Trump ligou para Lula — e a diplomacia voltou a respirar
Brasil e Estados Unidos escolhem o som mais raro da política: o da diplomacia em voz baixa, educada e eficaz.
Em tempos de impulsos e ruídos, um telefonema entre Lula e Trump devolve à política externa seu tom original: o da paciência, do método e do respeito.
O telefonema partiu de Washington. Do outro lado da linha, no Palácio da Alvorada, Lula ouviu a voz de Donald Trump. Foram trinta minutos de conversa cordial, sem câmeras, sem vazamentos, sem bravatas. O simples fato de não ter vazado — em tempos de celulares tagarelas e diplomacia de postagens — já foi o primeiro sinal de que algo havia mudado. A prudência voltou a ocupar o lugar da pirotecnia.
E sim: a ligação foi de Trump para Lula, o primeiro contato desde o encontro breve entre ambos na Assembleia-Geral da ONU, em setembro. O gesto, aparentemente trivial, tem densidade simbólica. É o tipo de telefonema que não busca manchete, mas conserta fissuras.
Lula destacou a importância de restaurar as relações amistosas entre Brasil e Estados Unidos — “as duas maiores democracias do Ocidente”, como fez questão de frisar. Recordou que o Brasil é um dos poucos países do G20 com quem os EUA mantêm superávit comercial e pediu a revisão da sobretaxa de 40% sobre produtos brasileiros, além do fim das medidas restritivas contra autoridades nacionais.
Trump, por sua vez, respondeu em tom amistoso. Disse que gostou da conversa, manifestou interesse em visitar o Brasil e sugeriu que o próximo encontro poderia ocorrer tanto em Washington quanto em Brasília. Lula, sempre diplomático, reiterou o convite para que Trump participe da COP30, em Belém (PA), e aventou a possibilidade de uma nova reunião durante a Cúpula da ASEAN, na Malásia.
A linha direta
Ao final da conversa, Trump e Lula trocaram seus números pessoais de telefone.
Não foi um gesto protocolar — foi um sinal de confiança.
Em tempos em que líderes preferem comunicar-se por redes sociais e discursos públicos, a decisão de manter contato direto entre dois presidentes representa uma aposta rara na diplomacia de bastidor. É o retorno da conversa privada como instrumento de aproximação política.
Essa troca de números, embora pareça um detalhe, simboliza algo maior: a reabertura de uma ponte que, há poucos meses, estava desmoronada. É a lembrança de que a diplomacia, quando genuína, começa com uma voz humana dizendo “alô”.
Do lado brasileiro, acompanharam a ligação o vice-presidente Geraldo Alckmin, o chanceler Mauro Vieira, o ministro da Fazenda Fernando Haddad, o assessor especial Celso Amorim e Sidônio Palmeira. Nenhum detalhe vazou — e talvez justamente por isso tenha dado certo.
Os números por trás da serenidade
Em julho, quando Trump anunciou o tarifaço de 40%, analistas previram o pior. Houve quem calculasse uma perda de até 0,5 ponto percentual do PIB, o equivalente a US$ 11,8 bilhões. As estimativas mais moderadas falavam em 0,2 ponto percentual, algo próximo de US$ 4,7 bilhões — ainda suficiente para abalar cadeias produtivas e exportadores.
Mas o que se viu foi um Brasil que reagiu com serenidade e engenho. O país abriu novos mercados na Ásia e na África, criou linhas de crédito emergenciais de R$ 40 bilhões para exportadores e manteve um superávit comercial de US$ 2,99 bilhões em setembro, mesmo com queda de 41,1% no saldo em relação ao mesmo mês de 2024.
A Secretaria de Política Econômica classificou o impacto como “modesto, porém concentrado” — severo em setores como metalurgia, químicos e têxteis, mas incapaz de travar o crescimento nacional. O Brasil segue, em outubro de 2025, projetando uma expansão de 2,3% do PIB para o ano e uma inflação sob controle, próxima de 4,8%, segundo as projeções oficiais da Fazenda e do Banco Central.
Do perigo à oportunidade
A crise das tarifas poderia ter sido o vendaval que arranca pontes e deixa os dois lados gritando através do abismo. No entanto, acabou se transformando no instante em que se plantam raízes mais fundas nas margens que restaram.
O perigo foi como um piano despencando do oitavo andar: barulho, pânico, gente correndo na calçada. Mas a oportunidade foi o afinador que chegou antes do concerto — aquele que, com calma e ouvido apurado, salvou a melodia que parecia perdida.
Noutra imagem: o perigo foi a ferrugem que corrói o ferro por dentro, invisível e persistente; a oportunidade, o banho de zinco que sela o metal e prolonga sua vida útil. Essa é a arte da diplomacia — transformar o que ameaça em aprendizado, o que divide em ponte, o que fere em motivo para fortalecer-se.
Há uma lição antiga que ecoa aqui: em chinês, a palavra “crise” (危机) é composta por dois ideogramas — wei (perigo) e ji (oportunidade). No início, o mundo só enxergou o perigo. Mas o Brasil, ao agir com serenidade, descobriu a oportunidade oculta: reabrir canais, diversificar mercados, testar sua própria musculatura diplomática e, de quebra, reafirmar sua soberania.
Um ano tenso, um gesto sensato
2025 tem sido um ano paradoxal — feito de acelerações e freios, ilusões desfeitas e esperanças reconstituídas. Um ano em que o mundo voltou a flertar com o abismo nuclear: na Europa, com o prolongamento da guerra entre Rússia e Ucrânia; e no Oriente Médio, com o conflito entre Israel, Gaza e Irã, que atingiu níveis alarmantes até que os Estados Unidos destruíram as instalações nucleares iranianas, afastando temporariamente o risco de uma tragédia atômica.
Nesse cenário incandescente, a conversa entre Lula e Trump ganha peso simbólico. Não é apenas sobre tarifas, mas sobre a preservação do diálogo civilizado num tempo em que a diplomacia parece ter sido substituída pelo algoritmo da pressa.
Lula, acostumado à escola da prudência, compreende que diplomacia é como relojoaria: cada gesto precisa estar no compasso. É preciso frieza, tato e uma boa dose de paciência. O Brasil demonstrou que não precisa elevar o tom para ser ouvido — basta falar no tempo certo, com clareza e firmeza.
O valor do gesto
Nada está resolvido. As tarifas continuam, as sanções persistem e as negociações seguirão longas. Mas agora existe um canal de diálogo, e um canal aberto vale mais do que dez discursos inflamados.
O telefonema desta segunda-feira, 6 de outubro de 2025, é mais do que uma notícia: é um sinal de maturidade política. Um lembrete de que a diplomacia, quando exercida com método e respeito, não se mede pelo volume da voz, mas pela persistência do diálogo.
Quando as duas maiores democracias do Ocidente se dispõem a conversar com franqueza e sem alarde, o mundo torna-se um lugar menos áspero. E o Brasil, sereno e atento, reafirma a lição antiga dos diplomatas experientes:
falar baixo continua sendo a maneira mais eficaz de ser ouvido.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.