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Primeiro-ministro de Singapura alerta para turbulência em nova ordem mundial pós-americana

Lawrence Wong afirma que o mundo vive uma transição caótica e imprevisível, marcada pelo recuo dos EUA e pelo avanço da multipolaridade liderada por China

Lawrence Wong, primeiro-ministro de Singapura (Foto: Reprodução Youtube)

247 – O primeiro-ministro de Singapura, Lawrence Wong, afirmou que o mundo está passando por uma profunda transformação rumo a uma “ordem pós-americana”, com impactos diretos na estabilidade global. 

Em entrevista ao Financial Times, publicada no canal do jornal no YouTube, Wong alertou que o planeta vive uma fase de “transição confusa e imprevisível”, na qual “as antigas regras já não se aplicam e as novas ainda não foram escritas”.

A transição para a multipolaridade

Segundo o premiê, os Estados Unidos estão “recuando de seu papel de fiador global”, o que gera um vácuo de poder que nenhuma outra nação parece disposta ou capaz de preencher. “Estamos em uma posição desconfortável: as regras antigas não funcionam mais, e as novas ainda não foram criadas. Precisamos nos preparar para mais turbulência”, afirmou Wong.

Ele ressaltou que a ascensão de múltiplas potências — entre elas China, Europa, Índia e blocos regionais como a Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean) — exige cooperação pragmática entre países “com mentalidades semelhantes”. Cingapura, disse, busca fortalecer laços comerciais e investir em “novas conexões de comércio e nas bases de uma arquitetura multilateral renovada”.

EUA em declínio relativo e o legado de Donald Trump

Questionado sobre o papel dos Estados Unidos sob a liderança do presidente Donald Trump, Wong reconheceu que parte das críticas americanas sobre “caronas” no sistema global podem ser justificadas, mas alertou que o isolacionismo pode enfraquecer o próprio Ocidente. “Alguns países talvez tenham se beneficiado mais do sistema, mas o resultado dessa reação é um enfraquecimento da ordem global. Não há retorno: viveremos em um mundo multipolar”, declarou.

O premiê destacou ainda que as tarifas impostas por Washington durante o governo Trump abalaram a credibilidade dos EUA na Ásia, mas não eliminaram sua relevância. “Apesar das tarifas, os Estados Unidos continuam sendo o maior investidor na região, ainda que a China seja o principal parceiro comercial”, afirmou.

Asean e o papel da Ásia na nova ordem

Wong defendeu o fortalecimento da Asean, bloco que reúne dez países do Sudeste Asiático, como um espaço de integração econômica e estabilidade política. “O Sudeste Asiático costumava ser chamado de ‘Bálcãs da Ásia’ pela sua diversidade e potencial de conflito. No entanto, conseguimos manter a paz e evitar guerras por décadas. Asean não é perfeita, mas é indispensável”, disse.

Segundo ele, o aumento das tensões comerciais entre EUA e China acabou acelerando o processo de integração econômica regional. “Os líderes da Asean estão mais conscientes da importância de se unir para garantir competitividade e atratividade como mercado único”, afirmou.

Rivalidade entre EUA e China

Ao comentar o conflito econômico entre as duas maiores potências do mundo, o primeiro-ministro de Cingapura classificou a relação entre Washington e Pequim como “a mais consequente e perigosa” da atualidade. “Quando uma economia aperta, a outra responde, e isso cria uma dinâmica de destruição mútua assegurada”, alertou.

Para Wong, tanto EUA quanto China acabarão encontrando uma forma de coexistência, ainda que sob intensa competição. “Esperamos que consigam construir ao menos um tipo de guarda-corpo econômico que evite o desacoplamento total, o que seria desastroso para o mundo inteiro”, declarou.

“A China é uma potência já consolidada”

O líder cingapuriano reconheceu a ascensão irreversível da China no cenário global. “Precisamos aceitar a realidade de que a China não é apenas uma potência ascendente — é uma potência já consolidada”, afirmou. Ele observou que o país asiático se destaca em tecnologia, manufatura avançada e energia renovável, e que seu modelo de desenvolvimento não seguirá o padrão ocidental.

“Pequim não vai convergir para as normas ocidentais. Encontrará seu próprio caminho para a modernidade”, disse. Wong também elogiou o papel mais ativo da China em instituições internacionais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC).

Reforço do multilateralismo e novas alianças

Cingapura, segundo Wong, busca “revigorar instituições globais” e propor novas iniciativas de cooperação entre economias médias e pequenas, como o Future of Investment and Trade Partnership, parceria lançada com o apoio dos Emirados Árabes Unidos.

O primeiro-ministro também destacou o interesse em aprofundar a integração entre a União Europeia e a Asean, lembrando que juntos esses blocos representam “cerca de 40% do comércio global”.

Juventude e estabilidade interna

Ao final da entrevista, Wong abordou as mudanças sociais e o impacto das incertezas globais sobre a juventude. “Vemos ansiedade crescente entre os jovens no mundo inteiro — da China ao Ocidente. Nosso desafio é dar a eles confiança e condições para construir um futuro melhor”, afirmou.

Ele também comentou sobre os desafios pessoais da liderança política: “O mais difícil é lidar com pessoas. É tomar decisões duras, renovar equipes, dizer a colegas que precisam sair para que o país possa seguir em frente. Isso é doloroso, mas necessário.”

A entrevista completa com o primeiro-ministro Lawrence Wong está disponível no canal oficial do Financial Times no YouTube (assista aqui).

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