Lula na ONU: um Brasil que cobra multilateralismo, democracia e paz
Ao discursar na ONU, Lula projeta o Brasil como voz ativa contra o autoritarismo e em defesa de um mundo mais justo
O discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na 80ª Assembleia Geral da ONU, em Nova York, foi mais do que um balanço de políticas externas: tornou-se um manifesto em defesa de um mundo multipolar, da regulação digital e da democracia diante de ameaças autoritárias. Em um momento de tensões geopolíticas e crises humanitárias, a fala de Lula reforça a tentativa do Brasil de recuperar protagonismo internacional, ao mesmo tempo em que envia recados claros para dentro e fora do país.
Um século XXI realmente multipolar
Lula abriu sua intervenção lembrando que a ONU de hoje reúne quase quatro vezes mais países do que os 51 que a fundaram em 1945. Para ele, essa diversidade exige novas formas de decisão e maior representatividade. Ao destacar alianças com a União Europeia, a União Africana, o G20 e o BRICS, defendeu que “a voz do Sul Global deve ser respeitada”. A mensagem é direta: frente à disputa entre potências, o Brasil quer se posicionar como mediador e articulador de um multilateralismo que vá além das velhas assimetrias de poder. Em um cenário em que sanções unilaterais e intervenções militares voltam a ser usadas como regra, o apelo por uma ONU mais democrática ganha peso.
Regulação digital e proteção de direitos
Ao tratar do ambiente online, o presidente advertiu sobre o uso da internet como plataforma de intolerância, misoginia, xenofobia e desinformação. “Regular não é restringir a liberdade de expressão”, afirmou, defendendo que crimes já previstos no mundo real – fraude, tráfico de pessoas, pedofilia, ataques à democracia – também precisam ser coibidos no meio digital. O tema conecta a experiência brasileira, que enfrenta ondas de fake news e ataques cibernéticos, com debates globais sobre como equilibrar liberdade de expressão e responsabilidade das plataformas.
Gaza e a crise do direito internacional
Lula foi contundente ao condenar o que chamou de “genocídio em curso” na Faixa de Gaza, afirmando que “nada, absolutamente nada, justifica” a destruição de vidas palestinas. Criticou a cumplicidade das potências que poderiam impedir a tragédia e defendeu a solução de dois Estados, apoiada por mais de 150 membros da ONU. Ao reconhecer judeus que se opõem à punição coletiva, o presidente buscou reforçar que a crítica é a governos e políticas, não a povos ou religiões. Em um contexto de impasses diplomáticos, a posição brasileira sinaliza uma tentativa de reequilibrar o debate internacional sobre o conflito.
Democracia, soberania e tensões com os EUA
Sem citar nomes, Lula lembrou a recente condenação de um ex-chefe de Estado por atentar contra o Estado Democrático de Direito, sublinhando que o processo seguiu todos os ritos legais. “Nossa democracia e nossa soberania não são negociáveis”, declarou, em alusão direta aos ataques de 8 de janeiro de 2023 e a movimentos que flertam com o autoritarismo. No mesmo plenário, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmou que se reunirá na próxima semana com Lula para debater as retaliações que Washington vem aplicando ao Brasil em razão do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro. A menção do líder norte-americano acrescenta uma nova camada de tensão à já complexa relação bilateral, evidenciando que o processo contra Bolsonaro é acompanhado de perto pelo cenário internacional.
Por que importa
A fala de Lula chega em um momento de rearranjo geopolítico: a guerra na Ucrânia, as tensões em Gaza, a ascensão de governos de extrema direita e a corrida tecnológica moldam um mundo menos previsível. Ao reivindicar multilateralismo, regulação digital e respeito ao direito internacional, o Brasil tenta ocupar um espaço de articulador entre Norte e Sul globais, retomando o papel que já exerceu em outros períodos. Para a política interna, o discurso funciona como afirmação de que a jovem democracia brasileira, reconquistada há apenas quatro décadas, está disposta a resistir a novos ciclos de autoritarismo. Em Nova York, Lula apresentou o Brasil não apenas como participante, mas como voz ativa na construção de um século XXI mais plural, pacífico e democrático.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.