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Justiça argentina reconhece assassinato de pianista brasileiro durante a ditadura

Após quase 50 anos, corpo de Francisco Tenório Jr. é oficialmente identificado e tem certidão de óbito retificada na Argentina

Francisco Tenório Júnior (Foto: Reprodução/YouTube/Brasilinstrumental)

247 - Quase meio século após seu desaparecimento, o pianista brasileiro Francisco Tenório Cerqueira Júnior, conhecido como Tenório Jr., teve oficialmente reconhecida a sua morte pela Justiça argentina. O caso, um dos mais emblemáticos da repressão militar nos anos 1970, ganha um novo capítulo com a emissão da certidão de óbito que confirma seu assassinato durante a ditadura naquele país.

Segundo o jornal Estado de S. Paulo, o documento foi emitido pelo Registro Provincial de Las Personas de Buenos Aires, por determinação do juiz Mariano Llorens, da Câmara Nacional de Apelações. A decisão, publicada em 12 de setembro de 2025, reconhece que o músico brasileiro foi morto a tiros em 20 de março de 1976, após ter sido sequestrado por agentes da repressão argentina.

Um desaparecimento que durou 49 anos

A confirmação encerra 49 anos, 6 meses e 26 dias de espera. Durante esse período, a família de Tenório Jr. viveu em busca de respostas — sem sequer ter acesso a um atestado de óbito no Brasil. Sua esposa, Carmen Magalhães, morreu em 2019 sem ser oficialmente reconhecida como viúva.

A identificação do corpo foi possível graças ao trabalho da Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF), que cruzou impressões digitais de registros policiais da época com documentos brasileiros. O corpo havia sido enterrado como “NN” (sem nome) em uma vala comum na região de Tigre, nos arredores de Buenos Aires.

Descoberta põe fim a décadas de incerteza

O procurador argentino Roberto José Boico, ao determinar a retificação da certidão de óbito, afirmou que a medida “privilegia o direito humano dos familiares à informação e à verdade histórica”.

Para a diretora da EAAF, Mariella Fumagalli, a descoberta traz um alento: “As famílias podem saber quando e de que morreram seus entes queridos, e eventualmente recuperar seus restos mortais”. A equipe, criada ao fim da ditadura argentina, já identificou mais de 1.600 vítimas do regime militar (1976–1983).

Retificação e reconhecimento

A nova certidão substitui o documento original de 1976, que registrava a morte de um homem não identificado encontrado com ferimentos de bala em Don Torcuato, um bairro isolado de Buenos Aires. O legista da época estimou que a morte ocorrera 48 horas antes — coincidentemente, na noite em que Tenório saiu do hotel Normandie, no centro da cidade, para comprar remédios e nunca mais foi visto.

Os exames indicaram cinco disparos, feitos com armas de calibres diferentes, incluindo munição de uso restrito das forças de segurança, reforçando a tese de execução política.

O Brasil ainda deve um reconhecimento

Apesar da decisão argentina, a família do pianista ainda aguarda a emissão da certidão de óbito brasileira. Uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), publicada em dezembro de 2024, determina que todos os cartórios do país retifiquem registros de mortos e desaparecidos políticos. No entanto, o caso de Tenório Jr. ainda não foi formalizado.

O procurador Ivan Marx, da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos, explicou: “Uma particularidade do caso Tenório é que ele sequer tinha certidão de óbito. Agora, com a confirmação argentina, o documento deve ser finalmente emitido no Brasil”.

Um músico silenciado pela repressão

Tenório Jr. integrava a turnê de Vinícius de Moraes e Toquinho, acompanhado do baterista Mutinho e do baixista Azeitona, quando desapareceu. O grupo havia se apresentado no Teatro Gran Rex, em Buenos Aires, dias antes do golpe militar que depôs Isabelita Perón e levou o general Jorge Rafael Videla ao poder.

A morte do músico foi inicialmente atribuída à Escola de Mecânica da Armada (ESMA), centro de tortura da ditadura argentina, mas a EAAF comprovou que ele foi executado em via pública. Sua história inspirou obras literárias, filmes e canções que denunciam os crimes das ditaduras do Cone Sul.

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