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      Luis Pellegrini

      Luís Pellegrini é jornalista e editor da revista Oásis

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      "Não em meu nome": as vozes judaicas que denunciam os crimes em Gaza

      Escutar as vozes dissonantes dentro dos próprios grupos envolvidos é mais do que um gesto de lucidez - é um ato de coragem moral

      Uma vista do local do ataque israelense que danificou e destruiu prédios residenciais, no campo de refugiados de Shati (Praia), na Cidade de Gaza, em 4 de julho de 2025 (Foto: REUTERS/Mahmoud Issa)

      Em tempos de guerra e destruição, especialmente quando envolvem questões de identidade, religião e trauma histórico, escutar as vozes dissonantes dentro dos próprios grupos envolvidos é mais do que um gesto de lucidez - é um ato de coragem moral.

      Desde o início da ofensiva israelense em Gaza em outubro de 2023, uma crescente onda de personalidades judaicas de destaque tem rompido o silêncio para denunciar as ações do governo de Benjamin Netanyahu. Artistas, intelectuais, jornalistas, acadêmicos, sobreviventes do Holocausto, rabinos e até ex-militares israelenses têm se insurgido contra o que consideram não apenas uma tragédia humanitária, mas uma traição aos valores judaicos universais. Abaixo, destaco algumas das vozes mais relevantes internacionalmente:

      Judeus pelo fim da violência - Para o linguista e filósofo Noam Chomsky, decano do ativismo progressista americano, Israel já deixou de ser uma democracia funcional. O país, segundo ele, “marcha rumo ao fascismo”, ao mesmo tempo em que transforma Gaza em uma “prisão a céu aberto”. Chomsky é um crítico histórico das políticas israelenses e da ocupação dos territórios palestinos. Considera que Israel está cometendo crimes graves contra os direitos humanos.

      Judith Butler, filósofa judia queer, vai ainda mais longe: chama o sionismo de “forma colonial de violência sustentada pelo trauma do Holocausto”. Ela defende os direitos palestinos, denunciando o apartheid e a violência estatal de Israel.

      Ilan Pappé, autor de A Limpeza Étnica da Palestina, afirma que o massacre de civis em Gaza representa a continuidade de um projeto de dominação iniciado em 1948. Pappé, um dos mais importantes “novos historiadores” israelenses, documenta a limpeza étnica de 1948 (Nakba, ou expulsão dos palestinos da maior parte do território de Israel). Ele considera Gaza um “gueto” sob cerco.

      Já Norman Finkelstein, cientista político norte-americano, filho de sobreviventes de campos nazistas, acusou publicamente Israel de instrumentalizar a memória do Holocausto para justificar crimes contemporâneos. Para ele, “o mundo deve dizer: nunca mais - para ninguém”.

      Daniel Barenboim, maestro argentino-israelense, cofundador da Orquestra West-Eastern Divan com Edward Said - que reúne jovens músicos israelenses e palestinos -, critica duramente a ocupação dos territórios e pede soluções pacíficas baseadas na igualdade entre os dois povos. O Maestro classificou o bombardeio de Gaza como uma “negação da civilização”.

      Sarah Schulman, norte-americana, escritora e importante ativista LGBTQ+, defende posições claramente antissionistas. É cofundadora do movimento Jewish Voice for Peace e defende o BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções contra Israel).

      Avraham Burg, ex-presidente do Knesset e ex-diretor da Agência Judaica. Desiludido com o projeto sionista, declara que Israel não pode mais ser considerado um Estado judeu e democrático.

      Ruth Ben-Ghiat, historiadora (EUA), de origem judaica, especialista em autoritarismo, critica o uso de retórica e métodos fascistas por parte do governo Netanyahu.

      Hajo Meyer, sobrevivente de Auschwitz e fundador da rede A Different Jewish Voice, afirmou que “os israelenses desumanizam os palestinos tal como os nazistas tentaram desumanizar os judeus”.

      Marione Ingram, sobrevivente alemã naturalizada nos EUA, tornou-se crítica ativa contra a condução da guerra em Gaza e fez comparações entre o que define como violência do Estado israelense e o que sofreu sob os nazistas.

      Miriam Margolyes - que é judia, embora não sobrevivente ao Holocausto -, também critica duramente a conduta israelense, afirmando que “os valores judaicos estão se perdendo e se tornando semelhantes aos de uma nação nacionalista genocida”.

