“Morte financeira” de Moraes pode durar sete anos
Em mais de 740 casos, bancos de 50 países cumpriram a Lei Magnitsky
Vamos aos fatos. Criada nos EUA em 2012 e expandida globalmente em 2016, a Lei Magnitsky pune indivíduos e entidades envolvidos em graves violações de direitos humanos ou corrupção significativa. Não países. Não é, portanto, um ataque à soberania brasileira a punição imposta a Alexandre de Moraes, e sim um ataque totalmente absurdo e injusto a ele. Pessoa física. Embora não faltem criminosos de alto coturno, coube a ele ser o primeiro brasileiro na lista.
Especialistas em combate à corrupção e pessoas do mercado financeiro entendem a decisão como uma deturpação da lei, que já foi aplicada a mais de 740 pessoas e organizações em mais de 50 países até 2024, segundo fontes como o Sanctions Watch e relatórios do Departamento do Tesouro dos EUA. E cujo perfil não tem um milímetro a ver com o do ministro do STF. Um estranho no ninho. Punições foram aplicadas (e cumpridas) a cidadãos de potências que prezam a sua soberania (como China e Rússia) e a países de menor expressão, como Paraguai e Zimbábue.
Exemplos mais conhecidos:
Ramzan Kadyrov (Chechênia, Rússia), sancionado em 2017 por envolvimento em desaparecimentos, execuções extrajudiciais e torturas, incluindo supostos campos de concentração para homossexuais; Horacio Cartes (ex-presidente do Paraguai), punido por corrupção durante seu governo (2013-2018), incluindo esquemas de propina e desvios em contratos de recursos naturais; Emmerson Mnangagwa (presidente do Zimbábue), sancionado por envolvimento em redes de contrabando de ouro e diamantes; Carrie Lam (ex-chefe do Executivo de Hong Kong), alvo por implementar a lei de segurança nacional que restringiu direitos e liberdades em Hong Kong; Min Aung Hlaing (Mianmar), comandante militar sancionado em 2017 por liderar o genocídio contra a minoria rohingya; Alexander Lukashenko (presidente de Belarus), punido em 2022 por abusos de direitos humanos e repressão política; Chen Quanguo (China), sancionado em 2020 por abusos contra a minoria uigur em Xinjiang; Mohammad Khalid Hanafi (Afeganistão), membro do Talibã, punido em 2023 por coordenar a "polícia moral" que impõe leis islâmicas com sequestros, assassinatos e chicotadas públicas; Yahya Jammeh (ex-presidente da Gâmbia), sancionado por corrupção e abusos de direitos humanos; Dan Gertler (empresário israelense), punido por negócios corruptos de mineração na República Democrática do Congo; Ángel Rondón Rijo (empresário dominicano), sancionado em 2017 por atuar como operador financeiro da Odebrecht em esquemas de corrupção; Roberto José Rivas Reyes (Nicarágua), ex-presidente do Conselho Eleitoral, punido por corrupção e fraude eleitoral; Wan Kuok Koi ("Broken Tooth", China), líder de uma organização criminosa, sancionado por tráfico de drogas, extorsão e jogos ilegais; Harry Varney Gboto-Nambi Sherman (Libéria), político acusado de suborno em processos judiciais; Abdulaziz al-Hasawi (Arábia Saudita), um dos 18 sancionados em 2018 pelo assassinato do jornalista Jamal Khashoggi; Artem Kuznetsov, Pavel Karpov, Oleg Silchenko, Andrey Pechegin (Rússia), sancionados por envolvimento na morte de Sergei Magnitsky em 2009; Alexander Bastrykin, Andrei Lugovoi, Alexei Anichin (Rússia), ligados à morte de Magnitsky e a outros crimes, como o assassinato de Alexander Litvinenko; Elena Anatolievna Lenskaya, Andrei Andreevich Zadachin, Danila Yurievich Mikheev (Rússia), sancionados em 2023 pela prisão do jornalista Vladimir Kara-Murza; Apollo Quiboloy (Filipinas), pastor sancionado em 2022 por acusações de estupro, tráfico de pessoas e exploração sexual; Tofayel Mustafa Sorwar e Mohammad Jahangir Alam (Bangladesh), oficiais do Rapid Action Battalion, punidos por execuções extrajudiciais e desaparecimentos forçados.
Por essa pequena amostra, verifica-se que a intenção da Lei Magnitsky é provocar a “morte financeira” de pessoas e organizações que poderiam, potencialmente, contaminar o sistema bancário dos Estados Unidos ao movimentar dinheiro sujo e manter relações com empresas e cidadãos daquele país. Impedir que eles continuem praticando crimes.
À primeira vista, portanto, como Alexandre de Moraes não tem ligação alguma com organizações criminosas — o que é público e notório — e não há indício de que movimente dinheiro sujo, a reversão de seu caso parece favas contadas. Mas não é.
As punições impostas pela Lei Magnitsky podem ser revertidas, em tese, mas isso é raro e geralmente um processo lento e complexo. Mesmo quando equivocadas, como desta vez. Para ser removido da lista negra, o indivíduo ou entidade tem de comprovar ao governo dos Estados Unidos que não há relação com os fatos que levaram à punição, que já respondeu judicialmente pelos atos ou que houve uma mudança significativa de comportamento.
De acordo com um estudo da Universidade Nacional da Austrália, que analisou os vinte primeiros sancionados pela Lei Magnitsky Global entre 2017 e 2020, apenas dois foram removidos da lista e, mesmo nesses casos, as restrições valeram durante sete anos, envolveram longos processos e não eliminaram completamente os impactos das sanções, como dificuldades em transações financeiras internacionais.
Especialistas no assunto, como Anton Moiseienko, professor sênior de Direito da Universidade Nacional Australiana e autor de Corruption and targeted sanctions, monografia sobre a Lei Magnitsky, destacam que a reversão depende de mudanças políticas nos EUA ou de forte contestação diplomática, o que torna o processo desafiador, especialmente em casos politicamente sensíveis.
O mega-investidor Bill Browder, CEO e cofundador do Hermitage Capital Management, e que já foi o maior investidor de portfólio estrangeiro na Rússia, afirmou ao UOL, em 3/8/2025, que o caso de Alexandre de Moraes, por ser uma deturpação da lei, “um abuso”, poderia ter chances de reversão judicial nos EUA. “Há fortes argumentos.” Mas ele também confirma que o processo legal é robusto, geralmente caro e demorado. E, mesmo após a remoção da lista, bancos e empresas internacionais podem se negar a realizar transações com o ex-sancionado, por medo de represálias dos EUA.
A aplicação da lei a Moraes é considerada atípica, pois ele é uma autoridade de um país democrático, ao contrário dos alvos tradicionais, como ditadores ou figuras de regimes autoritários.
Isso pode aumentar as chances de contestação, mas especialistas alertam que a reversão depende da vontade política dos EUA.
A exemplo do que ocorreu nos mais de cinquenta países já atingidos, os bancos brasileiros — inclusive o Banco do Brasil, que mantém relações com o sistema bancário dos Estados Unidos — não terão como desobedecer à Lei Magnitsky, sob pena de exclusão do sistema internacional, o que acarretaria imenso prejuízo aos bancos e ao Brasil. Muito maior do que a punição pela Lei “Flávio Dino”, que não afeta o país.
Com todo o respeito que ele merece.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.