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Mário Maurici

Jornalista, ex-vereador e ex-prefeito de Franco da Rocha, ex-vice-presidente da EBC e ex-presidente da Ceagesp. Atualmente, deputado estadual e primeiro secretário da Assembleia Legislativa de São Paulo.

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Na guerra da Sabesp contra a Ceagesp, quem perde somos nós

Não é só a água que está em jogo —é a comida na mesa, é a dignidade das famílias, é o futuro de São Paulo e do Brasil

Sabesp (Foto: Gilberto Marques/GovSP)

Pouca gente sabe, mas uma guerra silenciosa está sendo travada nesse momento. E as consequências dela podem pesar no bolso de todos nós. Sabesp e Ceagesp estão em uma disputa milionária, que tem como foco o reajuste tarifário em quase 100% da conta de água do maior entreposto de alimentos frescos da América Latina.

Nos últimos 12 meses, a Ceagesp pagou R$ 15,3 milhões pelo uso de água e rede de esgoto. Caso o reajuste pleiteado pela Sabesp já estivesse em vigor, essa fatura seria de R$ 30,5 milhões. É um custo extra que ultrapassa R$ 15 milhões ao ano. Se a Sabesp sair vencedora, essa conta será repassada para o consumidor.

A lógica é simples e cruel. Com a conta de água mais cara, o custo operacional dos comerciantes aumenta. As margens de remuneração ficam mais apertadas e há um repasse total ou parcial aos preços dos alimentos no atacado, o que pressiona os preços no varejo. O efeito dominó é devastador: encarece a feira, aperta o orçamento das famílias e ameaça toda a cadeia de abastecimento de São Paulo.

A postura da Sabesp é, no mínimo, irresponsável. Privatizada há pouco mais de um ano, a empresa deixa claro que a prioridade é apenas uma: engordar o lucro dos acionistas, custe o que custar. Estudos preliminares apontam para um aumento médio para o consumidor final em torno de 15% em itens como frutas, legumes, verduras, ovos, pescados e outros produtos que fazem parte da dieta básica de alimentos da população.

E esse percentual de reajuste pode variar bastante, conforme o volume de água utilizada no manuseio de determinado alimento, a quantidade de empresas em cada pavilhão que faz o rateio da conta, além da volatilidade de cada alimento. Como são produtos perecíveis, a alta pode chegar ao consumidor bem rápido, em questão de semanas.

Essa disputa não é de hoje, mas a conclusão tem data marcada. Em abril deste ano, quando a Sabesp anunciou o aumento da conta e o valor do metro cúbico passou dos atuais R$ 16,43 para R$ 29,90, a Ceagesp entrou na Justiça para tentar barrar a medida. Foi feito um acordo de suspensão por seis meses do processo, para que Sabesp e Ceagesp possam negociar. O prazo termina em fevereiro de 2026.

Mas, se nada mudar, o desfecho é certo: a população é que vai pagar a conta. No fundo, estamos diante do retrato mais perverso do capitalismo: uma empresa privada que, em nome do lucro, não hesita em empurrar milhões de brasileiros para a insegurança alimentar. Enquanto acionistas enriquecem, famílias terão que escolher entre reduzir a feira da semana ou sacrificar outras despesas básicas.

E não é só a conta de água que está mais cara. Desde a privatização, a Sabesp já foi flagrada despejando esgoto sem tratamento no Tietê, deixou bairros inteiros sem abastecimento, demitiu 10% dos funcionários e segue colecionando falhas. Eficiência? Tarcísio de Freitas vendeu uma miragem no leilão da Bolsa de Valores. O que a Sabesp privatizada entrega de fato é a piora do serviço.

É preciso dizer com todas as letras: o projeto de Tarcísio não é modernizar o Estado, é desmontá-lo. Ele sucateia empresas públicas, entrega patrimônio coletivo a preço de banana e transfere ao povo a conta do enriquecimento privado. A privatização da Sabesp é apenas mais um capítulo de uma política que transforma direitos em mercadorias e cidadãos em reféns.

Quando um bem essencial como a água vira mercadoria, quem paga é o povo. Com Tarcísio, o lucro vem antes da vida, e o Estado se ajoelha diante do mercado. Seu modelo é simples e devastador: transformar direitos básicos, como água, transporte e energia, em mercadorias nas mãos de acionistas.

Se esse projeto privatista extrapolar as fronteiras de São Paulo e ganhar dimensão nacional, não falaremos apenas em aumento de tarifas, mas numa verdadeira regressão social, que ameaça a imensa maioria da nossa população.

O que hoje vemos com a conta de água em São Paulo pode se repetir em todo o Brasil, com serviços essenciais encarecendo, trabalhadores sendo demitidos e a população mais pobre pagando a fatura da ganância.

No fim das contas, nessa disputa da Sabesp contra a Ceagesp, não é só a água que está em jogo —é a comida na mesa, é a dignidade das famílias, é o futuro de São Paulo e do Brasil. Se a sociedade não reagir, o preço da omissão será alto demais.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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