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José Guimarães

Advogado, deputado federal e Líder do Governo na Câmara dos Deputados

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Trabalhar para viver, não viver para trabalhar

O passo civilizatório de acabar com a jornada 6 por 1 terá que ser dado com ampla mobilização popular

Mobilização contra a escala 6x1 (Foto: Letycia Bond/Ag. Brasil)

Para começo da nossa conversa, não podemos esquecer que a cultura do trabalho no Brasil é marcada pela herança do regime de escravidão, que vigorou por quase 400 anos, nos deixando uma das mais desigualdades nações do mundo, jornada de trabalho prolongada e exaustiva, e assédio o moral como praga social. 

O Congresso Nacional tem a oportunidade de proporcionar ao Brasil um avançado passo civilizatório aprovando a PEC 8/2025, da Deputada Érika Hilton, que reduz a jornada de trabalho de 6 por 1 para 4 por 1, a fim de  aliviar o sofrimento de quem acorda cedo para trabalhar e chega tarde da noite em casa. Um legado para as gerações futuras, de mais tempo para conviver e ser feliz.

Quando a Constituinte de 1988 pautou a redução da jornada de trabalho para 44 horas semanais, a maioria do empresariado brasileiro dizia que seria uma catástrofe para o País. Nada disso aconteceu. Estudo publicado, recentemente, pelo centro de pesquisa da Universidade de Campinas (Unicamp), em parceria com o Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), confirma que o Brasil está preparado para reduzir a jornada de trabalho.

Com o acelerado desenvolvimento tecnológico, a tendência mundial é reduzir a jornada de trabalho. Países como a Islândia, Espanha, Chile estão implementando uma redução gradual até chegar a 40 horas semanais. A média de trabalho em países desenvolvidos como Holanda, Dinamarca e Alemanha já é menor, muitas vezes abaixo de 36 horas semanais com resultados de produtividade surpreendentes. 

Segundo relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os países com as menores jornadas de trabalho do mundo são: Holanda, média de trabalho de 5,8 horas por dia e salário anual médio de R$ 205.863; Dinamarca, média de trabalho de 32,4 horas por semana e salário médio de R$ 257.850 por ano; Alemanha, média de trabalho de 34,4 horas semanais e salário médio anual de R$ 173.680; Suíça, média de trabalho de 34,4 horas semanais e salário médio anual de R$ 333.660; Irlanda, média de trabalho de 34,9 horas semanais e salário médio de R$ 207.450 ao ano; Áustria, média de trabalho de 35,5 horas semanais e salário médio anual de R$ 188.356; Itália, média de trabalho de 35,6 horas semanais e salário médio anual de R$ 128.630; Austrália, média de trabalho de 35,9 horas por semana e salário médio anual de R$ 224.054; Suécia, média de trabalho de 35,9 horas semanais e salário médio anual de R$ 171.181; e França, média de trabalho de 36,1 horas e salário médio anual de R$ 165.650.

A escala 6 por 1 é um tipo de jornada muito comum em setores que precisam de operação contínua, como o comércio, indústria e serviços,. Em destaque, o trabalho mediado por aplicativos, que levam a jornadas intermináveis. A luta pela redução da jornada surgiu no Brasil por volta da década de 1930. Possibilita o aumento de vagas para inclusão de outras categorias no mercado formal de trabalho com direitos assegurados. 

Cerca de 20,88 milhões de brasileiros, equivalente a 20% da população ocupada, trabalham além do limite legal de 44 horas semanais. Homens negros representam 36,7% desse grupo. Mulheres acumulam, em média, 11 horas de trabalho diário entre funções remuneradas e tarefas domésticas, mais os cuidados com filhos. Segundo relatório da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), aproximadamente 33 milhões de brasileiros trabalham em escala 6 por 1. Apenas os trabalhadores de carteira assinada, sem computar os que atuam no mercado informal e aqueles submetidos a trabalho análogo à escravidão.

Vários estudos científicos divulgados, recentemente, constataram que prolongadas jornadas de trabalho, somado a assédio moral e a dificuldades de mobilidade urbana, têm levado trabalhadoras e trabalhadores a intensivos períodos de sofrimento mental. 

Os consultórios médicos têm atendido um número crescente de pacientes com Síndrome de Burnout, resultado da exaustão e do estresse motivado por excesso de trabalho.  Em trabalhos recentes, cientistas têm observado crescente sofrimento mental na população trabalhadora, manifestações de transtornos de ansiedade, depressão, alterações cognitivas, demência e perda de memória. 

Os afastamentos por problemas de saúde mental no Brasil mais do que dobraram em um período recente, com aumento de 134% entre 2022 e 2024. Em 2024, foram registrados cerca de 470 mil, o maior número em dez anos.  Estudo realizado em 30 países, pelo Ipsos Health Service Report, o Brasil se destaca por ter a saúde mental como principal preocupação dos brasileiros: saúde mental 52% (eram 18% em 2018); câncer: 37% (eram 57%); estresse: 33% (eram 19%); abuso de drogas: 26% (eram 42%); obesidade: 22% (eram 24%). Segundo a pesquisa, a preocupação com a saúde mental é maior entre as mulheres brasileiras (60%) do que entre os homens (44%). Entre as gerações, a diferença também é marcante: o tema é citado por 60% da geração Z (nascidos entre 1997 e 2012), contra 40% dos Boomers (nascidos entre 1947 e 1963). Um dado curioso que precisa ser analisado com o devido cuidado pelas autoridades da área de saúde pública.

O que a medicina recomenda para os pacientes acometidos por problemas de saúde mental? Usar o seu pouco tempo livre com exercícios físicos, alimentação saudável e boas noites de sono. Cuidar de si e cuidar dos outros é um dever da cidadania. Com apenas um dia de folga os cuidados com nossa saúde mental ficam comprometidos.

O passo civilizatório de acabar com a jornada 6 por 1 terá que ser dado com ampla mobilização popular, a fim de fazer o Congresso Nacional ouvir a sociedade e virar essa página da nossa herança colonial, para que possamos conviver numa relação de trabalho mais humana, produtiva, próspera e construir um futuro feliz para todos nós.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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