      Rabino Yisroel Dovid Weiss - Lidera uma facção da Neturei Karta em Monsey, Nova York. Rechaça completamente o Estado de Israel e afirma que ele não representa o povo judeu nem os valores do judaísmo.

      Em protestos, declarou: “Ele (Netanyahu) não representa a gente” e acrescentou: “Tudo que está sendo feito em nosso nome não é judaico”.

      Muitos outros rabinos compartilham essas posições, entre eles o Rabino Moshe Ber Beck (também da Neturei Karta), os rabinos, Aaron Jacobowitz, o rabino Jacob Kellmer, o rabino Joel Teitelbaum.

      Vozes Brasileiras - No Brasil, intelectuais, historiadores, artistas, jornalistas e membros da comunidade judaica também têm se posicionado criticamente em relação à atual política de Israel em Gaza. Praticamente todos defendem os direitos humanos, o fim da ocupação e uma solução justa para o povo palestino.

      Essas vozes enfrentam muitas vezes censura, retaliação e tentativa de silenciamento por parte de instituições tradicionais da comunidade judaica brasileira, como a Conib (Confederação Israelita do Brasil), que geralmente apoia incondicionalmente o Estado de Israel.

      Breno Altman, jornalista, fundador do site Opera Mundi. Colaborador assíduo da Editora Brasil 247. É judeu antissionista. Denuncia a ocupação dos territórios em Israel como colonialismo e classifica os ataques a Gaza como genocídio. Foi alvo de processos movidos por entidades sionistas no Brasil, acusado de discurso antissemita - o que ele e diversos intelectuais consideram censura política. Frase marcante: “O sionismo é uma vergonha para o judaísmo”.

      Henry Sobel (in memoriam). Mesmo tendo falecido em 2019, o rabino Sobel já criticava duramente a colonização dos territórios palestinos. Defendia a criação de um Estado Palestino e a coexistência como valor judaico essencial.

      Mário Kertész, jornalista, radialista e político, Mário se posiciona contra o que considera um massacre promovido pelo governo de Benjamin Netanyhau na Palestina. Ele também critica o silêncio da comunidade internacional e de parte da comunidade judaica brasileira diante do que está acontecendo em Gaza.

      Michel Gherman, historiador e coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos da UFRJ. Tem denunciado o uso do judaísmo para justificar apartheid e violência. É cofundador do coletivo Judeus pela Democracia. Crítico do sionismo, defensor do diálogo inter-religioso e da justiça para o povo palestino. Participa de debates públicos e projetos acadêmicos que questionam o uso do judaísmo como justificativa para a violência estatal. É um dos fundadores do coletivo Judeus pela Democracia.

      Anita Leocádia Prestes, filha de Olga Benário (judia alemã assassinada pelos nazistas) e Luís Carlos Prestes, tem feito duras críticas públicas à política sionista e ao que chama de “barbárie colonial” praticada em Gaza. Anita é militante de esquerda, denuncia Israel como um Estado de apartheid e de agressão sistemática contra os palestinos. Sua história pessoal dá peso simbólico às suas declarações contra o uso da memória do Holocausto como escudo para crimes atuais.

      Mauro Iasi, professor da UFRJ, filósofo e militante. Antissionista declarado, considera a política israelense uma forma de imperialismo moderno. Participa de debates acadêmicos e políticos sobre o conflito Israel-Palestina.

      Letícia Liesenfeld, socióloga, ativista feminista, envolvida com movimentos judeus progressistas. Apoia o BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções) e a resistência civil palestina. Integrante de grupos como a Articulação Judaica de Esquerda

      Coletivos e lideranças anônimas - Muitos judeus brasileiros preferem se manifestar coletivamente, por receio de perseguição dentro da própria comunidade. É o caso de muitos membros de Judeus pela Democracia, Articulação Judaica de Esquerda, Jewish Diaspora Antifa (Brasil).

      Estes grupos reúnem jovens, acadêmicos e ativistas que se manifestam contra o sionismo político, o apartheid israelense e a ocupação da Palestina.

      Organizações Judaicas pela Paz - Grupos organizados também se somam a essa crítica. O Jewish Voice for Peace, nos Estados Unidos, lançou uma campanha com o lema “Not in Our Name” - “não em nosso nome” -, exigindo cessar-fogo imediato e o fim da ocupação. Já a organização israelense Breaking the Silence, formada por ex-soldados das Forças de Defesa de Israel, denuncia sistematicamente os abusos cometidos nos territórios palestinos ocupados.

