Datafolha: 82% dos brasileiros apoiam cotas em concursos públicos
Pesquisa mostra também amplo respaldo a ações afirmativas em cargos de liderança e no combate ao assédio no setor público
247 - A maioria da população brasileira defende a implementação de cotas em concursos públicos. Segundo levantamento divulgado pelo Datafolha e publicado pela Folha de S.Paulo, 82% dos entrevistados apoiam a reserva de vagas para negros, indígenas, quilombolas e mulheres — grupo que, atualmente, não é contemplado pela legislação.
Além das cotas em processos seletivos, o estudo, encomendado pelo Movimento Pessoas à Frente, revela que 80% da população também é favorável à adoção de políticas afirmativas em cargos de liderança no setor público. A pesquisa foi realizada entre 9 e 12 de junho, com 2.008 pessoas em 136 municípios do país. A margem de erro é de dois pontos percentuais.
Apoio às mulheres e combate ao assédio
Os dados evidenciam que a sociedade espera maior proteção às servidoras. Ao todo, 92% dos entrevistados defendem a criação de redes de apoio para mulheres no serviço público e 89% concordam com programas de combate ao assédio.
Ainda assim, parte dos apoiadores das cotas coloca algumas ressalvas: 12% concordam apenas parcialmente com a reserva de vagas em concursos, e 16% expressam apoio parcial às cotas em cargos de liderança.
Desigualdade de gênero e raça no setor público
O levantamento aponta que o serviço público federal ainda está distante da equidade. Mulheres representam 44,5% do total de servidores, enquanto homens correspondem a 55,5%. Em cargos de liderança, elas são apenas 42,3%.
Quando se observa o recorte racial, a disparidade aumenta: mulheres negras ocupam somente 15,4% dos postos de chefia, contra 33% de homens brancos.
Resistência e meritocracia
Segundo Jessika Moreira, diretora-executiva do Movimento Pessoas à Frente, ainda existe uma percepção equivocada de que as cotas se chocam com a meritocracia.
“[Com as cotas], vamos garantir que essas pessoas entrem conseguindo romper um processo que é historicamente marcado por exclusão de pessoas negras e de mulheres”, afirma.
CNU e experiências do Itamaraty
O primeiro Concurso Nacional Unificado (CNU), criado para aumentar a diversidade no serviço público, revelou dificuldades para equilibrar a representação de gênero. Embora 56% dos inscritos fossem mulheres, elas representaram apenas 37% dos aprovados.
Para tentar corrigir a distorção, o Ministério da Gestão e da Inovação adotou uma ação afirmativa inspirada no Itamaraty. No concurso para diplomatas, foi determinada a convocação extra de candidatas para que mulheres fossem pelo menos 40% dos aprovados na segunda fase. No entanto, o impacto foi pequeno: em 2024, elas representaram 45% das inscritas, mas apenas 32% das aprovadas.
Barreiras enfrentadas por candidatas
Ana Pessanha, especialista da República.org, destaca que a desigualdade não se limita ao número de vagas. Segundo ela, mulheres e pessoas negras enfrentam obstáculos estruturais que dificultam a preparação para concursos.
“Carreiras melhor remuneradas exigem preparação prolongada, com alta carga de estudo. Esse tipo de exigência tende a excluir candidatos que não dispõem de tempo e recursos para se dedicar exclusivamente à preparação”, explica.
Reformas e projetos no Congresso
Jessika Moreira lembra que a reforma administrativa pode abrir espaço para mudanças que ampliem a diversidade no setor público. Nesta semana, o Movimento Pessoas à Frente entregou à deputada Soraya Santos (PL-RJ) dois anteprojetos voltados à equidade de gênero.
As propostas incluem a criação de metas obrigatórias de paridade em cargos comissionados e uma política nacional de combate ao assédio.
“Qualquer tema [de diversidade] que não for absorvido pela proposta da reforma vai gerar uma grande frustração à população brasileira, como mostra o Datafolha. O parlamento tem um dever de responder muito concretamente, através da proposta, a esse anseio”, afirma Jessika.