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Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".

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A Justiça fez história e acertos

Que se varra do cenário político qualquer vestígio dos tempos sombrios

Fachada do Supremo Tribunal Federal (STF) (Foto: Antonio Augusto/STF)

Ao perder o mandato, em 2016, derrubada que foi do cargo de presidente democraticamente eleita, Dilma Rousseff vaticinou: “Não gostaria de estar no lugar dos que se julgam vencedores”, disse, citando Darcy Ribeiro. “A história será implacável com eles”. 

Lá, do outro lado do mundo – atualmente presidindo o Bano dos BRICS, na China -, Dilma deve estar iniciando um dia de revisões. Presente e passado passando passeando em sua mente. Nomes como Dôra, Beto – os companheiros que citou em sua posse -, levados pela truculência da ditadura, devem ter vindo à sua lembrança.

Alerta, Carlos Marighella, Carlos Lamarca, Dina, Maurício Grabois, Sonia Moraes, Stuart Angel, Inês Etienne, Lucia Petit e tantos outros. Houve um acerto de contas. Desta vez a democracia venceu. 

Não há motivos para júbilo pelos 159 anos que, somados, foram imputados ao capitão Jair Bolsonaro, aos generais e oficiais seus cúmplices na tentativa de golpe, mas há, sim, motivos para ficarmos mais tranquilos. Nos safamos do retorno aos horrores, previsto nos planos desses que, sacudindo e reformulando a cartilha dos porões, já planejavam o fechamento da Justiça Eleitoral, do Supremo Tribunal Federal, e previam campos de concentração, para onde seriam enviados os “inimigos do sistema”.

Enquanto isto, há perplexidade na caserna. Seus preciosos quadros enfrentaram um julgamento transparente, com direito ao contraditório – voto de 13 horas proferido pelo ministro Luiz Fux -, e o país parado frente às imagens da TV. A condenação do ex-Comandante Militar do Leste, ex-ministro da Defesa, general quatro estrelas, Walter Braga Netto foi a maior que um militar jamais pegou: 26 anos. 

Entre os generais do Alto Comando, até então, não era permitido nem sequer mencionar a possibilidade da condenação do general Augusto Heleno, tríplice coroado – primeiro lugar nas três escolas que têm de passar para chegar ao generalato: Academia Militar de Agulhas Negras – AMAN; Escola de Comando e Estado Maior do Exército – ECEME e EsAO – Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, hoje condenado a 21 anos.

Também o general e ex-ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, aposta de que ficaria de fora da condenação, recebeu sentença de 19 anos. 

A perplexidade maior veio da condição do ex-comandante da Marinha, Almir Garnier, a quem as Forças viam como “vítima” de uma trama em que “foi jogado”. Nada disso. Das investigações emergiu o verdadeiro perfil de Garnier, que nunca escondeu de que lado estava. Haja vista a sua postura de se recusar a passar o comando depois da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para quem se recusava a prestar continência.

Nenhum deles prezou pelas próprias biografias, ao se meterem numa conspiração longa, minuciosa, persistente, que incluiu até mesmo um plano para assassinar o presidente eleito, o seu vice e o ministro Alexandre de Moraes, responsável pela função de relator, e conduziu o julgamento de modo respeitoso, isento, sem pesar a mão para os que chegaram a tocaiá-lo.

Há apreensão, porém, parte do Comando, sobre como reagirão os de patentes abaixo de general, pela prisão de Jair Bolsonaro: major, tenente e coronel, as chamadas camadas intermediárias, onde ainda tem prestígio. Não se cogita movimentações, mas há uma atenção redobrada. Sobre Bolsonaro, já era esperado, pelo Alto Comando, que levasse até mais do que os 27 anos e três meses aos quais acabou condenado. Outro ponto de atenção é em relação ao tenente-coronel Mauro Cid, o ex-ajudante-de-ordem beneficiado pela delação premiada, que resultou em apenas dois anos de condenação, em liberdade, o que vai permitir que conserve posto e patente de militar. 

Cid, no entanto, já havia pedido para ser inserido na “cota compulsória”, solicitação encaminhada em agosto deste ano e deve ser decidida até janeiro de 2026. Trata-se de um mecanismo previsto em lei e pode ser aplicado aos que já possuem mais de 25 anos no Exército. Cid tem 29 e seis meses. Menos do que os 31 anos exigidos para a aposentadoria, mas passível de se beneficiar com a compulsória. Neste caso, ele é desligado com o pagamento de oito salários correspondentes ao seu soldo e não perde cargo e patente, a menos que o seu comandante o coloque no Conselho de Justificação, uma decisão administrativa.

A preocupação, agora, é com a sua segurança. Mauro Cid aderiu à delação premiada, um gesto inadmissível no Exército. Militar não entrega militar. Esse é um ponto de honra na carreira. Solto, livre para circular, nada impede que sofra um “acidente”. Daí, cogita-se, sua opção pode ser deixar o país e ir se juntar ao pai e ao irmão, ambos residindo na Flórida, nos EUA.

Há grande apreensão também no Superior Tribunal Militar (STM). Ao encerrar os trabalhos no STF, o ministro Alexandre de Moraes anunciou que irá oficiar o STM para que providencie a perda dos cargos e patentes dos militares condenados a penas acima de dois anos. 

O pedido vem respaldado na Constituição Federal, que tratou do tema em seu artigo 142, inciso 3º: VI, e diz que “o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial em tempo de guerra”. Diz, ainda, que “o oficial condenado na justiça comum ou militar à pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado (é o caso desses), será submetido ao julgamento previsto no inciso já mencionado.

Fontes de dentro do STM já demonstram preocupação com um eventual “replay” do que aconteceu com Bolsonaro, no passado, quando foi condenado no Conselho de Justificação, a ser expulso, mas ganhou no STM, que votou contra a sua indignidade. Bolsonaro havia ameaçado colocar bombas em pontos estratégicos do Rio, para obter melhoria no salário. Hoje, o STM é presidido por uma mulher, Maria Elizabeth Rocha, a primeira a ocupar o posto, com uma votação apertada e, dizem, enfrentando ainda muita resistência lá dentro. 

“Seria muito desagradável”, disse uma fonte, “se houvesse uma derrota e os condenados conservassem cargos e patentes. Essa injunção mal-ajambrada, da condenação no Supremo, não contemplar já a perda do cargo e da patente, é o último entulho autoritário”, queixou.

Hoje, quando o general Augusto Heleno, egresso da linha dura da ditadura (foi chefe de gabinete do general Silvio Frota, que se colocou contra a abertura), acerta as suas contas com a Justiça, não cabe mais esse tipo de titubeio. Que se varra do cenário político qualquer vestígio desse tempo sombrio. Qualquer ameaça à nossa democracia. Qualquer empecilho para que a vida constitucional flua com liberdade.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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