HOME > Mídia

Miriam Leitão diz que contrato de Viviane Barci de Moraes com Master jamais poderia ter sido assinado

Colunista também considerou abusivo o sigilo imposto ao caso pelo ministro Dias Toffoli

Viviane Barci de Moraes (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

247 – Em um momento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) segue no centro da defesa institucional da democracia, a jornalista Miriam Leitão afirma que a Corte precisa dar um passo adicional para fortalecer sua credibilidade diante da sociedade: estabelecer normas claras de conduta para seus ministros. Em coluna publicada no jornal O Globo, ela sustenta que um código de ética é hoje uma medida necessária para proteger a própria instituição, ampliar a transparência e reduzir a sensação de que ministros podem estar vulneráveis a conflitos de interesse.

Segundo Miriam Leitão, o STF “enfrentou ataques durante todo o governo Jair Bolsonaro e resistiu a todos eles”, mantendo-se como um dos principais pilares de contenção diante do avanço de ameaças autoritárias. A colunista lembra que a Corte também “julgou e condenou os envolvidos na trama golpista que culminou em 8 de janeiro de 2023, quebrando paradigmas históricos”. Para ela, depois de cumprir esse papel institucional, o tribunal precisa agora trabalhar para aumentar “o grau de confiança dos cidadãos no próprio STF”.

A proposta de criação de um código de ética, segundo a jornalista, partiu do presidente do STF, Edson Fachin, e teria apoio na sociedade. Contudo, Miriam observa que o debate vem sendo encarado por alguns ministros como se fosse “imposição externa”. Ela cita a posição do decano Gilmar Mendes, que teria expressado incômodo com a interpretação de que a iniciativa representa pressão social sobre o tribunal.

Legitimidade institucional

Miriam Leitão argumenta que regras de conduta para ministros do Supremo e para a magistratura como um todo fazem parte do mesmo movimento de defesa do Estado democrático de direito. Ainda assim, diz que a discussão deve ser conduzida pelo próprio Judiciário, com aprovação interna, justamente para garantir legitimidade institucional e reduzir disputas políticas em torno do tema.

A colunista ressalta que o Brasil convive há anos com desconforto diante de episódios que colocam em dúvida se alguns ministros de cortes superiores “realmente entenderam a dimensão do conflito de interesses”. Um exemplo citado por ela é a permissão para que escritórios de parentes de ministros atuem junto aos tribunais onde esses ministros julgam. Para Miriam, a justificativa de que os magistrados “atuam com honradez” não resolve o problema, pois “a questão não é pessoal nem subjetiva”. O que funciona, insiste, é haver um código com normas impessoais e aplicáveis a todos.

A jornalista então cita diretamente o caso envolvendo conversas entre o ministro Alexandre de Moraes e o presidente do Banco Central, reveladas pela jornalista Malu Gaspar. Ela afirma que, mesmo que o conteúdo das conversas tenha sido “basicamente sobre a aplicação e o alcance da Lei Magnitsky”, como alegam as notas divulgadas por Moraes e pelo BC, um tema ligado ao Banco Master “não poderia ter sido tratado nem lateralmente”.

"Contrato jamais poderia ter sido assinado"

Miriam Leitão aponta dois motivos: primeiro, porque Moraes “não é o relator”; segundo, e mais importante, pelo contrato que “sua mulher e seus filhos mantinham com o banco liquidado”. A colunista afirma que “o contrato jamais poderia ter sido assinado” e diz que as cláusulas apresentavam problemas evidentes: “o valor é muito alto” e o escopo do acordo não seria a defesa de uma causa jurídica específica, mas sim a atuação “junto a órgãos e autarquias governamentais e aos tribunais”. Para ela, havia muito em jogo para o país e para a democracia que “não foi considerado” na decisão do escritório comandado pela mulher do ministro ao aceitar a proposta.

A colunista avalia que, no mercado financeiro, “não há mocinhos e bandidos, há negócios”, e observa que alguns banqueiros apostam na troca de favores com o poder — citando nominalmente Daniel Vorcaro como um exemplo desse perfil. Miriam afirma que a “voracidade” do banqueiro teria inclusive incomodado outros grupos financeiros semelhantes e lembra que o Banco Central identificou uma “fraude bilionária” na transação envolvendo um banco público durante a fiscalização. Ela ressalta que a fraude não era, evidentemente, do conhecimento de quem firmou contrato jurídico com o banco, mas afirma que teria sido mais prudente manter distância de instituições cujos interesses e causas possam atravessar o STF ou o poder em Brasília.

Na avaliação da jornalista, a investigação sobre o caso Master também exige mais transparência e tem sofrido com opacidade desde que o ministro Dias Toffoli assumiu protagonismo no tema. Miriam afirma que houve um “abusivo ‘sigilo total’” imposto ao caso pouco depois de a viagem de Toffoli ter sido revelada pelo jornalista Lauro Jardim. E critica de forma contundente: “Tudo errado naquele voo para Lima”. Segundo ela, “o ministro Toffoli ir num jatinho de empresário e com o advogado do diretor de compliance do banco liquidado é um erro”.

Miriam lembra que, mesmo após o ministro interromper as investigações e depois permitir sua continuidade, o assunto “permanece debaixo de sombras demais”. Para ela, episódios como esse reforçam a urgência de regras explícitas que previnam situações potencialmente comprometedoras, mesmo quando não há comprovação de troca de favores ou desvio de conduta.

Participação em eventos

A jornalista também aponta para outro ponto controverso: a participação de ministros em simpósios e seminários patrocinados por grandes grupos econômicos, ou com pagamento de honorários por empresas privadas. Na visão dela, essa prática “sempre será controversa”, porque embora não signifique que um ministro “compra apoio”, cria um cenário de desigualdade de acesso ao poder. E é justamente esse tipo de assimetria que um código de ética poderia enfrentar com critérios transparentes.

Miriam cita ainda declaração de 2024 do ex-ministro Luís Roberto Barroso, que respondeu a críticas a respeito da presença de magistrados nesses eventos afirmando que todos os grupos sociais têm interesses em decisões do STF. A colunista concorda com a premissa, mas aponta que a comparação perde força quando se observa que quem tem capacidade real de financiar eventos e pagar palestras são grandes grupos econômicos — e não comunidades indígenas ou moradores de rua, mencionados como exemplo. Para ela, “é mais seguro haver regras claras para eventos pagos”.

Ao fim, Miriam Leitão defende que o debate sobre um código de conduta não é periférico nem corporativo, mas profundamente político no sentido institucional: trata-se de preservar o STF como uma das colunas do Estado democrático de direito e evitar que a Corte volte a ser fragilizada por suspeitas, controvérsias e conflitos de interesse. “É a democracia que está em questão, de novo, no código de conduta dos ministros do Supremo”, conclui. “Por isso, este é um debate central.”

Artigos Relacionados