Em artigo, Ricupero e Ariane Costa sugerem que Brasil enfrente Trump com multilateralismo e Lei da Reciprocidade
Paper do CEBRI recomenda ações diplomáticas coordenadas contra tarifas unilaterais e ingerência política do governo dos EUA
247 - O retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos em 2025 já impôs uma deterioração sem precedentes nas relações bilaterais com o Brasil. Essa é a principal conclusão do artigo “Brasil e Estados Unidos na Era Trump 2.0 – O retorno ao radar diplomático”, assinado pelo embaixador Rubens Ricupero e por Ariane Costa, especialista em geopolítica e diretora-adjunta do Centro Brasileiro de Relações Internacionais, o CEBRI.
A publicação, coordenada por Matias Spektor e revisada pelos embaixadores Gelson Fonseca Jr. e Feliciano Guimarães, integra o projeto “Inserção do Brasil na Geopolítica Global”.
Tarifa de 50% e ataque à soberania
A ruptura se deu de forma explícita neste mês de julho, quando Trump acusou o Judiciário brasileiro de “perseguição política” a Jair Bolsonaro e anunciou, por meio de canais extraoficiais, uma tarifa punitiva de 50% sobre exportações brasileiras — medida com previsão de entrada em vigor em 1º de agosto. A resposta brasileira veio com firmeza, e a crise acentuou o afastamento diplomático entre os dois países, já evidente desde o início do novo mandato republicano.
“Não se chegou a tentar viabilizar um encontro [presidencial] em razão dos riscos ponderáveis, decorrentes sobretudo da manifesta incompatibilidade entre os dois dirigentes e do imprevisível comportamento de Trump”, registra o artigo. Ao longo do semestre, o Brasil ficou praticamente fora do radar diplomático dos EUA, sem diálogo direto entre Lula e Trump, e com a embaixada americana em Brasília ainda sem novo embaixador designado.
Unilateralismo comercial e cálculo político
O documento destaca que a política externa dos EUA tem sido conduzida com base em interesses eleitorais e alinhamentos ideológicos pessoais de Trump. A imposição da tarifa de 50% se soma a um conjunto mais amplo de sanções contra dezenas de países — incluindo China, União Europeia e México — e deve ser interpretada como uma forma de pressão política interna, especialmente diante da proximidade das eleições de 2026 no Brasil.
“A agressiva iniciativa de Trump reforça a narrativa acionada por Lula no sentido de defesa da soberania nacional — um ativo político de amplo apelo popular no Brasil”, escrevem os autores. Dados da AtlasIntel, citados no artigo, indicam que a aprovação de Lula subiu após o anúncio da tarifa, de 47,3% para 49,7%.
Bolsonarismo dividido
Entre os aliados de Jair Bolsonaro, a ação de Trump inicialmente foi celebrada. Mas rapidamente vieram os efeitos colaterais. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, tentou amenizar o desgaste reunindo-se com o encarregado de negócios dos EUA. Já o deputado Eduardo Bolsonaro seguiu pressionando por anistia ao pai, utilizando as sanções como instrumento político. A divisão interna no campo bolsonarista reflete o impacto negativo de uma interferência externa em temas de soberania nacional.
Reação institucional: de Genebra à Califórnia
A recomendação do artigo é clara: o Brasil deve manter múltiplos canais de interlocução abertos — diplomáticos, legislativos, empresariais e subnacionais. Estados americanos como Califórnia e regiões da Nova Inglaterra são vistos como potenciais aliados para agendas econômicas e ambientais. Também se propõe o uso estratégico da Lei da Reciprocidade, aprovada pelo Congresso Nacional, como instrumento legal para reagir a barreiras impostas por Washington.
Entre as sugestões mais ousadas, está a possibilidade de utilizar a suspensão de patentes e direitos de propriedade intelectual como forma legítima de barganha. O precedente citado é o contencioso do algodão, em que o Brasil enfrentou os EUA na OMC e saiu vitorioso. Além disso, setores como siderurgia e aviação — sobretudo a Embraer, altamente dependente de insumos norte-americanos — são apresentados como pontos estratégicos de negociação.
Multilateralismo, Europa e Ásia como saídas
Diante do enfraquecimento das instituições multilaterais por parte dos EUA, o artigo recomenda que o Brasil assuma um papel de liderança em coalizões pró-multilateralismo. A atuação ativa na OMC, G20 e BRICS é essencial. A diplomacia brasileira deve também buscar coordenação com países como Canadá, Índia, África do Sul e Indonésia para conter retrocessos em regras comerciais e climáticas.
Outro eixo prioritário está na ampliação das relações com Europa e Ásia. O recente acordo entre Mercosul e EFTA e a finalização do tratado Mercosul-União Europeia abrem espaço para reduzir a dependência brasileira de Washington e de Pequim. O texto destaca ainda a necessidade de aprofundar laços com Japão, Coreia do Sul e os países da ASEAN, mirando inovação, infraestrutura e transição energética.
Alerta: “negociação permanente” com Trump
Os autores encerram o paper com um alerta: com Trump, não há estabilidade possível. A melhor estratégia seria considerar a convivência com tarifas moderadas, em torno de 10%, enquanto se posterga indefinidamente a aplicação do tarifaço de 50%. Segundo Ricupero e Costa, a abertura de investigação pelos EUA com base na Seção 301, que lista acusações que vão do comércio ao desmatamento da Amazônia, inaugura um “novo e grave capítulo” da relação bilateral.
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