República Popular Democrática da Coreia: 80 anos de um partido fundado na luta
Relato de viagem de um brasileiro à Coreia do Norte
Por Gabriel Martinez, para o 247 - Entre os dias 7 e 14 de outubro, tive a oportunidade de, representando o Centro de Estudos da Ideia Juche, visitar a República Popular Democrática da Coreia. Esta foi a minha sétima visita ao país, sendo a primeira em 2011. Nesses últimos 14 anos, tive a oportunidade de testemunhar diversas mudanças – entre elas, a transição da liderança de Kim Jong Il para Kim Jong Un – que atestam a grande habilidade do Partido do Trabalho da Coreia (PTC) em manter sua direção do hoje processo socialista mais longevo da história. Desta vez, a viagem foi realizada para participar das celebrações do 80º aniversário do PTC.
No dia 7 de outubro, a partir do Aeroporto da capital Pequim, embarcamos para Pyongyang no clássico voo da companhia Air Koryo. O serviço de bordo, como sempre, excelente – o que destoa de certos comentários negativos que circulam na internet. Ao chegarmos ao moderno Aeroporto Internacional de Sunan (Pyongyang), modernizado em 2012, passamos rapidamente pelas inspeções de segurança e fomos recebidos pelo nosso tradutor Choe Chol Ryong, funcionário e diretor da Associação Coreana de Cientistas Sociais (KASS). Lembro-me de que, em minha primeira visita ao país, não era permitida a entrada com telefones celulares, mas isso era uma época anterior ao surgimento dos smartphones. Atualmente, os funcionários do aeroporto fazem um rápido registro dos aparelhos e autorizam sua entrada sem nenhum tipo de checagem do conteúdo.
Junto com diversas delegações de outros países, fomos levados ao famoso Hotel Koryo, um dos principais hotéis da cidade, onde fomos apresentados a Kim Sun Yong e Li Kwang Song, funcionários da ACCS. Para mim, Kim Sun Yong já era um rosto familiar: tive a oportunidade de conhecê-la em 2011, na ocasião da minha primeira visita ao país. Ela fez questão de informar que, durante todo esse tempo, acompanhou as atividades que organizamos em nome do Centro de Estudos da Ideia Juche do Brasil e outros institutos de amizade e solidariedade com a Coreia Popular fundados no Brasil em anos recentes (Centro de Estudos da Política Songun, Instituto Paektu).
Depois de conversar com os camaradas coreanos e alguns membros de outra delegação, dirigi-me a um dos restaurantes do hotel para conversar com o intérprete Li Kwang Song. Durante nossa conversa, ele me explicou sobre o novo método de pagamento via QR Code disponível no país. Por meio da carteira eletrônica Samheung – similar ao Alipay da China –, os coreanos podem pagar por suas compras em bares, restaurantes e lojas de departamento, bem como enviar e receber dinheiro de outras pessoas que também possuam o aplicativo devidamente instalado em seus celulares. No aplicativo, também é possível fazer compras online, solicitar táxis, pagar passagem de metrô e ônibus, além de acessar diversos outros serviços. A carteira digital foi criada pela Samheung Economic Information Technology Co., Ltd., emrpesa administrada pelo governo central.
A primeira atividade do dia 8 de outubro começou cedo, precisamente às 8h da manhã. Algumas delegações internacionais prepararam presentes que foram entregues ao Líder Kim Jong Un e ao Comitê Central do PTC. O responsável por receber os presentes foi Thae Hyong Chol, membro do Comitê Central do PTC e presidente da Associação Coreana de Ciências Sociais. O Centro de Estudos da Ideia Juche ofereceu como presente uma escultura de vidro em forma de bandeira vermelha com o símbolo do PTC. Ficamos encarregados de iniciar as apresentações dos presentes.
Posteriormente, junto com as demais delegações estrangeiras, nos dirigimos ao Palácio de Cultura, onde iria ocorrer o primeiro dia do Seminário “Bandeira Imortal para a Construção de um Mundo Justo e Pacífico”. O seminário contou com a intervenção de vários delegados estrangeiros. A intervenção do Brasil esteve a cargo de Lucas Rubio, representando a delegação do Instituto Paektu. Os temas das intervenções foram diversos, mas, em geral, destacavam os avanços da construção do socialismo na Coreia, bem como os feitos do PTC ao longo dos seus oitenta anos de história. Concluído o primeiro dia do seminário, todas as delegações estrangeiras se dirigiram à Colina Mansu, onde puderam depositar flores nas grandes estátuas de Kim Il Sung e Kim Jong Il. Também na Colina Mansu está localizado o Museu da Revolução Coreana; neste museu, visitamos a galeria “Abrindo a Fase Transcendental na Construção da Potência Socialista”, que resume os feitos realizados pela Coreia Popular já durante o período de liderança de Kim Jong Un.
