Mais forte são os poderes da democracia
No encontro com seu passado, o Brasil virou a última página de chumbo de sua história e a democracia fincou raízes profundas
O mundo olha com atenção para o Brasil, observa como nossas instituições republicanas e democráticas enfrentaram e derrotaram a tentativa de golpe de Estado. Desde as prisões em flagrante dos vândalos da democracia - no dia do ataque aos edifícios dos três poderes - às investigações rigorosas realizadas pela Polícia Federal, com colheita farta de provas, formalização das denúncias pelo Ministério Público, amplo debate entre as partes, julgamento dos réu pelo Supremo Tribunal Federal e condenação dos golpistas, com absoluta garantida do processo legal à defesa dos denunciados.
Nos últimos dias, o Brasil e o mundo assistiram a um verdadeiro espetáculo da democracia - de coragem dos nosso investigadores e magistrados - de reafirmação da nossa soberania, de demonstração de solidez das nossas instituições, de respeito aos direitos humanos e às garantias constitucionais. Mesmo sob sanções impostas pelo governo dos Estados Unidos a magistrados da Suprema Corte brasileira, mais taxação política dos nossos produtos exportados e até ameaças de intervenção militar em nosso país, nossas instituições realizaram o julgamento soberanamente.
Diferentemente dos Estados Unidos, que viram seu presidente, Donald Trump, logo após a posse, assinar decretos perdoando os responsáveis pelos ataques ao Capitólio - quando não respeitaram o resultado das eleições - deixando a democracia ferida de morte, com cicatrizes que avançam a cada dia, desmanchando o tecido institucional do País. Um país dividido, eivado de ódio, onde o fascismo fez ninho, do qual o próprio presidente da República, Donald Trump, foi vítima. Escapou de um atentado a bala mas, recentemente, um dos jovens líderes conservadores, politicamente íntimo do presidente dos Estados Unidos, não teve a mesma sorte. Um país, que já foi referência internacional, entra em decadência numa espiral que pode levá-lo a se tornar um pária da democracia no mundo. Que Deus o livre de seu governante mergulhá-lo numa guerra civil.
Este momento histórico do Brasil, com a condenação soberana de criminosos que atentaram contra o Estado Democrático de Direito, nos leva a refletir sobre a necessidade de construção da resistência aos ataques à democracia no mundo. Assim como o Brasil - que acaba de mandar para a prisão um ex-presidente e seus cúmplices de uma tentativa de golpe - nossa vizinha Argentina figura como uma referência na defesa da democracia. Lá, em 1985, o Ministério Público e o Judiciário enfrentaram e levaram aos tribunais os membros das três juntas militares, que tomaram de assalto o poder, torturaram e mataram mais de 30 mil argentinas e argentinos, entre os anos 1976 e 1983. O Processo de Reorganização Nacional, assim denominado, revelou horrores da ditadura argentina. A Justiça condenou 10 ex-agentes à prisão perpétua.
O processo que condenou os ditadores militares e seus cúmplices, por seus crimes, foi retratado brilhantemente no filme, "Argentina 1985”, pelo diretor Santiago Mitre. Esse caso é considerado, no meio jurídico, o segundo maior julgamento do século XX, depois de Nuremberg, ocorrido entre os anos 1945 e 1946, que condenou os nazistas na Alemanha.
As investigações e o julgamento dos inimigos da democracia na Argentina, conduzidos pelo promotor Júlio Strassera e Luís Moreno Ocampo levou à prisão 1.100 envolvidos no golpe de Estado, pela participação em torturas, desaparecimentos e morte de argentinas e argentinos. O Ministério Público argentino produziu uma peça jurídica histórica de condenação de militares de alta patente e outros agentes públicos, que se tornou referência na luta pela democracia em todo o mundo.
A cena do Presidente Lula, juntamente com o vice-Presidente Geraldo Alkamin, de braços dados com os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco, da Câmara, Arthur Lira, e da presidente do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, mais 26 governadores, descendo a rampa do Palácio do Planalto, atravessando a Praça dos Três Poderes, desviando dos escombros do ataque aos edifícios dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, em direção ao STF, está perpetuada na parede da memória histórica do Brasil. Foi, sem dúvida, um dos momentos mais elevados de demonstração da nossa soberania, de solidez das nossas instituições republicanas e de consolidação da democracia no maior país da América Latina.
Um momento que o mundo viu, acompanhou seu desdobramento até o desfecho, como registrou a imprensa internacional em destacadas manchetes. As investigações, a denúncia, a garantia de ampla defesa e a condenação dos responsáveis pela tentativa de golpe de Estado se tornou uma referência para o mundo.
No encontro com seu passado, o Brasil virou a última página de chumbo de sua história e a democracia fincou raízes profundas, fortes como nunca, para que possamos construir a nação soberana democrática, com direitos humanos assegurados, sem fome, menos desigual, que tanto sonhamos.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.