HOME > Ideias

John Mearsheimer: a transição de poder dos EUA para a China já começou

Para o renomado teórico das relações internacionais, o declínio americano e a ascensão chinesa são irreversíveis e marcarão o século XXI

John Mearsheimer (Foto: Universidade de Chicago)

247 – O professor John Mearsheimer, um dos mais influentes teóricos das relações internacionais e autor da escola do realismo ofensivo, afirma que o mundo vive um momento decisivo. Em sua análise apresentada no vídeo “When Titans Collide: The Coming Reckoning Between China and the United States”, disponível no YouTube, Mearsheimer sustenta que a era de hegemonia incontestável dos Estados Unidos chegou ao fim e que uma nova ordem internacional está em formação.

“Estamos vivendo o ponto de virada do século XXI”, diz Mearsheimer. “O período de domínio absoluto dos Estados Unidos está se encerrando, e um novo equilíbrio estratégico começa a emergir.” Segundo o professor, pela primeira vez desde o fim da Guerra Fria, Washington enfrenta um competidor de peso equivalente — a China — capaz de desafiar seu poder econômico, militar e político em escala global.

A ascensão da China e a lógica do poder

Para Mearsheimer, o confronto entre China e Estados Unidos não é ideológico, mas estrutural. “Não se trata de valores ou personalidades. Trata-se de poder, sobrevivência e da estrutura do sistema internacional”, explica. Segundo ele, toda grande potência busca dominar sua região e impedir que outras façam o mesmo. “Esse é o ferro da lei da política internacional desde o surgimento do Estado moderno”, afirma.

O professor traça a trajetória da China desde as reformas de Deng Xiaoping, em 1978, que abriram o país ao mercado sem abandonar o controle político. O resultado, diz ele, foi um modelo híbrido que impulsionou o crescimento mais rápido da história moderna. “A China multiplicou seu PIB dezenas de vezes, tirou centenas de milhões da pobreza e tornou-se a fábrica do mundo”, observa.

Esse sucesso econômico, acrescenta Mearsheimer, transformou-se em poder estratégico. O país construiu a maior base industrial do planeta, acumulou enormes reservas financeiras e modernizou suas Forças Armadas. “A Marinha chinesa cresceu mais rapidamente do que qualquer outra em tempos de paz, e o investimento em inteligência artificial, computação quântica e tecnologias espaciais demonstra uma ambição clara de liderança global”, analisa.

O declínio gradual da hegemonia americana

Enquanto a China consolidava sua ascensão, os Estados Unidos, segundo Mearsheimer, entravam em um processo de erosão interna e estratégica. “O erro americano foi acreditar que a globalização e a interdependência transformariam a China em uma parceira submissa dentro da ordem liderada por Washington. O que ocorreu foi o oposto: Pequim utilizou o sistema criado pelos EUA para acelerar seu próprio crescimento”, explica.

O professor ressalta que, após o colapso da União Soviética, os Estados Unidos desperdiçaram a oportunidade de consolidar sua posição global. “Em vez de se fortalecer, Washington buscou remodelar o mundo à sua imagem, expandindo a OTAN até as fronteiras da Rússia e travando guerras custosas no Oriente Médio. Essas ações desgastaram seus recursos e corroeram sua legitimidade.”

As derrotas no Iraque e no Afeganistão, o aumento da desigualdade social e a polarização política interna são, para Mearsheimer, sintomas de um império em declínio. “O hegemom americano está sobrecarregado e endividado, incapaz de sustentar a mesma dominância de antes”, afirma.

A armadilha da hegemonia

Segundo Mearsheimer, o atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, enfrenta o dilema clássico das grandes potências em declínio: recuar para preservar recursos ou insistir na supremacia e acelerar a queda. “A armadilha da hegemonia é acreditar que o poder sem limites pode durar para sempre. Cada tentativa de manter o domínio global aumenta o risco de colapso”, diz.

O professor compara o momento americano ao da Grã-Bretanha no início do século XX — sobrecarregada por compromissos militares e econômicos, enquanto novas potências emergiam. “A história raramente poupa as nações que confundem poder com destino”, alerta.

O mundo multipolar que emerge

Para Mearsheimer, a era da unipolaridade terminou. “O sistema internacional está se tornando multipolar, com China, Rússia, Índia e outras potências regionais exercendo maior autonomia. A capacidade dos Estados Unidos de ditar as regras está diminuindo”, analisa.

Ele destaca que a disputa sino-americana será o conflito definidor do século XXI, com implicações para economias, alianças e para a estabilidade global. “Se a história ensina algo, é que grandes potências raramente cedem espaço de forma pacífica. A lógica do poder muitas vezes empurra até os estados mais racionais para o desastre”, conclui.

A visão de John Mearsheimer é clara: a transição de poder global já começou, e o centro de gravidade político e econômico do mundo está se deslocando para o Leste. Para o professor, os Estados Unidos terão de escolher entre reconhecer essa nova realidade ou insistir em uma hegemonia insustentável.

Como adverte o teórico: “As transições de poder não pedem permissão. Elas impõem consequências. E quando as marés da história mudam, nenhuma nação — por mais excepcional que se julgue — consegue escapar de sua força.”

Artigos Relacionados