Sabesp privatizada apresenta a conta à sociedade
Maior entreposto de alimentos da América Latina, a Ceagesp viu sua conta de água dobrar após fim unilateral de descontos pela Sabesp
Imagine-se nesta situação: você recebe o boleto da conta de consumo e, ao abri-lo, percebe que o valor cobrado é muito superior (o dobro) ao que estava acostumado a pagar, mesmo mantendo o nível de consumo dos períodos anteriores. Foi exatamente isso o que aconteceu com a maior central de abastecimento de alimentos da América Latina e uma das maiores do mundo, a Ceagesp, localizada na cidade de São Paulo.
De uma hora para outra, a Sabesp decidiu, de forma unilateral, que os descontos aplicados à Ceagesp deixariam de vigorar. O resultado foi que a conta saltou de cerca de R$ 1,13 milhão por mês para R$ 2,31 milhões mensais. Evidentemente, o procedimento abusivo foi questionado na Justiça pela Ceagesp. Mas é preciso também denunciar a conduta e divulgar a informação de que a Sabesp começa a apresentar à sociedade a conta da sua privatização.
E será uma conta salgada. No caso da Ceagesp, o problema assume uma dimensão social, pois o centro de distribuição funciona há décadas como um grande entreposto atacadista para a maior cidade do país e seu entorno. A Ceagesp recebe e distribui, para toda essa região, produtos essenciais a muitas atividades comerciais, além de atender diretamente aos consumidores individuais. São frutas, legumes, verduras, flores, pescados, entre outros itens.
Para se ter uma ideia da importância crucial da Ceagesp no abastecimento de alimentos no país, trata-se de uma área com mais de 700 mil m², com circulação diária de 12 mil veículos e mais de 50 mil pessoas. Movimenta mais de 3 milhões de toneladas de produtos por ano, recebendo mercadorias de 1,5 mil municípios e de 18 países. É uma conexão fundamental para a distribuição de alimentos.
A privatização da Sabesp completou um ano no mês passado. Desde o fim de 2024, a empresa tem enviado cartas a diversos clientes de grande porte, informando que deixará de adotar políticas de tarifas especiais. São clientes como supermercados, indústrias, shoppings centers, entre outros — além da Ceagesp. A consequência imediata esperada desse aumento absurdo nas contas de água será, inevitavelmente, o repasse aos preços ao consumidor final, o que resultará em inflação mais alta para todos.
Como alertamos durante o processo de privatização, o que ocorrerá é que a Sabesp passará a prestar um serviço de pior qualidade por um preço mais alto, somando demissões a esse cardápio indigesto — a Agência Brasil reporta 10% de demissões em apenas um ano. Isso porque, agora, a lógica que orienta a empresa é exclusivamente a do lucro para seus acionistas. A Sabesp deixou de operar considerando sua importância e impacto social. Foi assim em processos de privatização dos serviços de fornecimento de água e esgotamento sanitário em dezenas de países. Alemanha, França, Bolívia, Argentina, Equador e Jamaica, entre outros, voltaram atrás e reestatizaram seus serviços de água e esgoto.
Nos primeiros meses deste ano, moradores das periferias de São Paulo já haviam se assustado ao receber contas de água com valores exorbitantes. Houve caso de uma senhora que recebeu uma conta de R$ 10 mil! Não se trata de um caso isolado. Multiplicam-se as notícias sobre queda na qualidade dos serviços, com fornecimento de água suja, acúmulo de falhas operacionais e contas muito superiores aos valores praticados antes da privatização.
O próprio processo de privatização foi marcado por diversos problemas — desde a concepção equivocada de entregar à iniciativa privada um ativo de um bem estratégico essencial à vida (a água), até a velocidade inapropriada para a conclusão da venda, passando pelos valores envolvidos. Estima-se que a operação tenha gerado um prejuízo de R$ 4,1 bilhões à população paulista, devido à defasagem no valor da ação ofertada ao consórcio vencedor. É necessário mencionar ainda a enorme campanha de mídia que a Sabesp tem veiculado para tentar esconder a piora na qualidade da prestação dos serviços após a privatização.
Com a política de fim dos descontos tarifários — que existiam para atender aos interesses da sociedade e estimular atividades fundamentais ao cotidiano das cidades —, a Sabesp incorpora a essa lista de prejuízos à população uma inusitada “tarifa da privatização”, com potencial inflacionário pernicioso.
Em tempos em que, estimulados por traidores da pátria e golpistas, os Estados Unidos impõem taxas a produtos brasileiros, prejudicando setores da economia nacional e, consequentemente, a sociedade como um todo, é completamente fora de lugar, de contexto e de momento a Sabesp cobrar valores exorbitantes nas contas de água. Quem vestiu o boné do “Make America Great Again”, como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, deve estar comemorando as contas mais altas que a Sabesp está fazendo chegar à população e às empresas.
É preciso que a sociedade se una e pressione pela retomada da política tarifária anterior da Sabesp, considerando que o serviço público prestado pela empresa é de inegável interesse coletivo.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

