O caminho sem volta de Tarcísio
Aos que ainda acreditam na narrativa “moderada” de Tarcísio, o recado está dado. Ele não é ponte entre extremos, nem gestor técnico
O 7 de Setembro tirou Tarcísio de Freitas de cima do muro. Acostumado a posar de moderado e evitar riscos, o governador de São Paulo resolveu mostrar as garras. Na avenida Paulista, tirou a máscara e deixou claro que topa qualquer negócio para ter seu nome ungido pelo clã Bolsonaro e ser coroado candidato da extrema direita à Presidência da República.
Em cerca de 15 minutos com o microfone nas mãos, Tarcísio fez um discurso politicamente calculado para atingir o seu objetivo. Atacou o Alexandre de Moraes. Chamou de “tirano” o ministro, que é relator da ação penal sobre a tentativa de golpe, e incitou quem o ouvia a não aceitar ordens de nenhum “ditador”, ainda em uma provável referência a Moraes.
Tarcísio não parou por aí. Atacou o Supremo Tribunal Federal como um todo e defendeu uma anistia ampla, geral e irrestrita para os condenados por participação naquele fatídico 8 de janeiro de 2023, quando em uma tentativa desesperada de reverter o resultado das urnas e tomar o poder à força, um grupo organizado de bolsonaristas invadiu as sedes dos três poderes, em Brasília.
O governador de São Paulo falou os absurdos que o bolsonarismo queria ouvir – e o fez sem qualquer constrangimento. Arrisco-me a dizer que talvez tenha ele próprio cometido seus crimes, se considerarmos que o discurso ultrapassa os limites da crítica e configura uma ameaça ao Judiciário, incorrendo em coação no curso do processo e incitação ao crime. Mas isso eu deixo para os juristas avaliarem.
Fato é que, na ânsia de proteger Bolsonaro, Tarcísio faz malabarismos retóricos, ignora fatos óbvios e tenta reescrever a história. Bolsonaro foi condenado. O governador finge esquecer que o ex-presidente cometeu crimes como organização criminosa armada, golpe de Estado e destruição do patrimônio público, em um plano que previa até mesmo assassinatos.
Ele não entra no mérito de que também cairia bem a Bolsonaro o banco dos réus pela sua omissão como presidente durante a pandemia de Covid-19, quando centenas de milhares de brasileiros perderam a vida, enquanto ele se recusava a comprar vacinas e estimulava o uso de medicamentos sem qualquer eficácia comprovada.
A ficha corrida de desserviços de Bolsonaro é enorme. Inclui apologia à tortura, estímulo ao armamento, devastação ambiental, ataques à educação e à ciência, e por aí vai. É provável que esse histórico de malfeitos justifique o resultado da pesquisa CNT/MDA divulgada no último dia 8, ainda quando o julgamento transcorria, segundo a qual 49,6% dos brasileiros consideram justa a condenação de Bolsonaro.
Desesperado pela aprovação do bolsonarismo, Tarcísio paga um preço alto. Em sua curta trajetória política, construiu uma imagem, descolada da realidade, de gestor público eficiente e ponderado, ao custo de muito investimento em marketing, além da complacência de setores da imprensa e uma base de apoio majoritária na Assembleia Legislativa de São Paulo, que joga para debaixo do tapete seus erros.
Nutrido por projetos pessoais, Tarcísio abandona esse porto seguro e dá um passo adiante. Em sua nova posição no tabuleiro político, ele é obrigado a se expor e tomar decisões. O discurso no 7 de Setembro foi apenas um capítulo nessa estrada tortuosa, que o levará por um caminho sem volta.
Antes mesmo do início do julgamento de Jair Bolsonaro, Flávio, seu filho mais velho, apresentou, em entrevista para a Folha de S. Paulo, publicada em 14 de junho, a cartilha que o futuro candidato à Presidência deve seguir para receber a benção da extrema direita. Quando questionado se o perdão seria condição para o apoio de Bolsonaro, a resposta foi direta: “Não só vai querer apoiar alguém que banque a anistia ou o indulto, mas que seja cumprido”.
O conteúdo do projeto da anistia já vazou e se mostrou uma coleção de absurdos. Ele não busca a reconciliação nacional, mas um salvo-conduto para ataques à democracia. Se aprovado, o texto não apenas corrói a credibilidade das instituições, como normaliza o crime como ferramenta política — transformando a lei, que deveria proteger a sociedade, em escudo para quem quer destruí-la.
Flávio Bolsonaro fala em intervenção no STF para garantir que, se aprovado, o texto da anistia ou um indulto presidencial não seja anulado por decisão dos ministros da Corte. “É uma hipótese muito ruim, porque a gente está falando de possibilidade de uso da força. A gente está falando da possibilidade de interferência direta entre os Poderes”, disse na mesma entrevista.
Ao menos a primeira parte do plano, Tarcísio de Freitas parece já ter topado. Ao Diário do Grande ABC, quando questionado se concederia indulto a Bolsonaro se eleito presidente, não titubeou: “Na hora. Primeiro ato. Porque eu acho que tudo isso que está acontecendo é absolutamente desarrazoado”. É a confissão de que, sob seu comando, até a Constituição poderia ser rasgada para satisfazer um projeto pessoal de poder.
Aos que ainda acreditam na narrativa “moderada” de Tarcísio, o recado está dado. Ele não é ponte entre extremos, nem gestor técnico acima das disputas. Ele é candidato da extrema direita, comprometido com a impunidade de Bolsonaro e com o desmonte do Estado de Direito.
E a democracia brasileira precisa deixar claro: não haverá anistia, nem indulto. Bolsonaro foi julgado e condenado pelos crimes que cometeu. E qualquer um que tentar protegê-lo, seja Tarcísio ou qualquer outro, carregará consigo o peso da história.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.


