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Carol Proner

Doutora em Direito, professora da UFRJ, diretora do Instituo Joaquín Herrera Flores – IJHF

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Precisamos transitar em julgado

Anistia seria retrocesso: o Brasil precisa consolidar a responsabilização para defender a democracia

Jair Bolsonaro e o STF (Foto: Reuters I Antonio Augusto/STF)

O julgamento da tentativa de golpe contra o Estado Democrático de Direito é patrimônio da justiça brasileira. Cada voto, cada argumento e, principalmente, a condenação dos responsáveis, é legado do país. 

Recursos serão interpostos para aclarar dúvidas ou mesmo rejeitar a condenação, mas o mérito já foi arbitrado. Os ritmos, a denúncia, as delações e testemunhos, as interações entre acusação e defesa, as fartas provas que acompanham os autos e imagens repassadas, e, sobretudo, os votos proferidos durante dias e horas, conformam um extraordinário acervo de autodefesa democrática.

Nesse sentido, parece absurdo alguém do campo democrático considerar a hipótese da anistia. Anistiar, no sentido de apagar os crimes e condutas, é uma contradição em termos. Como argumenta o advogado Pedro Serrano na tese do desvio de finalidade do Poder Legislativo, propostas de anistia que pretendem esse apagamento são uma afronta ao Poder Judiciário e às cláusulas pétreas da Constituição que proíbem retrocessos. A oposição política no Congresso pretende, como solução mágica, que o legislador possa substituir o juízo de justiça. Visivelmente, a finalidade e as motivações das propostas em curso são incompatíveis com o sentido de Poder Legislativo e seus propositores investem na conflagração entre Poderes. 

O flerte com essa possibilidade ignora o alto preço que pagamos pela falta de revisão da Lei 6.683 de 1979, entulho autoritário que, inegavelmente, contribuiu para a nova tentativa de golpe em 2023. Comparar os processos de anistia do passado e de hoje só serve para fortalecer o repúdio.

Às vésperas do ano eleitoral, o tema jurídico centraliza as atenções. Na avaliação dos movimentos sociais e populares, o país deveria avançar em outras pautas e é uma lástima que o julgamento siga monopolizando o debate público. Faria muito bem ao Brasil poder virar a página, tratar de outras questões, como emprego e renda, o fim da escala 6x1 e a reforma tributária com justiça social. 

Com o devido respeito aos juristas, precisamos prioritariamente de economistas, engenheiros, médicos e ecologistas para construir o futuro, e de historiadores para evitar o esquecimento. Urgentemente, precisamos de artistas, porque as nossas almas andam doentes. Mas estamos atados ao extraordinário processo de responsabilização e, juntos, precisamos transitar em julgado.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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