Mais um plano fadado ao fracasso
Plano de paz de Trump falha como os demais, atribuindo aos palestinos as principais iniciativas enquanto permite a continuidade da ocupação ilegal e genocida
A imprensa internacional divulgou com trombetas e tambores, nesta segunda-feira, o plano proposto por Donald Trump para “encerrar a guerra” em Gaza. Uma visão mais realista do plano e da situação atual e histórica, porém, não nos permite ser otimistas, e infelizmente tive que praticamente repetir o título de outros artigos que já escrevi ao longo dos muitos anos em que acompanho este conflito. O problema fundamental deste e de outros planos e acordos é que aos palestinos sempre cabem as primeiras iniciativas no sentido da “pacificação”, e aquelas formalmente determinadas, enquanto a Israel são atribuídas promessas vagas e indeterminadas, que permitem a manutenção da ocupação e da conquista progressiva de mais território palestino. Além disso, os planos sistematicamente ignoram o principal motivo do conflito: a ocupação israelense dos territórios palestinos.
O plano proposto por Trump tem diversos problemas. O primeiro, e fundamental, é ser um plano proposto por um dos lados envolvidos no conflito, uma vez que o genocídio palestino só pode ser conduzido por Israel com o apoio político, financeiro e militar dos Estados Unidos (simultaneamente à guerra da Ucrânia, em que Trump procura parecer um observador imparcial, quando na verdade os Estados Unidos estão envolvidos diretamente no conflito). Isso já compromete toda a imparcialidade necessária para uma negociação desse porte e se reflete na terminologia adotada, carregada de sentidos – como o uso da palavra “guerra” para descrever o processo de limpeza étnica que vem sendo conduzido por Israel em Gaza e na Cisjordânia.
O primeiro ponto do plano projeta Gaza como uma “zona livre de terror que não traz ameaça a seus vizinhos”. Como qualquer movimento anticolonial na Palestina é designado terrorismo por EUA e Israel, pode-se dizer que este ponto invalida tudo o que vem a seguir, pois, enquanto não terminar a ocupação israelense, haverá resistência palestina. Os pontos a seguir determinam que os palestinos devem devolver os reféns em 72 horas, enquanto Israel irá libertar 1.950 palestinos “após a devolução dos reféns israelenses”. Gaza será governada por um corpo “apolítico e tecnocrático” composto por palestinos e estrangeiros, que promoverá o desenvolvimento de Gaza (como se fosse possível um governo “apolítico”). Esse governo será supervisionado por um novo corpo internacional, o “Conselho da Paz”, presidido pelo próprio Trump (!). O Hamas e outras facções não terão papel no novo governo de Gaza, e este território deverá ser desmilitarizado. Deverá ser criada uma Força Internacional de Estabilização para proteger Gaza e promover a formação de uma força de polícia palestina.
Nestes e em outros pontos vê-se que não há um cronograma para as ações israelenses e que tampouco há exigências feitas a Israel – por exemplo: enquanto se afirma que Israel não manterá Gaza ocupada, nenhuma palavra é dita sobre a situação da Cisjordânia (Margem Ocidental) e de Jerusalém Oriental, que continuam progressivamente sendo tomadas para a instalação de colônias judaicas, relegando a população nativa palestina a guetos cercados por muros e postos de controle. Tampouco se aborda a questão dos mais de 10.000 reféns palestinos em poder de Israel (apenas dos 1.950 que seriam trocados pelos reféns israelenses). E quanto a um dos pontos mais importantes para os palestinos, a criação do Estado palestino, o plano é bem claro quanto à previsão de quando isto deve acontecer: “quando a reforma da Autoridade Palestina tiver sido executada, as condições podem finalmente ser colocadas para um caminho possível para o Estado e a autodeterminação palestina, que reconhecemos como aspiração do povo palestino”. Ou seja: nunca.
Previsão deste comentarista: o Hamas irá rejeitar a proposta, uma vez que não aborda aquilo que é importante para os palestinos (o fim da ocupação), e Israel continuará a promover o genocídio na Faixa de Gaza enquanto amplia a ocupação da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental, aumentando a repressão aos palestinos desses territórios.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.