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Jorge Folena

Advogado, jurista e doutor em ciência política.

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Lição do julgamento: fascismo ainda não foi vencido

Condenação histórica expõe que a extrema direita segue ativa e que o fascismo permanece como ameaça à democracia brasileira

Ex-presidente Jair Bolsonaro em sua casa em Brasília onde cumpre prisão domiciliar - 03/09/2025 (Foto: REUTERS/Diego Herculano)

O julgamento e a condenação das lideranças golpistas, em 11 de setembro de 2025, deixam uma importante lição em um país que, até então, nunca tinha levado ao banco dos réus aqueles que atentaram contra a ordem democrática com o objetivo de instalar um regime de exceção, como tivemos no passado.

Até este julgamento, políticos de viés autoritário imaginavam-se livres para manifestar heresias contra a ordem constitucional, sob a proteção da “liberdade de expressão”, como fez o ex-presidente e como fazem seguidores e correligionários.

O ex-presidente agrediu, ameaçou e ofendeu os outros poderes da República; agiu contra o Parlamento, no início do seu mandato, e contra o Poder Judiciário e seus membros, ao longo do seu governo. Como chefe de governo, pensou que podia agir como um déspota e até se apropriar de joias destinadas ao patrimônio da União; suas palavras e ações conduziram milhares à morte durante a pandemia da Covid-19, ao não se vacinar e incentivar a transmissão do vírus.

Como se não bastasse, atacou a imprensa, as mulheres, as meninas, as crianças, os negros, os idosos, os nordestinos e os indígenas. Não se comportou com dignidade nem respeito diante do cargo maior que ocupava na República; ofendeu nações amigas do Brasil e, sobretudo, não respeitou a Constituição.

Por tudo isso, teve mais de cem pedidos de impeachment, devidamente embasados e procedentes, mas que não foram levados adiante, pois a classe dominante do país dele necessitava para reprimir a classe trabalhadora e os movimentos progressistas do país, a fim de conduzir a implementação das políticas neoliberais, iniciada com o afastamento indevido da presidenta Dilma Rousseff, promovendo a retirada de direitos trabalhistas e sociais, prejudicando milhões de brasileiros.

É preciso entender que, no processo de redemocratização, uma preocupação do constituinte de 1987/1988 era impedir a sobreposição de um poder ao outro, para evitar o que ocorreu entre 1964 e 1985 no Brasil, quando o Executivo prendia, demitia, censurava o livre pensamento, retirava poderes do Judiciário, fechava o Parlamento e até desaparecia com as pessoas, sem informar o paradeiro às famílias.

Por tal razão, no primeiro artigo da Constituição foi estabelecido que o Brasil é uma República Federativa, composta pela união indissolúvel dos estados, dos municípios e do Distrito Federal, constituída como um Estado democrático de direito; e, no segundo artigo, afirmou-se que os poderes da República são independentes e harmônicos. Ou seja, não existe um poder superior ao outro, e todos eles devem obediência ao povo, origem de sua autoridade e a quem estão subordinados.

Assim, os poderes têm de respeitar uns aos outros, cumprindo cada um o seu papel institucional, não se admitindo agressões nem rebaixamento de um em relação ao outro, como tentou fazer o ex-presidente, quando chefe do Poder Executivo, sobre o Judiciário, ameaçando e intimidando seus integrantes. Esse comportamento levou o ex-presidente a ser condenado pelo crime de tentativa de abolição do Estado democrático de direito.

Isto deve ser expresso com clareza para certas lideranças políticas, que insistem e persistem em abusar da representação que lhes foi confiada pelos eleitores, inclusive praticando o desvio de finalidade do poder de legislar, prática que a Constituição não lhes autoriza, pois está em desarmonia com o equilíbrio das forças políticas e sociais, fundamento da separação de poderes.

A primeira lição que fica é que, dependendo de como se realiza e se manifesta esse abuso de um poder sobre o outro, essa imposição pode ultrapassar os limites da política e passar para a esfera criminal, propiciando seu enquadramento como tentativa de abolição do Estado democrático de direito.

A segunda e mais importante lição decorrente do julgamento é que o fascismo não foi vencido no Brasil. A melhor representação do fascismo em curso foi caracterizada pelo voto divergente, que possibilitou reanimar e incentivar os que atacam a Constituição e que, mesmo em minoria, são uma força perigosa e estridente. Foi o que se viu, ao longo de cansativas horas, dentro das instalações de um tribunal sancionado por forças estrangeiras e com alguns de seus membros sob ameaça de morte.

O fascismo está vivo e forte dentro das instituições do Estado brasileiro; seus adeptos agem com prepotência e arrogância, omitem fatos e distorcem a realidade para impor o medo e deixar as pessoas confusas, dado o falseamento das narrativas expostas com tom de suposta veracidade e argumento de autoridade.

É impossível derrotar o fascismo com um único julgamento por um único tribunal. O campo democrático, popular e progressista tem o direito de festejar, porém ciente de que a luta não terminou, especialmente em um país cuja classe dominante sempre externou e defendeu os princípios equivocados sustentados pelos fascistas.

Avançar na utilização das mídias sociais é dar às pessoas ferramentas para que elas mesmas arranquem os véus das mentiras, manipulações e desinformações, usados desde sempre para nos dividir e impedir nosso potencial de futuro. Combater o fascismo é o caminho para elevarmos o Brasil ao patamar de desenvolvimento que precisamos e merecemos.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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