      Diversas organizações judaicas progressistas no Brasil e no mundo têm se posicionado publicamente contra as políticas do governo israelense, especialmente em relação à ocupação da Palestina e à ofensiva militar em Gaza. Essas organizações reafirmam sua identidade judaica sem se alinhar ao sionismo oficial e muitas vezes enfrentam perseguição por isso.

      Abaixo estão as principais, divididas por Brasil e mundo:

      No Brasil:

      Judeus pela Democracia - Formada por intelectuais, artistas, ativistas e membros da comunidade judaica brasileira. Sua posição: Contra o governo Netanyahu, contra o sionismo autoritário e defensor do Estado Palestino. Participa de protestos, campanhas nas redes e apoia ações de solidariedade à Palestina. Tem como foco prioritário a defesa da democracia no Brasil e em Israel/Palestina, combate ao antissemitismo e ao racismo.

      Articulação Judaica de Esquerda (AJE) - Formada por judeus progressistas ligados a movimentos sociais. Tem posição antissionista, antirracista, pró-Palestina e contra o uso da identidade judaica para justificar a violência estatal. Condenam o genocídio em Gaza e a tentativa de silenciar judeus dissidentes.

      Judeus Antifascistas (Jewish Diaspora Antifa - Brasil): seus membros são contra o sionismo, o apartheid e o fascismo, incluindo o de Israel.

      Muito ativos nas redes sociais e nas ruas. Apoiam o BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções) a Israel.

      Internacionais:

      Jewish Voice for Peace (JVP) – EUA: Uma das maiores organizações judaicas progressistas do mundo. Tem posição antissionista, pró-Palestina e defensora dos direitos humanos universais. Apoia o BDS, organiza campanhas contra o apartheid israelense e rejeita a ideia de que criticar Israel é antissemitismo. Lema: “Not in our name” (Não em nosso nome).

      IfNotNow – EUA: Formada por jovens judeus americanos. São contra a ocupação da Palestina e a política de violência do governo israelense.

      Objetivo: Criar um novo tipo de judaísmo que seja ético, antirracista e solidário com os oprimidos

      Jews for Racial and Economic Justice (JFREJ) – Com base em Nova York, faz campanha pela justiça racial e contra a ocupação israelense. Tem várias parcerias com comunidades negras, palestinas e LGBTQ+.

      Independent Jewish Voices (IJV) – Canadá: posição antissionista, apoia o BDS, e denuncia o apartheid israelense. Destaque: Apoia judeus perseguidos por se posicionarem contra o sionismo.

      Jewish Network for Palestine (JNP) - Reino Unido: composta por judeus britânicos que rejeitam o sionismo e apoiam os direitos dos palestinos.

      Objetivo principal: Romper o monopólio institucional que o sionismo tem sobre a identidade judaica.

      European Jews for a Just Peace (EJJP) - União Europeia: coalizão de organizações judaicas europeias progressistas. Objetivos: paz com justiça, fim da ocupação, apoio à autodeterminação palestina.

      Observações importantes: todas essas organizações não negam a importância da memória do Holocausto, mas justamente por essa memória se posicionam contra o que chamam de “apartheid moderno”. Elas reivindicam um judaísmo ético, anticolonialista e crítico do nacionalismo militarista israelense. Frequentemente enfrentam campanhas de difamação, censura e exclusão de instituições comunitárias mais conservadoras.

      Grupos que atuam nas redes sociais e nas ruas em defesa dos direitos palestinos, contra o antissemitismo e o autoritarismo — inclusive dentro de Israel.

      A voz dos justos - O que une todas essas figuras e movimentos é a convicção de que a crítica ao governo de Israel não é antissemitismo, e sim um dever ético. Como disse uma sobrevivente do Holocausto, cujo vídeo viralizou recentemente nas redes: “Se um povo que passou por Auschwitz vira as costas ao sofrimento de outro povo, então Hitler venceu. Estamos nos tornando aquilo que juramos combater”. Essa frase, proferida por uma senhora judia americana não identificada, tocou corações em todo o mundo. Em tempos de confusão moral e campanhas de desinformação, essas vozes são faróis. Elas nos lembram que ser judeu não significa apoiar um governo, mas lutar pela justiça - mesmo quando ela exige falar contra os seus.

      Se tantos judeus - dentro e fora de Israel - se levantam contra a guerra, não será hora de o mundo ouvir com mais atenção? Quando os filhos de vítimas se negam a ser cúmplices de novas tragédias, eles nos mostram que a verdadeira herança judaica é a compaixão - não a vingança.

      * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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