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Emir Sader

Colunista do 247, Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros

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Os enigmas latino-americanos

O sociólogo Emir Sader destaca 'potencialidades e limites de governos antineoliberais'. 'O neoliberalismo está no marco de um ciclo recessivo do capitalismo'

Encontro da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

A América Latina contemporânea é o melhor exemplo das alternativas e dos dilemas que o mundo vive hoje. Em poucas décadas, o continente teve ditaduras militares, teve grande quantidade de governos neoliberais, passou a ser a única região do mundo com governos antineoliberais e chegou a ter governos de restauração neoliberal em alguns países. Além, é claro, de ter tido a única revolução socialista no ocidente, desde 1959.

A região passou, assim, por modelos hegemônicos distintos, até mesmo radicalmente contraditórios, revelando uma tensão e um dinamismo permanente entre as forças fundamentais que se enfrentam em suas sociedades e em todo o mundo contemporâneo. Tornou-se, dessa forma, o melhor laboratório de experiências políticas que possuímos no século XXI. Uma reflexão sobre esses caminhos é a melhor pista para decifrar a história contemporânea e as perspectivas para o mundo no século atual.

Em meu livro “A nova toupeira: os caminhos da esquerda latino-americana”, há um capítulo com o título “O enigma Lula”. O caráter enigmático do Lula levou a que seus adversários – de direita e de ultraesquerda – o subestimassem, não conseguissem decifrar seu significado, seu potencial, e terminassem sendo devorados por ele.

Por que apelar para o enigma Lula e para a América Latina? Porque se trata de fenômenos complexos, aparentemente na contramão das tendências históricas contemporâneas, mas que conseguem abrir espaço para se realizarem e funcionarem.

Depois de o Brasil e a América Latina terem feito o doloroso percurso em direção ao neoliberalismo, adaptando-se à era atual do capitalismo, que parecia chegar como tendência irreversível, de que maneira tem sido possível resistir a essa onda? Com que forças tem sido possível promover uma reviravolta? Contra quem? Até onde? De que forma? Para decifrar esse enigma, é indispensável nos valermos do potencial que só a dialética, captando a realidade com suas contradições concretas, permite. A direita, com seu dogmatismo liberal, e à ultra esquerda, com seu dogmatismo sectário, não conseguem captar as condições históricas concretas que tornaram possível a reação latino-americana, ainda que no marco da persistência hegemônica mundial do neoliberalismo.

A resposta a essas questões é que permite decifrar esse enigma, do qual fazem parte outros dirigentes latino-americanos, como Evo Morales, Hugo Chávez, Rafael Correa, Nestor e Cristina Chavez, Pepe Mujica, Lopez Obrador, Claudia Sheinbaum, Álvaro García Linera.

Trata-se, portanto, do enigma latino-americano, que pode ser decifrado, para que se possa compreender como tantos países da região conseguiram e conseguem resistir contra a corrente mundial, revertendo a correlação de forças internas, promovendo um processo de integração regional.

Para isso, a fim de compreender o marco geral em que se inseriu o surgimento fulminante do neoliberalismo, suas contradições e limites, é indispensável reconstituir as grandes transformações do mundo nas últimas décadas do século XX. Nascido da derrota da URSS, do fim do ciclo longo expansivo do capitalismo no segundo pós-guerra e da crise do Estado de bem estar social, o período histórico atual viu o surgimento do neoliberalismo no marco de um ciclo longo recessivo do capitalismo e da irrupção de uma ideologia liberal de mercado.

Somente nesse marco é possível compreender as potencialidades e, ao mesmo tempo, os limites dos governos que se caracterizam como antineoliberais.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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