Leia a íntegra do discurso de Lula durante debate sobre multilateralismo na Academia Francesa
Encontro foi realizado a portas fechadas no Palais de l'Institut de France e teve como destaque uma homenagem ao chefe do Executivo brasileiro
247 – Durante visita à França, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) participou, nesta quinta-feira (5), de uma sessão plenária da Academia Francesa, em Paris. O encontro foi realizado a portas fechadas no Palais de l'Institut de France e teve como destaque uma homenagem ao chefe do Executivo brasileiro, com a palavra “multilateralismo” sendo analisada.
Na ocasião, Lula ressaltou que democracia e multilateralismo são “duas faces de uma mesma visão de mundo”.
“O termo multilateral descreve uma negociação da qual participam diversos países. Já a palavra multilateralismo denota um conjunto de valores e objetivos. Ela pressupõe um tipo específico de interação na qual os países se reúnem para encontrar soluções coletivas para problemas comuns”, afirmou.
Leia o discurso na íntegra:
“O senso comum diz que a necessidade de dar nome às coisas é o que faz surgirem as palavras.
Mas as próprias palavras têm o poder de transformar a realidade.
Esse é o caso do multilateralismo.
O termo já ganhou os dicionários no Brasil, mas ainda não figura no dicionário da Academia Francesa.
Originalmente, a palavra “multilateral” pertencia ao domínio da geometria e servia para designar figuras que possuem mais de três lados.
Depois da Segunda Guerra Mundial seu uso se disseminou no campo das relações internacionais.
Práticas e formas de organização que hoje qualificaríamos de “multilaterais” já existiam antes de 1945.
A União Internacional das Telecomunicações foi fundada em 1865; as Conferências da Haia ocorreram em 1899 e 1907; a Organização Internacional do Trabalho e a Liga das Nações foram ambas criadas em 1919.
A grande inovação introduzida após 1945 está sintetizada no sufixo “ismo”, acrescentado à palavra “multilateral”.
Essa terminação traduz a intenção não apenas de descrever uma realidade, mas de incidir sobre ela.
O termo multilateral descreve uma negociação da qual participam diversos países.
Já a palavra multilateralismo denota um conjunto de valores e objetivos.
Ela pressupõe um tipo específico de interação na qual os países se reúnem para encontrar soluções coletivas para problemas comuns.
Os países passariam a atuar orientados pelos princípios da igualdade soberana e pela primazia da cooperação sobre a competição.
A emergência da palavra multilateralismo traz em si a aspiração de uma ordem internacional diferente daquela que a precedeu.
A criação da Organização das Nações Unidas está umbilicalmente ligada à determinação de evitar que as atrocidades cometidas no passado se repitam.
A ação coletiva nos salvou de mergulhar no abismo repetidas vezes durante os oitenta anos de existência da ONU.
O multilateralismo foi decisivo no processo de descolonização, na proibição de armas químicas e biológicas, na afirmação de direitos humanos, na promoção do livre comércio, na proteção do meio ambiente e na solução de diversos conflitos mundo afora.
Infelizmente, estamos nos esquecendo dessas lições.
Sofremos com o imobilismo diante da guerra na Ucrânia, do genocídio em Gaza, dos conflitos esquecidos no Sudão, no Iêmen e na Líbia, e da violência no Haiti.
Tarifas arbitrárias desorganizam cadeias de valor globais e arriscam lançar a economia mundial em uma espiral perniciosa de preços altos e estagnação.
Os ataques a organizações internacionais, sob o pretexto de defender os países de uma fantasiosa ideologia “globalista”, ignoram os benefícios concretos trazidos pelo multilateralismo à vida das pessoas.
Se hoje a varíola está erradicada, a camada de ozônio está preservada e direitos básicos dos trabalhadores ainda estão assegurados, é graças ao trabalho feito nesses foros.
Se conseguimos evitar o cenário mais pessimista de aquecimento global, que previa aumento da temperatura de quatro graus até o fim do século, foi graças ao Acordo de Paris.
Nenhum desafio global será superado se prevalecer a ilusão de que podemos enfrentá-los sozinhos.
Em tempos de crescente polarização, expressões que ainda não constam dos dicionários como “desglobalização” se tornaram corriqueiras.
A interdependência é uma realidade. Não é possível “desplanetizar” nossa vida em comum.
É insustentável manter ilhas de paz e prosperidade cercadas de violência e miséria.
Existe um evidente paralelo entre os processos que se vêm desdobrando dentro dos países e entre eles.
No plano interno, a negação da política alimenta o extremismo e ameaça o estado de direito.
No plano externo, a negação da diplomacia faz prevalecer o unilateralismo e põe em risco a segurança internacional.
A democracia e o multilateralismo são as duas faces de uma mesma visão de mundo, baseada no diálogo e no respeito à pluralidade.
Defender as instituições multilaterais é, portanto, defender as instituições democráticas e vice-versa.
A solução para as crises que ambas atravessam não é abandoná-las, mas aperfeiçoá-las.
É preciso recuperar o poder da palavra multilateralismo, como forma de transformar, para melhor, a realidade que nos cerca.
Muito obrigado.”
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