Jamil Chade prevê ‘concentração de poder nas mãos de Trump’ e alerta: 'só o Judiciário não vai ser suficiente'
O jornalista também comenta sobre a China, a ONU e fala sobre o seu novo livro. Vídeos
Leonardo Lucena, 247 – Especializado em política internacional, com cerca de duas décadas de experiência na Europa e morando nos Estados Unidos atualmente, o jornalista Jamil Chade alertou para as articulações dos EUA com a extrema direita global.
O analista prevê uma “concentração de poder nas mãos” do presidente Donald Trump e alertou que “só o Judiciário não vai ser suficiente” para resistir às violações de direitos para imigrantes e também para deter tentativas de perdão judicial de pessoas envolvidas nos atos golpistas do Capitólio, onde fica o Legislativo norte-americano, em Washington (EUA).
“Há bases ultra conservadoras, autoritárias (nos EUA). Preocupante”, relatou Chade durante evento na Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), Derby, região central da capital pernambucana, onde ocorreu o lançamento do seu livro “Tomara que você seja deportado”, que tem como subtítulo "Uma viagem pela distopia americana". O encontro foi mediado pelo jornalista Rossini Barreira.
“Quando a autoridade (Trump) usa o ódio e o medo como instrumento de poder, é imprevisível saber onde ela vai chegar. Mas a extrema direita tem plano, tem meta. A ameaça chegou”, continuou o jornalista, sugerindo que a necessidade de resistência não se esgota apostando na via jurídica, em defesa dos direitos humanos e da preservação de eleições feitas dentro de um regime democrático.
O evento na Fundaj foi realizado em parceria com a Bienal Internacional do Livro de Pernambuco, que tem Rogério Robalinho como coordenador.

Em tom de alerta, o jornalista mencionou a defesa da anistia feita por norte-americanos envolvidos no Capitólio, quando apoiadores do então presidente Donald Trump (Partido Republicano) invadiram o Legislativo, em Washington (EUA). Em atos golpistas, eles acusaram o sistema eleitoral de fraudes, numa tentativa de impedir a posse de Joe Biden (Partido Democrata).
“Anistia americana não pacifica. É receita para a continuação da violência. Nos EUA, querem transformar criminosos em vítimas do Estado”, continuou.

No evento, Chade afirmou que o sistema de funcionamento da ONU é “obsoleto” e defende uma reforma na instituição para que lideranças avancem na implementação de políticas voltadas para minorias em nível global.
“O sistema é obsoleto e não atende mais aos interesses dos países em desenvolvimento, às necessidades do Planeta”, disse. "A Carta da ONU (de 1945) não tem uma palavra sobre clima, por exemplo. É a hora de fazer uma reforma”, acrescentou.
Confira algumas estatísticas
Números oficiais apontaram que os EUA têm entre 45 milhões e 50 milhões de imigrantes. Em sua mais recente proposta, o presidente Donald Trump determinou que seu governo faça um novo Censo, e desconsidere imigrantes residentes ilegalmente no país.
De acordo com o Pew Research Center, cerca de 11 milhões de imigrantes ilegais vivem nos EUA. Cerca de 230 mil são brasileiros. O PRC é um centro de estudos apartidário Coordena pesquisas de opinião pública, estudos demográficos, análises de conteúdo e outros levantamentos em ciências sociais baseadas em dados. Não adota posições políticas.

O Brasil tem pelo menos 1.755.723 de migrantes, 76.400 Refugiados Reconhecidos e 77.789 (o Solicitantes de Reconhecimento da Condição de Refugiado), totalizando 1.909.912, apontaram os registros migratórios ativos no Brasil até o dia 31 de maio de 2025, conforme informações do SISMIGRA – Sistema de Registro Migratório da Polícia Federal.
Nas estastíticas migratórias em solo brasileiro, não estão incluídos os registros considerados inativos, ou seja, aqueles que foram encerrados por motivos como:
• falecimento do migrante,
• aquisição da nacionalidade brasileira,
• retorno definitivo ao país de origem ou a terceiros países,
• término do período de residência temporária.
Reescrever história

O jornalista afirmou, ainda, que, no território norte-americano, sob o governo Trump, dá para sentir o “vento gelado do autoritarismo”. “Há um bombardeio de desinformação de um ressentimento econômico profundo”, disse.
Segundo Jamil, existe uma tentativa de reescrever a história dos EUA com o objetivo de apagar da memória da humanidade práticas que violam a Constituição norte-americano e citou um exemplo:
“A história de George Floyd estão tentando reescrever”, afirmou o jornalista, em referência ao assassinato do homem negro, morto por Derek Chauvin, um policial branco de Minneapolis que se ajoelhou em seu pescoço impedindo que Floyd respirasse. O crime gerou manifestações em todo o mundo contra abordagens policiais com motivação racial. O caso aconteceu em 2021.

