tech for Apartheid, que revelou a existência de datacenters instalados em Israel com apoio dessas corporações. De acordo com o professor, essas tecnologias foram utilizadas para identificar e fixar alvos a partir do comportamento de palestinos nas redes sociais.
“Eles criaram um modelo de como é o comportamento de alguém do Hamas na rede social, e aplicaram para toda a população de Gaza que tinha rede social”, explica.
Big Techs como instrumentos geopolíticos
Na entrevista, Amadeu também comenta a recente ameaça do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra países que regularem as big techs, incluindo o Brasil. Para ele, as empresas não podem ser vistas apenas como companhias privadas, mas como dispositivos geopolíticos do Estado estadunidense.
“As big techs não são quaisquer empresas para os Estados Unidos, elas são empresas de alta tecnologia. Elas estão presentes em vários ramos da economia e são decisivas para a política e para o poder político [dos EUA]”, diz.
O pesquisador lembra que, no Brasil, o Projeto de Lei 2630/2020, conhecido como PL das Fake News relatado pelo deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) buscava criar regras de transparência e responsabilização para as plataformas digitais. Apesar de ter sido paralisada por pressão política, a proposta é, segundo ele, fundamental para limitar o poder das empresas sobre a democracia.
“Elas controlam a visualização. É assim que as big techs trabalham, junto com a modulação da atenção. O projeto [relatado por] Orlando trabalhava a questão da transparência, da informação. Eu acho que tínhamos que ter auditabilidade, mas isso era uma guerra, não avançava e tinha vários pontos muito importantes de garantir”, lamenta.