Terras raras: especialistas defendem parceria do Brasil com a China – e não com os EUA
Analistas apontam que Pequim possui domínio tecnológico e disposição para transferência de conhecimento
247 – Compostas por 17 elementos químicos de extração complexa, as terras raras são essenciais para a produção de ímãs, motores de veículos elétricos, turbinas eólicas e tecnologias de uso militar e industrial.
De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA), a demanda por esses minerais deve crescer de forma significativa até 2040, impulsionada pela transição energética global. Nesse contexto, a disputa por reservas e tecnologia transformou-se em uma arena central da geopolítica mundial. A reportagem é da Sputnik Brasil.
Brasil no centro da disputa global
Hoje, a China lidera amplamente o setor, controlando 90% da cadeia produtiva global e detendo 44 milhões de toneladas em reservas — o equivalente a 49% do total mundial. Os Estados Unidos, em contraste, aparecem em sétimo lugar, com apenas 1,9 milhão de toneladas (2,1% do total). O Brasil, por sua vez, ocupa posição estratégica: tem a segunda maior reserva de terras raras do planeta, com 21 milhões de toneladas, ou 23% do total mundial, mesmo conhecendo apenas 27% do seu subsolo.
Ciente desse potencial, a Casa Branca enviou nesta semana diplomatas ao país para discutir possíveis acordos com mineradoras brasileiras. O encarregado de negócios dos EUA no Brasil, Gabriel Escobar, propôs a criação de um grupo de trabalho para tratar de uma eventual cooperação na área de minerais críticos. Entretanto, especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil avaliam que uma aliança com Washington seria pouco benéfica e que o Brasil deveria priorizar uma parceria estratégica com a China.
“Os EUA não cooperam com o desenvolvimento alheio”, diz economista da UERJ
Para Daniel Santos Kosinski, pesquisador do Departamento de Evolução Econômica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o Brasil deve adotar uma postura pragmática, mas buscar alinhamento com quem realmente contribua para o seu desenvolvimento. “Tradicionalmente, os Estados Unidos não têm interesse em facilitar, promover ou cooperar com o desenvolvimento de outros países do continente americano, Brasil incluso”, afirmou.
Segundo ele, “dentro da geoestratégia americana, cabe aos EUA se manter, acima de qualquer dúvida, como a grande potência única”.
Kosinski destacou que a China tem uma abordagem diferente e vê a América do Sul como região estratégica para sua segurança alimentar e energética. Por isso, uma parceria sino-brasileira traria ganhos mútuos. “Pequim poderia usar suas capacidades tecnológicas e produtivas para proporcionar ao Brasil saltos qualitativos no setor”, afirmou o economista.
Desenvolvimento nacional e soberania tecnológica
Kosinski defende que o Brasil siga o exemplo chinês, investindo pesadamente em ciência, tecnologia e planejamento industrial de longo prazo. “A China alcançou um controle extraordinário sobre a produção de terras raras com investimento e visão de autonomia nacional. Essas seriam as lições que o Brasil deveria aprender”, observou.
“Só que a nossa situação é muito diferente, infelizmente. Somos um país que carece, terrivelmente, de um projeto de país neste momento”, completou.
Cooperação com a China é mais vantajosa, diz analista da UFPel
O professor Charles Pennaforte, coordenador do Laboratório de Geopolítica, Relações Internacionais e Movimentos Antissistêmicos (LabGRIMA) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), reforça que o parceiro ideal é aquele que traz investimentos e tecnologias capazes de agregar valor ao produto nacional.
“Você pode ter minérios críticos, mas, se não consegue transformá-los em um produto final, isso tudo não tem muito sentido”, disse.
Pennaforte argumenta que a China tem sido um parceiro constante e leal do Brasil, tanto econômica quanto geopoliticamente. Além disso, Pequim tem experiência em lidar com os impactos ambientais do extrativismo. “A China trabalha com isso; polui, mas ao mesmo tempo é líder na questão da energia limpa. Todo país que procura se desenvolver vai ter que trabalhar com essa dinâmica”, afirmou.
O papel do BRICS na geopolítica das terras raras
Outro ponto ressaltado pelos especialistas é o peso do BRICS — bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — na disputa global. Juntos, os países do grupo concentram mais de 70% das reservas mundiais de terras raras, o que, segundo Kosinski, confere ao BRICS uma “alavancagem considerável” nas negociações internacionais.
No entanto, o economista alerta que a posse dos recursos não é suficiente sem uma estratégia nacional bem definida. “Parece que tudo se resolve através do BRICS, e não é assim que funciona. O Brasil precisa de um projeto de país. O BRICS é uma oportunidade dentro desse projeto, não a solução dos nossos problemas”, concluiu.