Fator China
Durante o lançamento do livro, Jamil sinalizou que guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza não são a principal preocupação do governo Trump atualmente. “China é o maior desafio dos EUA, maior que a União Soviética”, destacou.
No comentário sobre o gigante asiático, Jamil lembrou que a China é o principal parceiro comercial de mais de 120 países. “É a maior responsável por registrar patentes. É onde a inovação acontece".
Antes de 2000, os EUA tinham mais de 80% dos países negociando mais com os norte-americanos do que com a China. O número caiu para 30% em 2018, com os chineses assumindo a primeira posição em 128 de 190 países.
O número foi publicado pelo Woodrow Wilson International Center for Scholars, ou Centro Internacional para Acadêmicos Woodrow Wilson. Conhecida como Wilson Center, a instituição é um centro de estudos e pesquisa em políticas públicas com sede em Washington, capital norte-americana.

- PIBs e patentes
Sobre as patentes, mencionadas por Jamil, o relatório anual sobre os Indicadores Mundiais de Propriedade Intelectual (WIPI) da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) mostrou que a China liderou o número de patente (1,64 milhões). Os EUA ficaram em segundo lugar (518.364). Japão (414.413), República da Coreia (287.954), Alemanha (133.053) e Índia (64.480) completaram a lista.
A China ficou em terceiro lugar entre os PIBs que mais cresceram em 2024, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A China expandiu 5%, atrás da Indonésia (5%) e da Índia (6,7%). Os EUA ficaram na 11ª posição, com alta de 2,8%.
Na 7ª colocação, o Brasil registrou alta de 3,4%. A Dinamarca (3,6%) apareceu em 6° lugar, seguida pela Rússia (4,1%) e pela Costa Rica (4,3%). A Espanha (3,2%) ficou em 8° lugar, seguida pela Turquia (3,2%) e pela Polônia (2,9%).
Republicanos x Democratas

O jornalista comentou rapidamente sobre as duas principais legendas norte-americanas. Na avaliação feita por Jamil, o Republicano, partido do presidente Trump, foi “sequestrado pela extrema direita”.
O analista sugeriu, ainda, que o Partido Democrata precisa de mais união interna para avançar contra pautas que atendam ao interesse público norte-americano e também possam influenciar outras nações.
“Se perderam. Abriram feridas que não se curaram ainda”, disse Jamil em referência à legenda de Joe Biden, antecessor de Trump na presidência dos EUA.
Historicamente, os Republicanos defendem menos intervenção do governo na economia. São favoráveis a uma economia conduzida mais pelo livre mercado, e mais conservadores em assuntos como porte de armas, direitos LGBTQ+ e aborto.
O partido do atual presidente norte-americano tem uma tendência a dar menos apoio a regulamentações ambientais. Na política externa, Tendem a adotar postura mais dura e nacionalista, priorizando segurança militar e interesses econômicos dos EUA.
Os políticos do Partido Democrata defendem mais atuação do governo federal na economia, na proteção dos direitos sociais e redução das desigualdades. Também defendem maior controle de armas.
Os democratas dão mais atenção a medidas de combate às mudanças climáticas e investimentos em energias renováveis. Na área internacional, o partido valoriza alianças internacionais e o multilateralismo.
Cientista político
Professor de Mestrado da Universidade Federal de Pernambuco, o cientista político Túlio Velho Barreto alertou para a forma como o governo Trump faz a política migratória, o que influencia outros governos de extrema direita fora os EUA. “Deportações em massa, sem critérios, com violência. Os imigrantes é que fizeram aquele país: europeus, pessoas de outros continentes constituíram o que são os EUA”.
Conforme destacou o analista, “a relação da extrema direita norte-americana com a extrema direita no Brasil” ocorre “de forma direta”. “Não tem razão comercial. O que está em jogo é uma questão política”.
“A articulação deste segmento rompe as fronteiras. Estamos falando dos EUA e do Brasil, mas isso se dá com a extrema direita europeia, com a América Latina. Basta ver o que acontece na Argentina, que tem sido subserviente à política norte-americana”, pontuou Barreto.
“A democracia falha completamente. Se a gente olha pra Europa. Em um governo autoritário terminam se potencializando medidas que agridem as pessoas que, por alguma razão, tem necessidade de migrar”.
Migração versus Segurança Nacional
Estudante do curso de Relações Internacionais da Faculdade Damas, Carlos Henrique, 28 anos, criticou a maneira como os políticos da extrema direita dos EUA encaram a política migratória dentro e fora do território norte-americano.
Segundo a análise do estudante, a migração é uma questão "instrumentalizada" pela extrema direita "como situação de segurança nacional, um estranhamento do outro”. “É uma narrativa distorcida daquilo que sempre foi visto mundialmente como direitos humanos”, disse.
Na entrevista ao 247, Carlos Henrique falou sobre o livro lançado por Jamil. “Grande importância num cenário que é necessário reforçar em várias nuances, seja literária, cinematográfica, a questão da imigração. É um grande impacto tanto acadêmico como social em um processo tenebroso no cenário norte-americano”.

Importância da obra
O jornalista Jamil Chade comentou sobre a importância do livro. "Por que um grupo prospera? Qual o fracasso da democracia? Existe americano vivendo na mesma condição de um boliviano, país mais pobre da América do Sul", relatou.
"É uma realidade americana, de uma região que já foi central na globalização. O Mississipi foi o eixo da expansão da globalização. Hoje é um local dos derrotados da globalização", complementou.

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