Retomada de voos diretos é só o primeiro passo para restabelecer as relações China-Índia
Editorial do Global Times afirma que a reabertura das rotas aéreas entre os dois países marca o início de uma nova fase de cooperação
247 – A retomada dos voos diretos entre China e Índia, após mais de cinco anos de interrupção, marca um ponto de virada nas relações entre as duas maiores nações do planeta. O primeiro voo, totalmente lotado, partiu de Calcutá e pousou em Guangzhou nesta segunda-feira (26), simbolizando o início de uma nova etapa de aproximação bilateral. A análise foi publicada pelo jornal Global Times, que destacou o caráter simbólico e estratégico desse gesto.
Apesar de serem vizinhos e representarem juntos mais de um terço da população mundial, China e Índia permaneceram sem voos diretos por mais de cinco anos — um fato considerado “difícil de entender” pelo editorial do Global Times. A agência AFP descreveu o momento como um sinal de que “os dois gigantes asiáticos estão reconstruindo cautelosamente suas relações”, enquanto a Bloomberg apontou o episódio como “um novo indício do aquecimento dos laços entre duas das maiores economias do mundo”.
O governo indiano afirmou que a retomada dos voos deve fortalecer o “contato entre os povos” e ajudar na “gradual normalização dos intercâmbios bilaterais”. Para o jornal chinês, a reabertura das rotas representa um passo essencial rumo à normalização das relações, indo muito além de um simples avanço logístico.
De tensões a entendimento político
Nos últimos anos, as relações sino-indianas foram marcadas por tensões nas fronteiras, flutuações no comércio e restrições impostas pela pandemia. No entanto, um novo ciclo começou após o encontro entre o presidente Xi Jinping e o primeiro-ministro Narendra Modi em Tianjin, em agosto deste ano.
Durante a reunião, Xi afirmou que China e Índia devem ser “bons vizinhos e parceiros que se ajudam mutuamente a ter sucesso”, enquanto Modi respondeu que os dois países são “parceiros, não rivais” e que “o consenso entre as nações supera em muito as divergências”. Essa troca de mensagens positivas abriu espaço para uma reaproximação guiada pela diplomacia de alto nível.
Comércio em expansão e gestos de boa vontade
O reaquecimento político tem reflexos na economia. No último mês, as importações indianas da China cresceram mais de 16% em relação ao mesmo período do ano anterior, enquanto as exportações da Índia para o mercado chinês aumentaram cerca de 34%. Durante o festival Diwali, soldados de ambos os países trocaram doces ao longo da Linha de Controle Real, gesto simbólico de boa vontade e distensão.
Diante desse cenário, a reativação dos voos diretos é vista como consequência natural de um movimento mais amplo de reaproximação e de um forte desejo mútuo por cooperação econômica e cultural.
Relações ainda limitadas e desafios persistentes
O Global Times lembra, porém, que restaurar os voos é apenas o primeiro passo. Outros canais de intercâmbio permanecem limitados: o sistema de e-visas para viajantes chineses ainda está suspenso, estudantes chineses têm dificuldade em obter vistos para a Índia e há gargalos no comércio de fronteira.
Segundo o jornal, a China está, neste momento, “abrindo-se unilateralmente” à Índia, enquanto Nova Délhi “abre apenas uma pequena fresta da porta”. Considerando o potencial conjunto de mais de 2,8 bilhões de pessoas, a cooperação bilateral ainda está longe de atingir seu pleno potencial.
Superar preconceitos e fortalecer a autonomia estratégica
O editorial também aponta que parte da resistência indiana decorre de “viéses cognitivos” e da influência de setores políticos que continuam a enxergar a China como um “competidor principal” ou “adversário imaginário”. O texto defende que a Índia, como grande potência com uma política externa autônoma, deve romper com o papel que o Ocidente tenta lhe impor no chamado “tabuleiro Indo-Pacífico”.
Para o Global Times, melhorar as relações com a China deve ser uma escolha soberana, baseada nos interesses nacionais indianos. A facilitação do intercâmbio entre empresários, acadêmicos e artistas, por exemplo, traria benefícios diretos para ambos os países e ampliaria a cooperação social e cultural.
Dois protagonistas do Sul Global
Em um contexto global de instabilidade e recuperação econômica lenta, China e Índia se consolidam como líderes do Sul Global e atores fundamentais na promoção da multipolaridade mundial. O editorial ressalta que os dois países devem concentrar esforços no desenvolvimento como meta comum, apoiando-se mutuamente e contribuindo para a paz e a prosperidade da Ásia e do mundo.
A reabertura dos voos diretos, portanto, é apenas o começo de um processo mais amplo. Como destaca o Global Times, “há muito mais a ser restaurado entre China e Índia além dos voos diretos” — e o verdadeiro desafio agora é transformar o atual clima de boa vontade em uma parceria duradoura e equilibrada.



