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      Sara Goes

      Sara Goes é jornalista e âncora da TV 247 e TV Atitude Popular. Nordestina antes de brasileira, mãe e militante, escreve ensaios que misturam experiência íntima e crítica social, sempre com atenção às formas de captura emocional e guerra informacional. Atua também em projetos de comunicação popular, soberania digital e formação política. Editora do site codigoaberto.net

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      Vigília Choro Livre: extrema direita reage com guerra e obstrução no Congresso

      Radicalização transforma o Legislativo em arena de desestabilização calculada, mirando o STF, as redes e o pacto democrático

      Parlamentares da oposição na Mesa da Câmara tapam a boca para protestar contra a prisão domiciliar do ex-presidente Bolsonaro, em Brasília (Foto: REUTERS/Mateus Banomi)

      A política brasileira ganhou um novo espetáculo de crise nesta semana. Em uma resposta coordenada e de forte impacto, a oposição bolsonarista inaugurou uma tática de confronto aberto no Congresso Nacional, uma ação que pode ser definida como uma Vigília Choro Livre. O movimento, deflagrado após a notícia da ordem de prisão domiciliar contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, transforma as casas legislativas em palco para uma guerra declarada contra o governo e as instituições.

      A estratégia da oposição se apoia em uma percepção, compartilhada por juristas como Pedro Serrano, de que a decisão do ministro Alexandre de Moraes foi "confusa e atropelada". Após um longo período de desgaste político de Bolsonaro, a ação judicial foi vista como um erro de cálculo que serviu de combustível para a narrativa de vitimização. Foi a brecha que o bolsonarismo precisava para legitimar sua ofensiva, fornecendo o pretexto ideal para a radicalização.

      A materialização dessa ofensiva é clara. O primeiro pilar é a retórica. O deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) verbalizou a estratégia ao afirmar que a oposição está "em guerra" e promoverá "obstrução total". Não se trata de uma divergência, mas da declaração de uma paralisia institucional. O segundo pilar é a ação física, materializada na ocupação das Mesas Diretoras da Câmara e do Senado. Mais que um protesto, é um bloqueio deliberado do funcionamento do Legislativo.

      Mas há algo mais profundo em curso. A radicalização do ambiente parlamentar está longe de ser um ato isolado. Trata-se de um movimento que opera em várias camadas simultâneas, ativando redes digitais, pressionando o Judiciário e testando os limites da governabilidade como parte de uma estratégia mais ampla de desestabilização. O Parlamento é o palco visível, mas os bastidores dessa crise se espalham por uma rede invisível de ações sincronizadas que visam corroer a legitimidade institucional por dentro.

      A ameaça do líder do PL de pautar a anistia para os envolvidos no 8 de janeiro mostra que a tática não é apenas um lamento performático. É uma manobra para, em meio ao caos, avançar uma agenda de interesse direto de sua base mais radical. O confronto serve como cortina de fumaça e instrumento de pressão. O que se apresenta como indignação parlamentar é, na prática, parte de um roteiro que mira a paralisia deliberada do Estado.

      Esse tipo de obstrução não opera somente na chave da oposição partidária. Ela faz parte de uma ofensiva que transforma o ressentimento em ferramenta institucionalizada, fabricando crises para alimentar uma narrativa de ruptura iminente. A promessa de guerra declarada tem menos a ver com disputas legislativas e mais com a tentativa de interditar qualquer possibilidade de reconstrução democrática num cenário de estabilidade.

      Nos bastidores do Congresso, já se esboçam movimentos para elevar a escalada: a possível instalação de uma CPI voltada ao Supremo Tribunal Federal vem sendo articulada como próximo passo da ofensiva. Não se trata de fiscalizar, mas de deslegitimar. O STF, especialmente na figura do ministro Alexandre de Moraes, tornou-se alvo privilegiado da retórica extremista, justamente por representar uma barreira institucional aos métodos de manipulação e sabotagem política que marcam o projeto bolsonarista.

      Essa mesma retórica extrapolou as fronteiras do Legislativo e tomou as ruas. *Na noite desta terça-feira*, uma manifestação com cartazes de "Fora Moraes" e pedidos de intervenção militar foi convocada no vão do MASP, em São Paulo, pelos vereadores Lucas Pavanato e Sonaira Fernandes. A ação, embora apresentada como espontânea, foi articulada nas redes e posicionada como mais um elo na cadeia de ações coordenadas que visam criar a aparência de uma mobilização popular crescente em defesa do ex-presidente. O uso simbólico do espaço público, aliado à retórica de ruptura institucional, serve para tensionar ainda mais o clima político e alimentar o imaginário de que o país vive sob um regime de exceção.

      Ao mesmo tempo, esse bloqueio legislativo se converte em espetáculo para as redes, onde a narrativa da “perseguição judicial” é impulsionada com força total. O vitimismo de Bolsonaro é apresentado como símbolo de resistência contra um sistema supostamente autoritário, e a guerra simbólica é travada com imagens cuidadosamente calculadas para gerar adesão emocional. A digitalização da crise opera como catalisador de um sentimento artificial de colapso, disseminado em escala viral.

      Por trás da aparente confusão, há método. A oposição não busca apenas obstruir votações: busca interditar o futuro. Sua atuação mira paralisar as engrenagens do Estado, sabotar iniciativas de reconstrução nacional e gerar um ambiente de desgaste permanente, tanto interno quanto internacional. Trata-se de uma engenharia de impasse político que se aproveita da legitimidade das instituições para esvaziá-las por dentro.

      Ao fim, a Vigília Choro Livre se consolida como uma perigosa ferramenta de comunicação e guerra institucional. Ela busca menos o diálogo e mais a criação de um ambiente de crise permanente, alimentando seus apoiadores com a imagem de uma trincheira de resistência. A oposição transforma o luto pela iminente prisão de seu líder em uma arma política, articulando o Congresso, as redes e a opinião pública numa engrenagem de desestabilização cuidadosamente montada. Se não for compreendida em sua complexidade, essa manobra pode se tornar a senha para uma ruptura silenciosa, porém profunda, do pacto democrático brasileiro.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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