Ao percorrermos Pyongyang, pudemos observar os grandes avanços econômicos e sociais conquistados nos últimos anos. Por toda a cidade são inúmeras as obras de construção, que vão desde infraestrutura básica até novos bairros e condomínios residenciais. Em 2024 já havíamos observado essa tendência de desenvolvimento, que parece estar se aprofundando em ritmo acelerado. Apenas um dia antes de chegarmos a Pyongyang, foi inaugurado o gigantesco Hospital Geral de Pyongyang, um marco para o desenvolvimento e modernização do sistema de saúde pública socialista, criado ainda no período de Kim Il Sung. Também chama a atenção o aumento substancial do número de carros nas ruas de Pyongyang. Fomos informados de que, desde abril deste ano, estão autorizados os carros individuais, o que, obviamente, explica o crescimento no número de veículos observados. Durante toda a viagem, contei cerca de uma centena de carros com placas amarelas – justamente a cor que identifica os veículos particulares.
Durante a noite, participamos de um jantar oferecido pela ACCS, que contou também com a presença de Thae Hyong Chol. O importante membro do Comitê Central do PTC passou pelas mesas de todas as delegações, agradecendo o apoio e a solidariedade oferecidos ao povo coreano. Tivemos a oportunidade de transmitir uma breve mensagem agradecendo à KASS e ao PTC pelo convite e hospitalidade.
No dia 9 de outubro, iniciou-se o segundo e último dia do Seminário Internacional. Este seguiu a mesma estrutura do dia anterior, com a intervenção de outros camaradas de delegações estrangeiras. No final do seminário, foi aprovada por unanimidade uma mensagem que foi enviada diretamente a Kim Jong Un e reproduzida nos órgãos de comunicação do país. À noite, fomos informados de que iríamos assistir à gigantesca performance ginástica e artística realizada no Estádio Primeiro de Maio, cuja edição deste ano seria especial em comemoração ao octogésimo aniversário do PTC, com o título “Viva o Partido do Trabalho da Coreia”. O espetáculo grandioso contou com a participação de milhares de pessoas, que dançavam e cantavam, realizando simultaneamente uma série de apresentações. Antes do espetáculo, foi executado o Hino Nacional da RPDC, além de A Internacional. O ponto alto da noite foi a aparição de Kim Jong Un, junto com outras autoridades internacionais, entre elas o ex-presidente russo Dmitri Medvedev e o atual primeiro-ministro chinês, Li Qiang.
A partir do dia 10 de outubro, dia das comemorações do aniversário de fundação do PTC, o tempo foi ficando mais nublado e chuvoso. Iniciamos nossas atividades do dia debaixo de uma leve, porém constante, chuva, visitando o Museu da Fundação do Partido. O museu é um antigo edifício de estilo ocidental, criado ainda durante o período da ocupação japonesa e localizado a poucas quadras do Hotel Koryo. Depois da libertação do país, o antigo edifício foi convertido em escritório de Kim Il Sung e de outros dirigentes da liderança comunista. O museu possui diversas galerias, que mostram e explicam as atividades de Kim Il Sung e sua luta para organizar o movimento operário e de libertação nacional do país. Na sala central, onde foi realizado o ato de fundação do Partido, estão exibidos os retratos de Karl Marx, Friedrich Engels, Vladimir Lenin, Josef Stálin e, claro, do próprio Kim Il Sung.
O ponto alto da viagem foi, sem dúvida alguma, o desfile militar que ocorreu na noite do dia 10. Quando chegamos à Praça Kim Il Sung e localizamos nossos assentos na tribuna do Grande Palácio de Estudos do Povo, a chuva não dava descanso. Os organizadores do evento instalaram um toldo de proteção para os convidados estrangeiros e autoridades de outros países que também participavam do evento. A grande novidade deste ano é que estava permitido o uso dos telefones celulares. Pudemos fazer inúmeras fotos e vídeos do desfile, algo que nunca foi possível em outras ocasiões. Também tivemos a oportunidade de ver, mais uma vez, o líder Kim Jong Un, mas, dessa vez, de uma posição muito mais privilegiada, a cerca de cinco metros de distância. A organização, disciplina e senso de combatividade demonstrados pelos coreanos que participavam do evento (mistura de desfile militar com espetáculo de massas) foram algo que impressionou a todos os presentes.
No dia 11, pela manhã, fizemos uma visita rápida ao Jardim Zoológico Central de Pyongyang, uma grande instalação inaugurada em 1959. Durante a noite, retornamos à Praça Kim Il Sung, dessa vez para assistirmos ao desfile de tochas e de massas. Em um primeiro momento, uma série de carros alegóricos temáticos descrevia e narrava a trajetória de luta do PTC, desde a fundação dos primeiros núcleos do Partido, ainda na época da luta anti-japonesa, até os dias atuais, com a Coreia já liderada por Kim Jong Un. Depois dos carros alegóricos, milhares de jovens entraram na praça carregando tochas e realizando danças e movimentos que formavam slogans revolucionários em alusão à luta do PTC e à construção do socialismo. Uma organização impressionante!
