Fernando Augusto Fernandes: Os EUA têm dois pesos e duas medidas
Jurista defende que ordens e leis estrangeiras só valem no Brasil após controle das autoridades nacionais
247 - Em entrevista ao programa Boa Noite 247, o jurista Fernando Augusto Fernandes afirmou que a aplicação automática de leis e decisões estrangeiras no Brasil fere a soberania e que “os Estados Unidos têm dois pesos e duas medidas”. A conversa concentrou-se nos efeitos da chamada Lei Magnitsky e nas sanções impostas por Washington ao ministro Alexandre de Moraes, bem como nas consequências para o sistema financeiro brasileiro.Ao comentar a decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), que condiciona a validade de atos estrangeiros à homologação no país, Fernandes disse que a medida está correta e alinha-se à tradição jurídica brasileira. Segundo o STF, Dino fixou que sentenças e medidas de outros países só produzem efeitos no Brasil após exame das autoridades competentes, inclusive quanto a ordens dirigidas a bancos e empresas nacionais.
O ponto central da entrevista foi a crítica à pretensão de extraterritorialidade dos Estados Unidos. Para o jurista, “os Estados Unidos deseja julgar e punir fatos que não ocorreram durante a jurisdição dele, sob o seguinte argumento: quando se afeta o interesse americano, eles entendem que isso pode ser julgado lá”. Ele citou casos como as multas contra a Petrobras e a prisão de dirigentes da Fifa em países terceiros, contrapondo-os ao histórico de Guantánamo. “Ou seja, dois pesos e duas medidas”, resumiu.
Fernandes sustentou que, no Brasil, nenhuma decisão penal ou civil estrangeira pode valer sem compatibilidade com a legislação interna e sem chancela judicial local. “Uma sentença penal estrangeira para ser cumprida no Brasil, ela precisa ter a equivalência de ser crime aqui e a pena ser condizente com a legislação brasileira”, afirmou, lembrando que o Superior Tribunal de Justiça só admite execução quando há dupla tipicidade e adequação da pena. Ele recorreu a exemplos práticos de extradição negada e de cumprimento de pena adaptado ao ordenamento nacional.
Ao tratar diretamente do impacto das sanções norte-americanas contra Alexandre de Moraes — ato tomado pelo governo do atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump —, Fernandes reforçou que a medida não se aplica automaticamente no país. “O banco pode impedir o ministro Alexandre Moraes de ter uma conta em real no banco? Por evidente, na minha opinião, não, porque vai estar dando vigência a uma ordem de um país estrangeiro no nosso”, afirmou. Na mesma linha, destacou: “Tem que haver consequência no território nacional”.
Para o jurista, eventuais restrições bancárias baseadas em ordens externas devem ser enfrentadas por órgãos do Executivo e do sistema financeiro. “Quanto aos bancos, quem tem que tomar providência contra os bancos é o Banco Central e é a União Executiva”, disse. Ele defendeu que instituições que descumprirem a legislação brasileira, sob pretexto de cumprir sanções estrangeiras, estejam sujeitas a medidas internas: “Se vocês descumprirem a nossa legislação, nós vamos caçar o direito de você funcionar no Brasil”.
Fernandes também classificou o uso recente da Lei Magnitsky contra autoridade do STF como distorção do propósito original do instrumento. “A lei foi desvirtuada, foi torturada para servir a isso”, afirmou. Desde o fim de julho, veículos registram a aplicação da Magnitsky a Alexandre de Moraes e seus efeitos sobre transações e eventuais bloqueios no sistema financeiro internacional, contexto que elevou a tensão diplomática entre Brasília e Washington.
Na avaliação do jurista, a resposta institucional deve combinar o entendimento do STF — de que atos estrangeiros carecem de homologação no Brasil — com atuação regulatória do Banco Central, da Advocacia-Geral da União e do Ministério Público. “Para valer dentro do território nacional, [a decisão estrangeira] precisa ser homologada pelo Judiciário brasileiro”, disse. Ele reforçou que a proteção do sigilo bancário e o respeito à competência das autoridades brasileiras são elementos centrais dessa defesa.
Ao final, Fernandes relacionou a controvérsia às regras de cooperação jurídica internacional: ordens e sanções emitidas por outro país, mesmo quando dirigidas a pessoas ou empresas com operações no Brasil, só podem produzir efeitos após controle de legalidade interno — condição reafirmada por Flávio Dino nesta semana. Assista: