Lula em Roma: 'o mundo precisa se levantar contra a fome e a pobreza'
Segundo o presidente, 'o mundo produz alimento suficiente, e não há explicação para 670 milhões de pessoas não terem o que comer'
247 - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse nesta segunda-feira (13), em Roma, que o mundo precisa se indignar diante do fato de que 670 milhões de pessoas no planeta ainda passem fome. Ao discursar na 2ª Reunião do Conselho de Campeões da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, o líder brasileiro destacou, na sede da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), que é essencial um trabalho articulado de todos os países.
“O grande trabalho que temos que fazer é criar junto à humanidade a indignação. A palavra-chave é levar a humanidade a se indignar contra a fome. Num mundo que produz alimento suficiente, que não tem problema de produção, não tem explicação 670 milhões de pessoas ainda não terem o que comer”, afirmou.
“Sejamos claros: sem recursos financeiros não haverá transformação. Ano passado a ajuda oficial ao desenvolvimento registrou queda de 23% em relação aos níveis pré-pandêmicos. Essa retração atinge em cheio os países mais pobres e endividados, sobretudo na África, onde a insegurança alimentar cresceu de forma alarmante. Se não agirmos com urgência, em 2030 ainda teremos quase 9% da população mundial vivendo em situação de extrema pobreza”, alertou.
De acordo com o presidente, a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, iniciativa brasileira lançada em novembro de 2024, no Rio de Janeiro, na Cúpula do G20, será cada vez mais eficiente na medida em que quatro pontos de sua fórmula central sejam seguidos:
1) Reunir políticas públicas que deram certo2) Articular as políticas com recursos e conhecimento3) Apostar em cooperação, sem condicionalidades4) Garantir que a implementação seja liderada pelos países receptores.“Vivemos em um mundo hiper conectado, com inteligência artificial, avanços científicos e até planos de habitar a lua, mas a persistência da fome e da pobreza são as provas mais dolorosas de que falhamos como comunidade global”, cobrou.
Fome cai no governo Lula
A pesquisa do IBGE revela que a proporção de domicílios em situação de insegurança alimentar grave diminuiu de 4,1% para 3,2% entre 2023 e 2024, alcançando o menor índice desde 2004. Em termos absolutos, aproximadamente dois milhões de brasileiros superaram a fome em apenas 12 meses, passando de 8,47 milhões em 2023 para 6,48 milhões no ano passado.
Por outro lado, o percentual de residências em segurança alimentar aumentou de 72,4% em 2023 para 75,8% em 2024. Isso significa que 8,8 milhões de pessoas, ao longo de um ano, passaram a viver em condições em que a alimentação se tornou uma garantia diária.
Embora o IBGE não tenha realizado a pesquisa com a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia) entre 2019 e 2022, a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan) aplicou uma metodologia similar em 2022. O estudo daquela época apontou que 33,1 milhões de brasileiros viviam em insegurança alimentar grave, representando 15,5% dos domicílios.
De acordo com o governo Lula, desde o início da gestão, a proporção de residências com moradores em situação de insegurança alimentar grave diminuiu em mais de 12 pontos percentuais. Em números absolutos, 26,5 milhões de pessoas conseguiram superar a condição de insegurança alimentar grave ao longo dos dois primeiros anos de mandato.
Bancos multilaterais
Lula fez dois apelos que considera urgentes. O primeiro foi endereçado aos bancos multilaterais e países doadores. “Programas de ajuste fiscal não são um fim em si mesmo que justifiquem a redução do investimento em desenvolvimento humano e social", afirmou.
Segundo o presidente, "não há melhor estímulo para a economia global do que o combate à fome e à pobreza". "Os recursos disponíveis devem ser mobilizados para enfrentar os desafios reais da humanidade. Quando isso acontece, o consumo aumenta, o mercado aquece e novos ciclos de desenvolvimento florescem”, frisou Lula.
Pobres no orçamento e COP30
O segundo apelo foi aos governos nacionais. “É hora de colocar os pobres no orçamento. A inclusão social não pode ser apenas promessa. Ela precisa estar refletida na arquitetura fiscal, nos investimentos públicos e nos planos de transformação produtiva”, afirmou.
Ao se referir à COP30, que será realizada em Belém (PA), em novembro, Lula adiantou a intenção do Brasil de adotar uma Declaração sobre Fome, Pobreza e Clima. “A segurança alimentar precisa estar no centro da ação climática. As Contribuições Nacionalmente Determinadas precisam incluir proteção social, resiliência do pequeno produtor e soluções que gerem renda e preservem a biodiversidade. Somente um novo modelo de desenvolvimento justo e sustentável pode assegurar um futuro para as próximas gerações”.
Para Lula, neste futuro ideal, quatro pontos devem ser respeitados: "Nenhuma mulher ou homem terá que trabalhar sem se alimentar» Nenhuma criança deve estudar com fome» Nenhum agricultor deve sofrer com falta de crédito ou de assistência técnica. Ninguém deve viver sem acesso à água".
Aliança
Lula lembrou que a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza tem se fortalecido e elogiou o empenho de nações parceiras. “Em um ano de funcionamento da Aliança, alcançamos 200 membros: 103 países, 53 fundações e ONGs, 30 organizações internacionais e 14 instituições financeiras", afirmou.
"A Espanha tem sido parceira na liderança deste fórum. Hoje, damos um passo decisivo: inauguramos o Mecanismo de Apoio da Aliança, com sede, secretariado e direção. Com contribuições da Noruega, Portugal, Espanha e Brasil, asseguramos parte dos recursos necessários para o funcionamento do Mecanismo até 2030. A FAO será nosso braço técnico”, detalhou Lula.
O presidente citou como exemplos de ação atual os projetos voltados ao combate à fome em países como Haiti, Zâmbia, Quênia, Etiópia, Benin, Ruanda, Tanzânia e Palestina, além de estudos para iniciativas em Moçambique, Indonésia, Camboja, Bangladesh e República Dominicana.
Desarmamento
O líder brasileiro voltou a lembrar que, num mundo em que centenas de milhões de pessoas passam fome, é inaceitável que as nações mais ricas sigam investindo mais em armamentos.
“Não é possível nós, que estamos brigando pelo fim do preconceito, pelo fim da desigualdade, assistirmos ao mundo rico gastar 2,7 trilhões de dólares em armas e não colocar a mesma quantia para combater a fome e a miséria. Não tem explicação. O que vai acabar com a guerra não é mais arma. É mais comida, mais trabalho, mais harmonia e mais paz”, concluiu.