Shopping center: um espaço público de gestão privada
A racionalidade mercantil, apoiada na propriedade privada, comanda a ordem interna dos shoppings
Mesmo se no meio de um processo de decomposição das grandes cidades e como fator que o acelera, o shopping emerge como se não tivesse nada com isso, como se, ao contrário, fosse uma alternativa às cidades em crise. Aparece como o contraponto superador de todos os problemas que afetam as cidades: do mau tempo à insegurança, da contaminação à falta de lugar para estacionar, da escuridão ao mau cheiro, dos buracos aos mendigos e aos ambulantes.
A racionalidade mercantil, apoiada na propriedade privada, comanda a ordem interna dos shoppings. Nesse espaço, não há lugar para desordem, descontrole, risco, ruído excessivo, fumaça, cheiro de óleo, crianças na rua, mendigos.
O shopping é a expressão mais acabada do mercado capitalista. É um espaço seletivo pelo poder de compra, onde só contam os consumidores: tudo é comércio, tudo se vende, tudo se compra, tudo tem preço, tudo é mercadoria. As marcas globalizadas lhe dão o seu tempo: o tempo do capitalismo globalizado.
Para se impor, não basta, então, que o shopping se afirme a si mesmo. Ele precisa destruir os seus antagonismos: o pequeno comércio de bairro, a praça pública, a gastronomia e o artesanato locais, a cidade como espaço de circulação e convivência de todas as classes sociais.
O shopping center redesenha a geografia das cidades, destruindo o centro e reconstruindo vários subcentros seletivos em termos de classe. Valoriza e desvaloriza espaços conforme sua localização. É um corte radical de classe sobre os espaços urbanos, redividindo a sociedade em polos de riqueza e de miséria, de valorização imobiliária e de desvalorização.
A centralidade dos processos de mercantilização corresponde a um novo ciclo dos estilos de consumo. Se este sempre foi central no capitalismo, suas formas foram sendo transformadas ao longo da sua história. O estilo shopping center corresponde a uma etapa determinada na trajetória da sociedade de consumo capitalista.
O capitalismo produz o estímulo perpétuo da demanda, da mercantilização e da multiplicação indefinida das necessidades. O consumo de massa começa por volta de 1880 e vai até a Segunda Guerra Mundial. Os pequenos mercados locais são substituídos por grandes mercados nacionais, possíveis pelas estruturas modernas de transporte e de comunicação. Ao mesmo tempo, aumenta-se a produtividade, com custos mais baixos, gerando a produção em massa.
Foi no setor automobilístico, graças à linha de montagem, que o tempo de trabalho para a produção do modelo da Ford – o “T” – passou de 12 horas e 28 minutos, em 1910, para uma hora e 33 minutos, em 1914. A fábrica de Highland Park colocava à venda mil carros por dia. Nessa fase, um conjunto de bens duráveis e não duráveis foi se tornando acessível a um número cada vez maior de pessoas.
Essa produção em massa, por sua vez, foi gerando o marketing de massa, bem como o consumidor moderno. “Até os anos 1880, os produtos eram anônimos, vendidos a granel, e as marcas nacionais muito pouco numerosas”, segundo Beatriz Sarlo. A partir daquela data, as empresas passaram a dedicar recursos cada vez maiores à publicidade. De onze mil dólares que a Coca-Cola dedicava à publicidade, em 1892, o montante subiu para 100 mil em 1901, para 1,2 milhão em 1912 e para 3,8 milhões em 1929.
Foram sendo criadas uma infinidade de marcas, como a Coca-Cola, a Kodak, a Quaker, entre tantas outras. O número de marcas registradas se multiplicou por cinco em pouco mais de três décadas. A marca passa a garantir a qualidade do produto, transferindo essa confiança para o produtor e diminuindo a importância do varejista. Com o surgimento da marca, do acondicionamento do produto e da publicidade, veio o consumidor moderno, que compra uma marca, um nome, em vez de uma coisa, impondo-se definitivamente o valor de troca sobre o valor de uso.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.



