China amplia influência tecnológica na África com DeepSeek
Modelo DeepSeek, apoiado pela Huawei, desafia OpenAI e Google ao oferecer soluções acessíveis e adaptadas à realidade africana
247 - A revolução da inteligência artificial (IA) na África está ganhando um novo protagonista: o modelo chinês DeepSeek, desenvolvido pela empresa High-Flyer em parceria com a Huawei Technologies Co.. De acordo com reportagem da Bloomberg, a estratégia de Pequim está transformando o acesso à tecnologia em países africanos, oferecendo uma alternativa mais barata e eficiente aos sistemas de gigantes como OpenAI e Google.
Durante um evento realizado na sede da startup Qhala, em Nairóbi, o engenheiro Harrison Li, arquiteto-chefe de soluções da Huawei Cloud para a África Subsaariana, apresentou o DeepSeek a empresários e desenvolvedores locais. Ele destacou que o sistema chinês “é capaz de igualar o desempenho da OpenAI por uma fração do custo e operando em hardware mais simples”.
A executiva Shikoh Gitau, diretora da Qhala, comemorou a chegada da ferramenta: “Celebrei quando ouvi falar do DeepSeek”, afirmou. Gitau migrou o chatbot de sua empresa para o modelo chinês após comparar preços e desempenho com concorrentes ocidentais, incluindo Anthropic, Google e Meta. “O custo era realmente muito, muito baixo”, explicou.
China aposta em acesso aberto e estratégia de longo prazo
A iniciativa marca uma mudança importante no mapa global da IA. Enquanto companhias dos Estados Unidos priorizam sistemas proprietários, controlando o código e os dados usados para treinar seus modelos, empresas chinesas como Huawei e Alibaba Group oferecem versões open source (de código aberto), permitindo que startups africanas personalizem e adaptem as ferramentas para seus contextos locais.
Segundo o pesquisador Akhil Bhardwaj, da Universidade de Bath, a disputa tecnológica “é, acima de tudo, uma questão de esferas de influência”. Para o governo chinês, a democratização da IA é também um instrumento diplomático. O primeiro-ministro Li Qiang declarou em julho, durante a Conferência Mundial de IA em Xangai, que “todos os países devem ter o mesmo direito de desenvolver e usar a inteligência artificial”, oferecendo o apoio técnico da China especialmente ao Sul Global.
A estratégia remete à Iniciativa do Cinturão e Rota, voltada à expansão da infraestrutura chinesa em países em desenvolvimento. No caso da IA, Pequim investe não apenas em software, mas também em infraestrutura de dados — data centers, redes 5G e cabos de fibra óptica — operados por empresas como Huawei e ZTE Corp.
Startups africanas adotam IA chinesa por custo e adaptação
O avanço é visível em startups de países como Quênia e Nigéria. A empresa EqualyzAI, com sede em Lagos, usou a arquitetura aberta do DeepSeek para desenvolver modelos menores e adaptados às línguas locais, como iorubá e hauçá.
Seu fundador, Olubayo Adekanmbi, explicou que as soluções chinesas “oferecem flexibilidade, menor custo e a possibilidade de soberania sobre os dados locais”. Ele revelou que, se usasse o modelo GPT-4o da OpenAI, pagaria cerca de US$ 12.500 por mês para treinar uma aplicação educacional; com o DeepSeek, o gasto caiu para US$ 2.700.
Além da economia, startups destacam que modelos ocidentais apresentam viés cultural e custos mais altos quando operam em idiomas africanos. “No mundo segundo São Francisco, o contexto africano é apagado”, criticou Gitau.
Risco de dependência e disputa geopolítica
Apesar do entusiasmo, a presença chinesa desperta alertas sobre privacidade e soberania digital. Segundo a Bloomberg, técnicos da Huawei já foram acusados de auxiliar governos africanos em ações de vigilância política — alegações negadas pela empresa. Além disso, o DeepSeek armazena dados de usuários, incluindo históricos de conversa e localização, em servidores na China, o que preocupa autoridades de privacidade na Europa e na Ásia.
O episódio de junho, quando empresas chinesas como Alibaba, ByteDance, Tencent e DeepSeek suspenderam temporariamente recursos de IA durante exames universitários na China, deixou aplicativos africanos fora do ar por dias e expôs a dependência tecnológica do continente.
Para alguns especialistas, como Terrence Okeke Taylor, da Academia Africana de Inteligência Artificial, a disputa entre EUA e China pode afetar diretamente o acesso da África à tecnologia. “Se as sanções dos Estados Unidos se ampliarem, a África pode ser isolada”, alertou.
Outros, contudo, minimizam o risco. “Os fabricantes ocidentais não conseguem nos convencer de que os modelos chineses estão espionando a África”, rebateu Lacina Koné, diretor-geral da organização Smart Africa.
O futuro digital da África ainda está em disputa
Com uma população em rápido crescimento e uma economia digital projetada para alcançar US$ 712 bilhões até 2050, a África ainda enfrenta carência de infraestrutura, energia e mão de obra qualificada para construir uma IA autônoma.
Por isso, especialistas preveem que o futuro do continente será híbrido, combinando tecnologias chinesas e ocidentais. O grupo financeiro NCBA, por exemplo, estuda incorporar o DeepSeek ao portfólio de produtos baseados em modelos americanos.
“O caminho à frente exigirá uma abordagem mais equilibrada e multimodelo”, afirmou Patrick Kariuki, diretor de dados do NCBA.


