Tanques nas ruas, tesoura no orçamento: O verdadeiro alvo de Trump é a classe trabalhadora
É tudo teatro político para distrair da natureza profundamente oligárquica desse regime, escreve Pellegrini
O que se esconde por trás do circo armado por Donald em Los Angeles e outras cidades dos Estados Unidos? Para observadores experientes o atual envio de guardas e fuzileiros e o foco no “caos” nas ruas é uma tática de distração. A verdadeira prioridade do governo seria aprovar um projeto de lei, em andamento no congresso, que favorece os muito ricos, prejudicando severamente a classe trabalhadora — sem assumir esse custo político diante da opinião pública.
Donald Trump enviou cerca de 2700 Guardas Nacionais e 700 fuzileiros navais a Los Angeles - uma das maiores mobilizações militares internas desde 1965 nos EUA. A cidade decretou toque de recolher das 20h às 6h, e centenas de pessoas foram detidas até agora, só em Los Angeles. LA, como a chamam seus moradores, por acaso sofreu alguma terrível invasão alienígena ou coisa que o valha? Nada disso. A justificativa declarada pelo governo é simplesmente conter as manifestações populares de protesto contra a política migratória de Trump.
Os protestos começaram na sexta-feira, 6 de junho, e já se espalharam de Los Angeles para diversas cidades americanas, com manifestações marcantes e, em alguns casos, confrontos: Nova York, Chicago, San Francisco, Boston, Seattle, Denver, Houston, Austin, Dallas, San Antonio, Filadélfia, Washington DC, Minneapolis - entre outras - registram protestos em solidariedade ou em repúdio às ações do ICE (Immigration and Customs Enforcement, ou Serviço de Imigração e Fiscalização Aduaneira dos Estados Unidos, é uma agência federal subordinada ao Departamento de Segurança Interna. Sua principal função é fiscalizar, prender e deportar imigrantes em situação irregular, além de combater crimes relacionados à imigração e ao contrabando). Em Austin, policiais usaram gás lacrimogêneo e houve feridos entre agentes. Em Denver, atos envolveram uso de gás e prisões.
Envio de guardas e fuzileiros a Los Angeles a fim de reprimir manifestações em sua maior parte pacíficas! Tratar a Califórnia como uma nação inimiga a ser invadida militarmente! Como escreveu no X (ex-Twitter) Stephen Miller, conselheiro fiel de Trump na Casa Branca: Los Angeles é um “território ocupado”, acrescentando que uma “luta para salvar a civilização” está ocorrendo na maior e mais importante cidade da Califórnia! Ao mesmo tempo em que Trump brada discursos violentos contra os manifestantes.
Mas haverá realmente motivo para tamanho alarido? O exagero das medidas fez com que vários comentaristas acostumados às bravatas e ao fato de que, escondidas atrás delas, estão sempre as segundas e terceiras intenções de Trump, levantassem as orelhas e perguntassem: O que Trump realmente pretende com todo esse alvoroço?
Um desses observadores desconfiados é Alexander Stille, professor de jornalismo internacional na Escola de Jornalismo da Columbia University e correspondente de alguns dos mais importantes jornais do mundo. Para ele, o envio de tropas e policiais para conter as manifestações nos Estados Unidos seria na verdade uma cortina de fumaça engendrada por Trump para esconder suas verdadeiras intenções: A ação real é o grande projeto de lei que cortaria o Medicare e o Medicaid, retiraria os vales-alimentação dos trabalhadores pobres e reduziria as bolsas de estudo Pell, dificultando o acesso de filhos de pessoas pobres e da classe trabalhadora à universidade. A ideia é desviar a atenção da opinião pública de um conjunto de medidas extremamente impopulares – inclusive entre eleitores republicanos - e potencialmente devastadoras para milhões de pessoas de baixa renda.
Portanto, segundo Alexander Stille, o governo Trump estaria criando uma “crise de segurança” e gerando conflito social artificialmente para distrair o público, dominar o noticiário e, ao mesmo tempo, passar o projeto de lei às pressas, sem o devido debate público. Inclusive, o jornalista informa que a votação foi forçada na Câmara durante a madrugada.
Esse tipo de manobra - criar uma emergência para ocultar outras intenções - é algo comum em regimes populistas e/ou autoritários. A referência ao livro Let Them Eat Tweets (Deixe-os comer tweets), citado e recomendado por Stille, reforça isso: a tese central da obra é a de que partidos conservadores, quando confrontados com os efeitos da desigualdade, optam por acirrar divisões sociais (raça, religião, imigração) para evitar que o público se concentre na injustiça econômica.
A propósito, alguém ainda se lembra de Ricardo Salles, aquele que ficará na história como “passador de boiada”, que ocupou o cargo de Ministro do Meio Ambiente do Brasil durante o governo de Jair Bolsonaro, de janeiro de 2019 até junho de 2021? Foi ele que disse a frase “passar a boiada”. Ela se tornou símbolo do desmonte de políticas ambientais no Brasil após vir à tona em maio de 2020, quando foi divulgada a gravação de uma reunião ministerial ocorrida em abril daquele ano. Nela, Ricardo Salles disse:
“A gente precisa aproveitar que a atenção da mídia está voltada para a COVID e ‘ir passando a boiada’, mudando as regras e simplificando normas ambientais.”
Qualquer semelhança entre o passar das boiadas de Salles e o marchar dos fuzileiros de Trump em Los Angeles não é mera coincidência.
Assim sendo, segundo Alexander Stille, cuja opinião é agora compartilhada por inúmeros observadores, o atual envio de tropas trumpianas e o foco no “caos” nas ruas seria uma tática de distração. A verdadeira prioridade do governo seria aprovar um projeto de lei que favorece os muito ricos, prejudicando severamente a classe trabalhadora — sem assumir esse custo político diante da opinião pública.
De acordo com várias estimativas, caso Trump consiga aprovar suas novas leis, entre 10 e 16 milhões de norte-americanos perderiam o seguro de saúde. Mas o presidente e seus apoiadores no governo parecem pouco ou nada se importarem com isso. “Todo mundo vai morrer uma hora ou outra”, disse Joni Ernst, senadora republicana de Iowa, diante de um público revoltado com os cortes na saúde.
Tais intenções estão claramente no centro de toda a agenda política de Trump: um presente clássico dos republicanos para os ricos, disfarçado e mascarado como uma revolução social: xenofobia, deportações, a guerra contra as “universidades woke” e o antissemitismo, exibir pessoas em jaulas em El Salvador, a “invasão” de Los Angeles.
É tudo teatro político para distrair da natureza profundamente oligárquica desse regime, que está longe de ser benéfico para os trabalhadores. E é também um passo adiante rumo a um regime autoritário, no qual uma série de “emergências” inexistentes – a “invasão” de estrangeiros, a emergência energética, a emergência comercial (para justificar a guerra tarifária), a emergência de Los Angeles – são todas inventadas para justificar o uso de poderes extraordinários e contornar o Congresso, cuja aprovação seria difícil de obter.
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