Na manhã do dia 12, visitamos a Escola Central de Quadros do Comitê Central do PTC. Era um dos lugares que a nossa delegação mais tinha curiosidade em visitar. A Escola Central de Quadros do PTC foi inaugurada em 24 de maio de 2024, sendo a principal instituição do país dedicada a formar quadros partidários. Na escola, quadros partidários dos mais variados níveis podem participar de cursos e especializações, visando, em especial, à elevação do seu preparo político e ideológico. Ao entrarmos no campus da escola, nos deparamos com gigantescos quadros de Karl Marx e Vladimir Lenin, localizados na fachada de um dos edifícios. De frente para essa construção, havia outro edifício com os retratos de Kim Il Sung, Kim Jong Il e Kim Jong Un. Ainda durante a visita às instalações da escola, estivemos em uma das salas de aula onde Kim Jong Un assistiu à aula inaugural da instituição. Segundo o professor que orientava nossa visita, o tema da aula foi sobre marxismo-leninismo. Um dado interessante é que todas as salas e auditórios da escola possuem um mastro com uma bandeira vermelha localizado à frente da sala de aula.
Depois de visitarmos a escola, fomos ao Museu da Vitória da Guerra de Libertação da Pátria. No museu, vimos uma série de equipamentos e veículos norte-americanos capturados pelos soldados coreanos e pelo exército de voluntários da China. Também tivemos a oportunidade de entrar no navio-espião USS Pueblo, capturado pela RPDC em 1968, após os Estados Unidos invadirem as águas territoriais da Coreia. Percorremos diversas galerias do museu, que mostravam os enormes feitos do povo coreano na resistência contra a invasão imperialista. Durante essa visita, ao conversar com Kim Sun Yong, pesquisadora da KASS, perguntei se ela tinha algum familiar que lutou ou morreu durante o conflito de 1950-1953; ela disse que não, mas me revelou uma história muito interessante: ela é neta da guerrilheira anti-japonesa Mun Suk Gon, a quem Kim Il Sung menciona no segundo volume de suas clássicas Memórias – No Transcurso do Século. Segundo Sun Yong, Kim Il Sung teria morado na casa da família de sua avó durante cerca de dez meses. De acordo com o que relata o próprio Kim Il Sung em suas Memórias, isso teria sido no período em que esteve em Wujiazi, vila localizada na cidade de Jilin, na China.
Com a nossa viagem já terminando, no dia 13 visitamos o Palácio de Taekwondo. Trata-se de uma instalação gigantesca, considerada o “quartel-general” da Federação Internacional de Taekwondo, organização criada pelo general sul-coreano Choi Hong Hi, fundador da arte marcial. Um dos membros de nossa delegação, Diego Grossi, teve a oportunidade de praticar durante 15 minutos com alunos e professores do palácio. Depois da visita ao Palácio de Taekwondo, fomos à Universidade Kim Il Sung, onde pudemos percorrer o campus e visitar o museu dedicado à história da instituição, no qual são apresentados detalhes do trabalho de direção de Kim Il Sung, Kim Jong Il e Kim Jong Un no processo de construção da universidade.
Na parte da noite, ao regressarmos ao hotel, tivemos tempo para uma última confraternização com nossos anfitriões coreanos e com amigos de outras delegações estrangeiras. Antes de nos dirigirmos aos quartos para nos prepararmos para a volta, Choe Chol Ryong me chamou dizendo que iríamos receber da KASS as insígnias com os retratos dos líderes Kim Il Sung e Kim Jong Il. Essas insígnias não são comercializáveis, sendo entregues somente àqueles que apoiam a causa socialista na Coreia. Ficamos muito honrados e agradecidos; fizemos questão de reforçar nosso apoio à revolução coreana, ao seu Partido e à sua direção, fazendo votos para que os laços de amizade entre o povo coreano e o brasileiro se fortaleçam cada vez mais.
Nosso voo partiu de Pyongyang no dia 14, às 9h30 da manhã. A sensação dos membros da delegação era de ânimo pela grande experiência vivida, somada a um sentimento de tristeza e melancolia causado por toda despedida. Deixamos claro aos nossos amigos e companheiros coreanos que, em breve, pretendemos regressar e fortalecer no Brasil os trabalhos de nossas entidades de estudo e divulgação da realidade da República Popular Democrática da Coreia.
(*) Mestre em Filosofia Marxista pela Universidade Normal de Pequim


