Israel, o fim do senso civilizatório e a arquitetura do caos
Israel é o agressor. Não é defensor da civilização. É seu algoz. Exporta guerra, testa genocídios. Romper com Israel não é uma escolha. É um imperativo moral
O colapso do consenso civilizatório - Estamos vivendo o colapso visível de um pacto civilizacional que, mesmo permeado por contradições e hipocrisias, durante décadas manteve certa aparência de contenção diante da barbárie. O que Israel vem realizando no Oriente Médio, com apoio explícito dos Estados Unidos e cumplicidade silenciosa da maioria das democracias ocidentais, não é apenas mais um episódio de violência geopolítica. Trata-se da implementação metódica de uma lógica de destruição total, de um projeto de aniquilação deliberada da alteridade, do direito, da justiça e da própria ideia de humanidade. Um colapso que não acontece nas sombras, mas diante das câmeras, com transmissão em tempo real, silenciado por governos cúmplices e racionalizado por uma arquitetura global de manipulação narrativa, censura seletiva e chantagem institucional.
Israel não está conduzindo uma guerra no sentido clássico. Está promovendo uma operação de extermínio. A destruição sistemática da população Palestina, com métodos que incluem o bombardeio de hospitais, escolas, abrigos, centros humanitários e corredores de fuga, atinge níveis que nem os regimes mais abjetos do século XX conseguiram alcançar com tamanha impunidade e respaldo institucional. Mas não se trata apenas da Palestina. Gaza é o epicentro de um modelo de dominação global que avança por meio da violência desproporcional, da guerra preemptiva, da censura e da total impunidade. É por isso que denunciar Israel hoje não é uma escolha ideológica. É uma escolha civilizatória.
Enquanto Israel arrasa a Faixa de Gaza, bombardeia o Líbano, ataca a Síria, provoca o Iêmen e lança ofensivas conjuntas com os Estados Unidos contra o Irã, o mundo testemunha a consolidação de uma nova ordem belicista em que a força substitui o direito e o caos se impõe como horizonte estratégico. O assassinato de jornalistas, médicos, crianças e refugiados já não provoca escândalo; provoca racionalizações. E é exatamente essa normalização da barbárie que revela o risco inédito que enfrentamos. A cada ataque, Israel deixa mais claro que sua existência política se sustenta não na paz, mas no conflito permanente. Não na convivência, mas no terror. E ao fazer isso, arrasta o mundo a uma espiral de violência sem precedentes.
A aliança entre Israel e os Estados Unidos se tornou o principal eixo de produção de instabilidade global. Não se trata mais de diplomacia ou influência, mas de guerra aberta contra qualquer resistência. Ao atacar diretamente o Irã com apoio militar e logístico dos EUA, Israel rompe com todos os limites até então respeitados mesmo durante a Guerra Fria. E ao fazer isso, arrisca acionar reações em cadeia que envolvem potências nucleares, alianças regionais e forças de contenção cada vez mais frágeis. Estamos diante de um projeto que pode colocar fim ao mundo tal como o conhecemos. E esse projeto tem um nome, uma ideologia e um centro de comando bem definidos.
Este artigo não é uma denúncia genérica. É uma convocação à lucidez. A humanidade não pode mais tratar Israel como um aliado civilizacional. A lógica sionista transformou esse Estado numa máquina de guerra perpétua, cujo funcionamento depende da destruição constante de tudo que possa representar resistência, vida comunitária ou soberania nacional fora do seu campo de controle. A destruição da Palestina é o início. A destruição do Irã pode ser o ponto de não-retorno. A defesa da vida exige hoje o rompimento frontal com esse modelo de dominação. Denunciar Israel é, neste momento histórico, um ato de defesa da própria humanidade.
Do sionismo à supremacia global: o nascimento de um projeto armado de dominação - Para compreender a atual ofensiva israelense contra a Palestina, o Irã e todo o eixo da resistência no Oriente Médio, é preciso antes entender que Israel não é apenas um Estado nacional, mas a expressão geopolítica de uma ideologia de supremacia. O sionismo, desde suas formulações originais no final do século XIX, jamais foi um projeto de convivência, mas sim de separação, colonização e expulsão. Sua essência é a negação da presença do outro. O lema sionista fundacional — "uma terra sem povo para um povo sem terra" — já carregava em si a violência do apagamento: a Palestina era habitada, tinha cultura, história e identidade. O projeto sionista precisou transformar essa presença em invisibilidade, e a invisibilidade em alvo.
A criação do Estado de Israel, em 1948, foi precedida e sucedida por ondas de limpeza étnica, expulsões em massa, assassinatos e apropriação de terras. Mais de 700 mil palestinos foram expulsos de suas casas durante a Nakba, e desde então o sionismo se estruturou como uma doutrina de ocupação permanente, expansão territorial e militarização extrema. Ao contrário de outras experiências coloniais, que se diziam transitórias ou civilizatórias, o sionismo se construiu como um colonialismo eterno, com pretensão messiânica e amparo no mito do direito divino à terra. E isso o torna especialmente perigoso: Israel não é apenas um Estado armado, mas um Estado para quem o armamento é a própria razão de ser.
Com o tempo, essa lógica colonial se hibridizou com os interesses das potências ocidentais, especialmente os Estados Unidos. A Guerra Fria consolidou Israel como ponta de lança do Ocidente no Oriente Médio. Não por acaso, desde os anos 1960, Israel se tornou o maior receptor de ajuda militar norte-americana, somando bilhões de dólares em armas, tecnologias, cooperação de inteligência e impunidade diplomática. Em troca, ofereceu expertise em contrainsurgência, tecnologia de repressão, vigilância e guerra cibernética. Israel se transformou, assim, em um hub global de exportação de violência tecnificada, vendendo para o mundo sua experiência em repressão, apartheid e controle populacional como se fossem ferramentas legítimas de segurança.
Hoje, empresas israelenses lideram o mercado de spyware, sistemas de vigilância massiva, drones armados e tecnologia de reconhecimento facial. Muitos desses produtos são testados em Gaza, nos territórios ocupados, nas fronteiras muradas da Cisjordânia, em bloqueios de alimentos e água. A guerra, para Israel, é um ciclo de retroalimentação: quanto mais destrói, mais desenvolve tecnologia; quanto mais tecnologia desenvolve, mais vende; quanto mais vende, mais naturaliza o estado de guerra. Esse ciclo se tornou o modelo israelense de inserção internacional, adotado por governos autoritários, agências de espionagem e forças policiais em todo o mundo. O sionismo se globalizou como ideologia de controle total.
Esse projeto não se limita à dominação militar. Ele se traduz também em diplomacia agressiva, ingerência política e chantagem institucional. Israel hoje influencia eleições, financia campanhas, infiltra think tanks, ameaça jornalistas, destrói reputações e mobiliza redes de apoio em parlamentos, universidades e organismos internacionais. Não se trata de uma conspiração difusa, mas de uma arquitetura real de poder, sustentada por décadas de blindagem midiática e alianças estratégicas que associam crítica a Israel a antissemitismo, silenciando qualquer denúncia com o peso do tabu.
O resultado é que, enquanto Israel bombardeia crianças em Gaza ou assassina comandantes em Damasco e Teerã, o mundo continua debatendo se é legítimo usar a palavra "genocídio". Não se trata apenas de impunidade jurídica. Trata-se da vitória temporária de um projeto que naturalizou o extermínio como política externa. O sionismo não é apenas uma doutrina nacionalista. É hoje a ideologia mais sofisticada de destruição do outro em escala global. Sua expansão internacional faz de Israel um Estado que não apenas exporta guerra: exporta a própria lógica de desumanização como ferramenta política.
O genocídio palestino como laboratório da guerra total - A Faixa de Gaza se transformou, nas últimas décadas, no maior campo de testes bélicos do mundo contemporâneo. Ali, Israel não apenas exerce sua violência sistemática contra uma população sitiada, mas também experimenta novas tecnologias de guerra, aprimora sistemas de controle de massas e legitima, através da prática, um modelo de extermínio que será posteriormente exportado para o resto do mundo. Gaza é o epicentro de um laboratório militar, psicológico e comunicacional onde a guerra não tem mais fim, e onde a distinção entre civis e combatentes foi abolida como categoria moral e operacional.
A campanha de extermínio iniciada em outubro de 2023 marcou um ponto de inflexão. Mais de 35 mil mortos, a maioria mulheres e crianças, milhares de desaparecidos sob os escombros, infraestrutura civil completamente destruída, hospitais bombardeados com precisão cirúrgica, redes de água e energia sistematicamente cortadas, jornalistas assassinados a tiros e mísseis, comboios humanitários atacados com drones. O que Israel realiza em Gaza não é um “conflito”, mas uma operação de aniquilação, com objetivos claros: transformar a região em um deserto humano, onde nenhuma forma de resistência, memória ou reconstrução possa florescer.
Esse processo de destruição se dá com apoio ativo da mais avançada tecnologia bélica e de vigilância do planeta. Drones com inteligência artificial, mísseis de precisão guiados por dados extraídos de redes sociais, softwares de reconhecimento facial alimentados com perfis de palestinos desde a infância, sistemas de escuta digital capazes de identificar vozes em ligações civis. Tudo isso é testado em Gaza, e posteriormente vendido como “tecnologia comprovada em combate”. Grandes empresas israelenses como Elbit Systems, Rafael Advanced Defense Systems e NSO Group fazem da guerra um ativo financeiro. A morte do povo palestino é, para essas corporações, um diferencial de mercado.
Mas o genocídio não é apenas físico. Israel conduz uma guerra narrativa global, onde a própria linguagem é deformada para tornar o horror aceitável. Termos como “escudos humanos”, “danos colaterais” ou “alvos de infraestrutura terrorista” são usados para justificar ataques a creches e hospitais. Imagens de crianças mutiladas são classificadas como fake news. Denúncias de crimes de guerra são deslegitimadas como antissemitismo. Plataformas digitais como Meta, X e YouTube censuram contas que denunciam o genocídio enquanto amplificam vozes pró-Israel. O campo de batalha se estende, portanto, para o plano simbólico e cognitivo: quem controla o léxico da guerra controla a legitimidade do extermínio.
Gaza tornou-se também o espelho moral do Ocidente. A incapacidade das democracias liberais de condenar o genocídio, a cumplicidade de países como Alemanha, França, Reino Unido e Canadá em votações decisivas, tudo isso revela que o mundo dito civilizado está disposto a negociar seus próprios valores universais em nome da realpolitik, da indústria bélica e da aliança estratégica com Israel. O genocídio palestino escancarou o esvaziamento do direito internacional, a falência do sistema ONU e a transformação da ordem global num jogo de forças brutal onde vence quem impõe mais medo.
A Palestina hoje é o último bastião moral de um mundo que ainda resiste à completa instrumentalização da vida. Defender o povo palestino é muito mais do que um gesto de solidariedade com um povo oprimido. É uma afirmação radical da dignidade humana, uma recusa em aceitar que a destruição de uma nação possa ser justificada por mitologias religiosas, raciais ou securitárias. Gaza não é apenas um território ocupado. É o limite do que podemos aceitar enquanto humanidade.
O lobby sionista global e a rendição institucional das democracias - A força de Israel não se resume ao seu aparato militar. Ao longo das últimas décadas, o Estado israelense consolidou uma das redes de influência mais eficazes e intrusivas do sistema internacional, operando em múltiplas frentes: diplomacia, mídia, sistema financeiro, indústria cultural, tecnologia, think tanks, plataformas digitais e, sobretudo, parlamentos. Trata-se de um verdadeiro ecossistema de poder transnacional que atua como extensão política e simbólica do sionismo global. Esse lobby não se esconde, não atua à margem, e não depende de teorias conspiratórias para ser compreendido. Ele está institucionalizado, financiado, protegido e naturalizado em quase todas as democracias ocidentais.
Nos Estados Unidos, o AIPAC (American Israel Public Affairs Committee) se consolidou como a principal engrenagem dessa máquina de influência. Financia campanhas, redige leis, impõe vetos, promove carreiras e destrói reputações. Nenhum candidato presidencial sobrevive politicamente sem prometer apoio incondicional a Israel. A imprensa estadunidense, em sua maior parte, trata Israel como aliado indiscutível, criminalizando qualquer forma de solidariedade à Palestina. A academia é vigiada. O ativismo pró-palestino é reprimido com violência, como revelam os protestos universitários brutalmente sufocados em 2024. A crítica a Israel, mesmo quando fundamentada em relatórios da ONU ou da Anistia Internacional, é sistematicamente enquadrada como “discurso de ódio”.
Na Europa, o cenário é semelhante. Governos que historicamente se autoproclamaram defensores dos direitos humanos hoje aprovam leis que criminalizam o movimento BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções). Deputados que ousam questionar as ações israelenses sofrem sanções internas. Nas redações, editores censuram jornalistas por denunciarem o genocídio. Nas redes sociais, algoritmos favorecem a propaganda israelense e silenciam as vozes palestinas. O sionismo global não é mais apenas um lobby: é uma lógica de coação institucionalizada, que atua preventivamente para evitar qualquer forma de dissonância moral ou política.
Na América Latina, o avanço é igualmente agressivo. Israel fortaleceu sua presença diplomática, policial e tecnológica na região, vendendo sistemas de repressão social e espionagem para governos autoritários. No Brasil, o alinhamento do bolsonarismo ao sionismo foi explícito: acordos militares, transferência da embaixada, presença ativa de grupos sionistas em estruturas do Estado e financiamento de campanhas com discurso pró-Israel. Mesmo em governos progressistas, a crítica direta ao Estado israelense é muitas vezes evitada, por medo da reação dos grandes veículos de comunicação e das entidades diplomáticas. O silêncio oficial brasileiro diante do genocídio em Gaza, mesmo que o Presidente Lula faça criticas duríssimas ao genocídio, é parte dessa rendição.
Esse sistema de influência não opera apenas pela via da força institucional, mas pela naturalização de uma moral seletiva. As vítimas palestinas são invisibilizadas, desumanizadas, descartadas como estatística ou dano colateral. Já Israel é constantemente apresentado como “Estado em legítima defesa”, mesmo quando lança ofensivas preventivas, bombardeia escolas ou assassina jornalistas. A simetria falsa entre “dois lados em guerra” substitui a realidade do apartheid, da ocupação e do massacre. A linguagem é moldada para desativar o julgamento moral. O lobby sionista, nesse sentido, não é apenas político. Ele é epistemológico e cognitivo: fabrica consensos, molda percepções, define os limites do que pode ou não ser dito.
Esse modelo tem consequências diretas para o futuro da democracia. Ao capturar a linguagem, a imprensa, a política e o campo dos direitos humanos, o sionismo transforma o espaço público em um território controlado, onde o genocídio pode ser discutido apenas sob a condição de ser negado. Estamos, portanto, diante de uma forma sofisticada de guerra informacional e cultural. Um sistema que não apenas justifica a barbárie, mas exige a cumplicidade global para perpetuá-la.A aliança Israel-EUA e a escalada para a guerra total - A aliança entre Israel e os Estados Unidos não é apenas estratégica. Ela é estrutural, simbiótica e, sobretudo, programática. Não se trata de uma relação entre Estados com interesses comuns, mas de uma integração profunda entre duas formas de poder que compartilham um mesmo projeto de mundo: o domínio unipolar, a hegemonia militar, a deslegitimação da resistência e o uso da guerra como método permanente de controle global. Em nenhum outro ponto do planeta essa lógica se manifesta com tanta clareza quanto no Oriente Médio, onde Israel opera como extensão armada do imperialismo estadunidense, e os EUA operam como legitimador político da violência sionista. Trata-se de uma relação de dupla retroalimentação, onde a guerra é tanto meio quanto fim.
A ofensiva militar conjunta contra os países do chamado Eixo da Resistência — Líbano, Síria, Iêmen, Iraque e, mais recentemente, o Irã — é a face mais evidente desse pacto de destruição. Esses países, apesar de suas diferenças internas, representam formas de autonomia regional que desafiam a lógica do controle total exercido por Washington e Tel Aviv. E é por isso que são alvos contínuos de ataques, bloqueios, sanções, sabotagens e campanhas de desestabilização. Israel ataca em solo sírio quase semanalmente, bombardeia posições do Hezbollah no sul do Líbano, assassina cientistas e comandantes militares em território iraniano, enquanto os EUA mantêm bases ilegais na Síria e no Iraque, operam drones de assassinato seletivo e bloqueiam economicamente povos inteiros com o objetivo de provocar o colapso interno.
Essa guerra total não se limita à dimensão bélica. Trata-se de uma ofensiva geopolítica e civilizatória, cujo objetivo é impedir qualquer rearranjo multipolar no sistema internacional. A emergência da China, o fortalecimento da Rússia, a reorganização dos BRICS, a resistência dos povos árabes, o avanço de experiências democráticas no Sul Global — tudo isso é percebido como ameaça por essa aliança militar-industrial que vê na guerra um fim em si. Israel, nesse tabuleiro, cumpre o papel de provocador, de agente do caos controlado, de catalisador do confronto permanente. Cada ataque israelense é uma tentativa deliberada de criar escaladas, envolver atores estratégicos e comprometer qualquer possibilidade de solução pacífica.
O custo humano dessa escalada é incalculável. Mas mais grave ainda é o custo simbólico: a guerra deixou de ser exceção para se tornar regra, e a diplomacia internacional ruiu como instrumento de contenção. Hoje, o Conselho de Segurança da ONU é palco de vetos sucessivos que impedem até mesmo resoluções humanitárias básicas. As normas do direito internacional estão paralisadas. Os pactos que regiam a convivência entre nações foram rasgados. E esse colapso é produto direto da aliança Israel-EUA, que transformou a violência em linguagem oficial das relações internacionais.
Com a escalada atual contra o Irã, esse projeto alcança um novo patamar de risco. Ataques a instalações militares, bombardeios em território soberano, assassinatos seletivos e ameaças de guerra aberta com potência nuclear representam a travessia de um limiar que pode levar o mundo a uma conflagração irreversível. O Irã não é apenas um inimigo simbólico. É um ator estratégico com poder de dissuasão, alianças regionais sólidas e capacidade de resposta real. Ao atacar o Irã, os EUA e Israel não apenas colocam em risco a estabilidade regional. Estão jogando com a possibilidade de um colapso global.
Neste contexto, a guerra não é mais contingência. É o modo de existência de um sistema que se alimenta da destruição, que exporta caos para evitar o declínio de sua hegemonia e que precisa, para continuar respirando, do sacrifício constante de povos, culturas e nações inteiras. A aliança entre Israel e os Estados Unidos, portanto, não é uma aliança de segurança. É uma aliança contra a paz.
Irã sob ataque: o ponto de ruptura - A escalada contra o Irã marca uma virada histórica de proporções imprevisíveis. Pela primeira vez desde a revolução de 1979, ataques militares diretos coordenados entre Israel e os Estados Unidos atingiram alvos em território iraniano com o objetivo explícito de desorganizar a infraestrutura militar, científica e energética do país. Trata-se de uma violação frontal do direito internacional e de uma provocação sem precedentes, realizada por dois Estados que já não escondem seu desprezo pelas normas multilaterais. O Irã, ao contrário do que propagam os discursos ocidentais, não iniciou esse conflito, mas vem sendo sistematicamente provocado, atacado, espionado e sabotado há décadas. Agora, está sendo empurrado para o confronto aberto.
O ataque conjunto de junho de 2025, que atingiu instalações militares na província de Isfahan e uma refinaria no Golfo Pérsico, não pode ser compreendido fora da lógica de colapso deliberado. Foi um ataque cirúrgico em termos militares, mas devastador em termos simbólicos: um Estado soberano, membro da ONU, atacado por outra potência sem qualquer declaração formal de guerra, com apoio de aliados europeus silenciosos e cobertura narrativa da mídia internacional. A intenção não era apenas destruir alvos. Era romper um tabu geopolítico e testar os limites da passividade global. A resposta iraniana, contida até aqui, mostra que Teerã está ciente do jogo que se desenha: um cerco estratégico com objetivo final de destruição completa da sua capacidade de resistência.
O Irã, diferentemente de outros países da região, possui um projeto nacional consolidado, capacidade tecnológica interna, uma doutrina de defesa robusta e alianças geopolíticas com Rússia, China e outros membros do Sul Global. Por isso, atacar o Irã não é apenas uma operação regional. É um risco calculado de conflagração sistêmica, com potencial para envolver potências nucleares, desestabilizar o mercado energético global, provocar crises humanitárias em escala massiva e quebrar definitivamente qualquer vestígio de sistema internacional baseado em diálogo ou negociação. O objetivo da aliança Israel-EUA é claro: impossibilitar qualquer projeto alternativo de soberania no Oriente Médio.
Essa ofensiva também revela o desprezo absoluto pela vida civil. A doutrina israelense do "choque preventivo" — replicada em todos os seus ataques — consiste em golpear o inimigo antes que ele possa sequer reagir. Isso implica o assassinato de cientistas, engenheiros, diplomatas e até familiares de autoridades iranianas. Em 2020, o físico Mohsen Fakhrizadeh foi executado em plena luz do dia por um drone armado com inteligência artificial. Esse tipo de operação, vendido como "defesa avançada", é, na verdade, uma forma de terrorismo de Estado, amparado por tecnologias desenvolvidas e legitimadas no laboratório de Gaza.
Mais do que isso, os ataques ao Irã pretendem destruir a possibilidade de qualquer resistência organizada à lógica unipolar do Ocidente. O Irã representa, hoje, não apenas um Estado nacional, mas uma ideia de autonomia, uma recusa a se submeter ao diktat de Washington e Tel Aviv. Ao atacar o Irã, Israel não busca segurança. Busca apagar uma referência. E ao fazer isso com apoio direto dos Estados Unidos, transforma a crise em uma ameaça global: a fronteira entre conflito regional e guerra mundial está dissolvida.
A tensão atual não é apenas diplomática ou militar. É ontológica. O que está em disputa é a própria possibilidade de um mundo multipolar, baseado em equilíbrio, respeito à soberania e contenção ética da violência. Ao cruzar o Rubicão iraniano, Israel e os EUA deixam claro que não há mais regras. Só resta força. E diante disso, o mundo precisa escolher de que lado da história deseja estar.
Trumpismo, Netanyahu e o culto à destruição - A convergência entre o trumpismo nos Estados Unidos e o governo Netanyahu em Israel não é uma coincidência geopolítica. É a expressão contemporânea de um projeto político global baseado no colapso das instituições, na recusa do diálogo, na glorificação da violência e na substituição da razão pública por narrativas de ódio. Donald Trump e Benjamin Netanyahu compartilham mais do que interesses estratégicos. Eles compartilham um ethos destrutivo, uma forma de atuação que transforma a guerra em espetáculo, a mentira em método e o autoritarismo em valor de governo. Juntos, consolidaram uma nova gramática da política internacional onde a força bruta, a chantagem diplomática e o culto à identidade são os únicos elementos de legitimidade.
Durante o governo Trump, Israel viveu sua fase mais agressiva desde a década de 1960. A transferência da embaixada dos EUA para Jerusalém, o reconhecimento das Colinas de Golã como território israelense e o desmonte completo da diplomacia multilateral no Oriente Médio deram a Netanyahu carta-branca para agir com absoluta impunidade. Foi também sob Trump que se firmou o chamado “Acordo do Século”, uma tentativa grotesca de transformar o apartheid israelense em política oficial internacional. Enquanto isso, a Palestina era empurrada para a margem da pauta global e retratada como um problema interno, como se a ocupação de um povo inteiro fosse apenas uma questão de segurança doméstica.
Com o fim do governo Trump, muitos analistas previram um recuo na agressividade israelense. Mas o que se viu foi exatamente o oposto. A gestão Biden manteve e aprofundou o apoio incondicional a Israel, especialmente após os ataques de 7 de outubro de 2023. Biden forneceu armamento, cobertura diplomática, fundos extras e retórica alinhada ao discurso de guerra total. No entanto, o custo político foi devastador. A juventude progressista norte-americana rompeu com o Partido Democrata em massa, universidades se tornaram polos de resistência, e a repressão policial aos protestos antissionistas expôs a face autoritária de um governo que se dizia defensor dos direitos humanos. A aliança cega com Israel foi uma das principais causas da erosão política de Biden, abrindo caminho para a volta triunfal do trumpismo em 2024.
O retorno de Trump ao poder não é apenas um evento eleitoral. É o retorno de uma lógica de destruição sistemática das mediações políticas. E é também o retorno da aliança simbiótica com Netanyahu, que vê no trumpismo não apenas um aliado ideológico, mas um parceiro tático na guerra global contra a soberania dos povos. O trumpismo legitima a militarização da vida, desmonta as estruturas multilaterais e normaliza o uso da mentira como instrumento de dominação. Juntos, Trump e Netanyahu operam como eixos de desestabilização contínua, articulando extrema-direita, desinformação digital, supremacismo étnico e complexos militares-industriais.
Essa aliança alimenta o que pode ser chamado de culto à destruição. Uma política baseada no colapso permanente, onde a guerra não precisa de justificativa, onde a resistência é demonizada, onde o sofrimento é banalizado, onde a violência é transformada em narrativa de salvação. Netanyahu se mantém no poder há anos explorando o medo, manipulando a insegurança nacional, fabricando ameaças e prolongando conflitos que ele mesmo alimenta. Trump faz o mesmo nos Estados Unidos, com outra linguagem, mas com os mesmos efeitos: mobilizar as massas pelo medo e justificar o autoritarismo como resposta à desordem que eles próprios provocam.
O trumpismo, ao se tornar uma doutrina global, oferece a Israel a legitimação que nenhum outro governo conseguiu fornecer com tanta eficácia. A destruição da Palestina, os ataques ao Irã, o cerco ao Líbano, os bombardeios na Síria — tudo isso se torna aceitável sob a lógica de um mundo onde só há espaço para vencedores e vencidos, senhores e servos, dominadores e mortos. A guerra, nesse contexto, deixa de ser instrumento de exceção e passa a ser forma de existência política. E é exatamente essa lógica que transforma Israel em uma ameaça existencial à ideia de civilização.
O fim do Iluminismo: o sionismo como antítese da civilização - O que Israel representa hoje não é apenas a ocupação de territórios, o bombardeio de populações civis ou a prática sistemática do apartheid. O que está em jogo é algo ainda mais profundo: a destruição metódica dos fundamentos éticos e políticos que sustentaram, com todas as suas contradições, a promessa civilizatória do Ocidente moderno. Israel, em sua atuação internacional e em sua lógica interna, opera como força inversa ao Iluminismo. Não defende a razão, mas o dogma. Não sustenta o direito, mas a exceção. Não preserva a dignidade humana, mas a hierarquia étnica. Não busca a paz, mas a perpetuação da guerra como forma de existência. O sionismo, em sua forma atual, tornou-se a antítese da civilização.
A promessa iluminista de um mundo regido pela razão, pela igualdade jurídica, pela dignidade humana universal, pelos direitos inalienáveis e pela mediação institucional foi definitivamente rompida sob os escombros de Gaza, sob os gritos abafados em Rafah, sob os escombros de hospitais bombardeados e escolas pulverizadas por mísseis. Quando um Estado utiliza inteligência artificial para escolher alvos humanos em massa, quando considera aceitável matar crianças porque seus sobrenomes remetem a famílias de militantes, quando impõe fome e sede deliberada como estratégia militar, já não estamos mais diante de um conflito geopolítico. Estamos diante de uma ruptura com a própria ideia de humanidade.
A ideologia sionista, ao se consolidar como doutrina oficial de um Estado com poder nuclear, com o mais avançado aparato de vigilância global e com penetração institucional nas democracias liberais, impõe ao mundo uma nova matriz moral onde a violência se justifica em nome da segurança, o racismo se disfarça de defesa nacional e a negação da alteridade se converte em política pública. Não se trata mais de defender Israel. Trata-se de importar para o planeta inteiro a lógica de que só uma vida tem valor: a do colonizador, a do dominante, a do pertencente ao grupo escolhido.
A colonização do imaginário promovida por Israel, em aliança com setores do complexo industrial-militar e das plataformas tecnológicas globais, já contaminou as formas de gerir fronteiras, de controlar populações, de produzir segurança e até de comunicar conflitos. Em países como Brasil, México, Colômbia, Estados Unidos, Hungria, Filipinas ou Índia, técnicas israelenses de policiamento, espionagem e controle social foram implantadas sob o pretexto de combate ao crime ou ao terrorismo. Mas, na verdade, se trata da exportação de um modelo de guerra permanente contra os pobres, os periféricos, os dissidentes. Israel não vende apenas armas. Vende um modelo de mundo onde o inimigo nunca desaparece e a guerra nunca acaba.
Ao legitimar essa lógica, o Ocidente rasga seus próprios pactos. A Europa, que dizia ter aprendido com Auschwitz, hoje financia a construção de novos campos de extermínio. Os Estados Unidos, que se apresentaram como guardiões da democracia global, hoje fornecem bombas que destroem hospitais. As organizações internacionais, que deveriam proteger o direito humanitário, tornaram-se reféns da chantagem política e da paralisia moral. O Iluminismo, como horizonte histórico de contenção da barbárie, está morto. E sua morte foi anunciada pelo silêncio diante da destruição da Palestina.
Mas não se trata apenas de uma crise de valores. É uma crise estrutural do mundo moderno. Se Israel é hoje o símbolo mais agudo dessa ruptura, é porque sua existência política exige a anulação contínua da alteridade, da pluralidade, da vida comunitária e da memória histórica. A ideologia sionista precisa apagar o outro para que seu próprio projeto exista. E ao fazer isso em escala global, torna-se o paradigma de um novo tipo de totalitarismo: não aquele que se impõe por um único partido, mas aquele que opera em rede, que captura consciências, que transforma a guerra em rotina e o sofrimento em ruído branco.
Neste cenário, não é exagero afirmar: Israel, tal como se configura hoje, é a maior ameaça civilizacional do planeta. Porque sua lógica de dominação não respeita fronteiras. Porque sua impunidade legitima a destruição do direito. Porque sua propaganda molda a percepção pública global. Porque sua guerra é modelo para governos autoritários em todo o mundo. E porque sua existência enquanto Estado expansionista, supremacista e armado até os dentes só é possível mediante o colapso de tudo aquilo que chamávamos de civilização.
Conclusão: romper o silêncio, defender a humanidade - Chegamos ao ponto em que o silêncio já não é mais neutralidade. É cumplicidade. A aliança entre Israel e os Estados Unidos transformou o mundo em um palco de guerra contínua, onde as regras foram abolidas, a moral foi instrumentalizada e a vida humana foi hierarquizada em castas geopolíticas. O que acontece hoje na Palestina, no Líbano, na Síria, no Iêmen e no Irã não são apenas eventos trágicos localizados. São episódios interligados de um projeto de destruição civilizacional, conduzido por um Estado que se organizou para existir exclusivamente em guerra. E por uma potência que sustenta esse projeto como forma de manter sua hegemonia em ruínas.
Israel não é apenas o executor de um genocídio. É o modelo global de como naturalizar o extermínio em nome da segurança, da ordem, da identidade. Sua tecnologia bélica, sua expertise em controle populacional, seu aparato de espionagem e sua doutrina de guerra assimétrica estão sendo absorvidos por governos de todo o mundo. O sionismo, hoje, funciona como um vírus ideológico que se instala nas democracias, corrói suas instituições e as transforma em aparatos repressivos, paranoicos e autoritários. A guerra contra a Palestina é também uma guerra contra qualquer possibilidade de pluralidade, de diálogo, de futuro comum.
Romper com Israel não é um gesto diplomático. É um gesto civilizatório. É afirmar que há limites para a barbárie. É reafirmar que nenhuma razão de Estado, nenhuma promessa de progresso, nenhuma suposta superioridade histórica ou religiosa pode justificar o extermínio sistemático de um povo. É afirmar que a paz não virá pela submissão, mas pela justiça. Que a segurança real nasce da dignidade, não do apartheid. Que a liberdade exige coragem. E que a civilização só será possível se tivermos coragem de nomear o inimigo da humanidade quando ele se apresenta como salvador.
O mundo está à beira de uma ruptura irreversível. O ataque ao Irã, a destruição da Palestina, a degradação do direito internacional e o avanço da extrema-direita global formam um cenário em que o abismo já não é mais uma metáfora. É o horizonte imediato. E diante disso, não basta assistir. É preciso resistir. Romper com Israel significa romper com a lógica da guerra como norma, com o império da exceção, com a naturalização da morte. Significa defender o que ainda pode ser salvo: a vida, o pensamento, a justiça, o outro.
Romper com Israel é defender a humanidade.
“Do rio ao mar, a Palestina será livre”
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