"Trump vende paz, mas conflito permanece", diz Salem Nasser que alerta para risco de nova guerra no Oriente Médio
Para o professor, cessar-fogo é estratégia dos EUA e Israel para recompor imagem, sem resolver questão palestina ou reconhecer dois Estados
247 - Em entrevista ao programa Brasil Agora da TV 247, o jurista e professor Salem Nasser, especialista em Oriente Médio, fez uma análise sobre o suposto “acordo de paz” anunciado por Donald Trump. Segundo Nasser, o presidente dos Estados Unidos utiliza a retórica pacificadora como instrumento político, mas o acordo não altera os fundamentos do conflito. “Eu confio zero nas palavras, no discurso dele”, afirmou, destacando a imprevisibilidade de Trump e a ausência de compromisso com qualquer plano real para a Palestina.
Para o professor, a celebração do cessar-fogo, marcado pela libertação de prisioneiros e reencontros familiares, é, antes de tudo, um alívio humanitário, porém distante de uma solução política.
“Essa paz que o Trump está vendendo é propaganda parcialmente”, afirmou. Trump, segundo Nasser, busca capital político, inclusive mirando um possível Nobel da Paz.
Acordo sem palestinos
Salem Nasser afirmou que o documento apresentado como pacto de paz sequer pode ser considerado um acordo legítimo. Segundo ele, Estados Unidos e Israel apenas acertaram entre si o que desejam impor ao resto do mundo. Os verdadeiros protagonistas do conflito, os palestinos e grupos de resistência como o Hamas, não foram incluídos na negociação.
“Quem estava com os reféns? Os grupos de resistência palestinos. Então, se você não faz um acordo com eles, como você está fazendo um acordo?”, indagou.
Mesmo assim, Nasser pontua que o Hamas aceitou parcialmente os termos para garantir uma pausa no massacre e um alívio para a população de Gaza, que vive sob catástrofe humanitária.
Desgaste de imagem dos EUA e Israel
O jurista sustenta que a interrupção do ataque a Gaza não representa mudança de posição geopolítica, mas apenas cálculo estratégico. Israel e os Estados Unidos, segundo ele, decidiram frear o avanço militar porque o custo de imagem se tornou insustentável.
“Cada dia a mais de massacre causava mais mal à imagem dos Estados Unidos, à imagem de Israel e até ao apoio político do Trump dentro dos Estados Unidos”, salienta Nasser, afirmando que as potências ocidentais não desistiram de seus objetivos: a expansão israelense e a neutralização da resistência palestina.
Reconhecimento simbólico da Palestina sem Estado real
Salem Nasser critica a superficialidade dos países que reconheceram simbolicamente o Estado Palestino sem exigir de Israel a retirada de assentamentos e o fim da ocupação.
“Se isso não for seguido de medidas reais, você joga esse reconhecimento no lixo”, enfatiza, alertando que a política de anexação territorial por Israel segue viva, e que nenhum compromisso com a solução de dois Estados foi assumido por Trump, que sequer mencionou essa possibilidade nos discursos recentes.
Risco de nova guerra: Irã é próximo alvo
Outro alerta da Nasser é o risco de uma escalada militar contra o Irã nas próximas semanas. “95% das pessoas que eu ouço na região acreditam numa guerra contra o Irã antes do fim do ano”, aponta.
Para ele, o cessar-fogo em Gaza pode ser apenas uma pausa estratégica para reorganizar forças e abrir caminho para um novo conflito regional, possivelmente envolvendo também o Líbano e o Hezbollah.
Ao comentar a presença de países árabes como Catar e Egito no processo, Nasser lembrou que, apesar da riqueza ou posição geográfica, esses governos têm pouca autonomia diante dos Estados Unidos.
“Se o presidente do Egito souber que só é presidente enquanto os americanos quiserem, ele vai obedecer cegamente ao que o Trump disser”, afirmou.
O Catar, que atua como mediador, tem peso financeiro, segundo ele, mas teme represálias diretas caso desagrade Washington.
Netanyahu: rejeição popular cresce, mas projeto continua
Internamente, Benjamin Netanyahu enfrenta rejeição crescente, sobretudo entre famílias de reféns e setores urbanos de Israel. Ainda assim, Salem Nasser acredita que a maioria da sociedade israelense segue comprometida com o projeto colonial de longo prazo: eliminar a presença palestina e anexar territórios.
“O projeto é um só e a grande maioria está de acordo: acabar com os palestinos, anexar e criar a Grande Israel.”
Para Salem Nasser, a única vitória real dos palestinos neste momento é ter sobrevivido ao genocídio e mantido sua presença em Gaza, ao custo de milhares de vidas. O conflito, porém, está longe de terminar. “O coração do problema não está resolvido. Esse conflito vai continuar.”