Emerson Kapaz: "não tem mais doleiro no Brasil, virou tudo fintech"
Ex-deputado e presidente do Instituto Combustível Legal alerta sobre a sofisticação do crime organizado e sua penetração no mercado de combustíveis
247 - Em entrevista ao programa Boa Noite 247, o ex-deputado federal Emerson Kapaz, atual presidente do Instituto Combustível Legal, fez um diagnóstico contundente sobre a infiltração do crime organizado no setor de combustíveis e em outras áreas da economia. Segundo ele, o avanço das facções se sofisticou a ponto de transformar as fintechs no novo espaço de atuação de doleiros, facilitando movimentações milionárias sem controle efetivo do Estado.
Kapaz lembrou que o instituto que dirige vem há anos mapeando esquemas ilícitos, que incluem desde postos de combustíveis controlados por organizações criminosas até usinas de etanol adquiridas por fundos ligados ao crime. “Quanto mais aprofundamos as investigações, mais sério fica o quadro. Para esse sistema funcionar, há inevitavelmente conexões políticas”, afirmou, destacando o uso de caixa dois eleitoral como elo entre a criminalidade e agentes públicos.
Conexões políticas e brechas no sistema tributário
De acordo com o ex-parlamentar, a falta de controle regulatório abriu portas para que facções se expandissem. A monofasia — regime que concentra a cobrança do ICMS no início da cadeia de gasolina e diesel — não foi estendida ao etanol, o que acabou criando um “vácuo” explorado por grupos ilegais. “Hoje já temos seis, sete, até oito usinas compradas por organizações criminosas”, disse.
Kapaz citou ainda uma refinaria do Rio de Janeiro em recuperação judicial há dez anos e com dívidas tributárias de R$ 25 bilhões, que segue ativa. Para ele, situações como essa revelam a conivência institucional e a fragilidade de órgãos fiscalizadores.
Do ônibus ao posto de gasolina: a expansão do crime
O dirigente ressaltou que a penetração do crime organizado vai muito além dos combustíveis. Setores como bebidas, fumo, cabos elétricos e até a construção civil também foram cooptados. “Quando fui presidente do Instituto de Ética Concorrencial, conseguimos aumentar em 80% a arrecadação no setor de cerveja com o uso de medidores de vazão. Estranhamente, anos depois, esse sistema foi desativado”, relatou.
O caso das empresas de ônibus em São Paulo, controladas por facções e responsáveis por transportar mais de 700 mil pessoas por dia, foi outro exemplo citado. “Isso aconteceu diante das autoridades da maior cidade do país, o que mostra o poder de infiltração desses grupos”, alertou.
O novo papel das fintechs
Para Kapaz, a tecnologia financeira virou o espaço preferencial do crime. “Não tem mais doleiro no Brasil, virou tudo fintech. Hoje, movimentações de R$ 20 ou R$ 30 milhões circulam sem que o COAF consiga acompanhar, enquanto um cidadão comum precisa justificar saques de R$ 2 mil ou R$ 5 mil”, criticou.
Ele destacou que o Banco Central e o Ministério da Fazenda já discutem medidas para enquadrar fintechs sob as mesmas regras aplicadas aos bancos. “É urgente que haja fiscalização mais rígida, porque a sofisticação desses mecanismos dá ao crime organizado uma fluidez internacional inédita”, explicou.
Impactos diretos no consumidor
Além das perdas bilionárias para os cofres públicos, a ação das quadrilhas afeta diretamente os consumidores. Kapaz estima que cerca de 900 postos em todo o país estejam ligados ao PCC. Segundo ele, muitas dessas unidades vendem combustíveis adulterados com metanol, substância capaz de destruir motores. “O consumidor precisa desconfiar de ofertas mirabolantes e sempre exigir nota fiscal. O elo mais frágil dessa cadeia é o cidadão que abastece seu carro”, disse.
Perspectivas e riscos para o país
Kapaz comparou a estrutura criminosa brasileira à máfia italiana e alertou para o risco de “mexicanização” do Estado, caso não haja enfrentamento duradouro. “Se não reagirmos agora, corremos o risco de um dia prestar contas não ao Estado, mas ao crime organizado”, afirmou.
Para ele, operações recentes envolvendo Polícia Federal, Receita Federal, Ministério Público e governos estaduais foram históricas, mas precisam se tornar permanentes. “Tranquilo nunca. Só com vigilância constante e pressão da sociedade poderemos enfrentar essa realidade”, concluiu. Assista: