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Heba Ayyad

Jornalista internacional e escritora palestina-brasileira

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Israel está planejando uma invasão e a imposição de sua soberania

Coalizão de direita de Netanyahu pressiona por anexação de territórios palestinos em meio a tensões internacionais

Primeiro-ministro de Israel, Benjamim Netanyahu. (Foto: REUTERS/Ronen Zvulun)

 Durante semanas, a arena política israelense tem sido marcada por intensas ameaças de impor a soberania de Israel sobre a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, apresentadas sob diversos pretextos e justificativas.

 Para alguns, a imposição da soberania sobre a Cisjordânia, ou sobre grande parte dela, constitui a resposta sionista lógica ao tsunami político internacional de reconhecimento da Palestina e à insistência em uma solução de dois Estados.

 Para outros, trata-se de um ato evidente que concretiza a visão sionista, fundamentada na reivindicação do retorno de um povo à sua terra, considerada legítima por promessa divina, e que não exigiria maiores justificativas.

 Naturalmente, entre esses dois extremos, há aqueles que acreditam que impor soberania sobre áreas da Cisjordânia e da Faixa de Gaza é, meramente, uma expressão da necessidade de “segurança” de Israel por meio de zonas de proteção, ou apenas um “preço” a ser pago por qualquer um que tente atingir o Estado judeu.

 Embora a ideia de impor soberania sobre a maior área possível — não apenas da Palestina, mas também de qualquer território árabe — preocupasse os sionistas fundadores desde o início de seu movimento, os pragmáticos entre eles partiam do princípio de aceitar o que estivesse disponível e aguardar a oportunidade de expandir posteriormente.

 Isso ficou claramente evidente no conflito entre os apoiadores de Chaim Weizmann e David Ben-Gurion, de um lado, e os de Ze’ev Jabotinsky, de outro, durante a separação inicial entre a Palestina e o Emirado da Transjordânia. Jabotinsky rejeitou a exclusão da Transjordânia do “lar nacional” judaico, restringindo a questão à Palestina Ocidental.

 A disputa também se intensificou após a aprovação do plano de partilha em 1947. Enquanto parte da direita e da esquerda sionistas rejeitava a proposta, Ben-Gurion e seus apoiadores a defendiam, com base em um princípio que ele resumiu na frase: “O Negev não fugirá de nós”.

 Em 1956, após a ocupação da Faixa de Gaza e do Sinai, Ben-Gurion ordenou, segundo documentos secretos israelenses, a anexação dos territórios conquistados, considerando-os terras do “Terceiro Reino de Israel”.

 Essa decisão foi registrada em um memorando enviado ao então chefe do Estado-Maior, Moshe Dayan, que previa uma quadruplicação do território israelense. No entanto, Ben-Gurion revogou rapidamente essa medida sob pressão internacional.

 Desde a vitória israelense na guerra de 1967, o conflito tem se intensificado entre aqueles que defendiam a imposição da soberania sobre os territórios palestinos ocupados e aqueles que defendiam a negociação de seu status. Diversos esquemas foram elaborados para facilitar esse processo, incluindo planos de deslocamento de palestinos ou tentativas de estabelecer o que ficou conhecido como “divisão funcional” com a Jordânia.

 No entanto, após a ascensão do governo de direita ao poder em 1977, o cenário começou a mudar, sobretudo no que se refere à expansão dos assentamentos e às tentativas de impedir qualquer fórmula política que revogasse o controle israelense sobre a Cisjordânia e a Faixa de Gaza. Na melhor das hipóteses, Israel — sob a liderança de Menachem Begin — aceitou a ideia de autonomia palestina, desprovida, contudo, de qualquer conceito de soberania.

 A questão da soberania permaneceu central para Israel em todas as negociações com o Egito e outros países. Begin chegou a declarar a imposição da soberania israelense sobre as Colinas de Golã, na Síria, desconsiderando a posição da comunidade internacional.

 No entanto, de qualquer forma, quanto mais forte se torna a direita em Israel, maiores são os apelos pela imposição da soberania e pela eliminação da solução de dois Estados.

 A direita atingiu o auge de seu poder com a formação da atual coalizão governamental, liderada por Benjamin Netanyahu — procurado pelo Tribunal Penal Internacional — e integrada por Smotrich, Ben-Gvir, Shas e os partidos ultraortodoxos. Essa aliança ficou conhecida como a “Coalizão da Direita Total”.

 Com Smotrich e Ben-Gvir assumindo seus cargos mais altos no governo, sob o incentivo e a aprovação de Netanyahu, o acordo de soberania foi consolidado. A disputa já não gira em torno do princípio da imposição da soberania, mas, sim, de quando, onde e como ela será implementada.

 Ameaças se chocam com a realidade

 Há alguns dias, a situação atingiu o auge. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu decidiu realizar uma última reunião de gabinete para discutir a questão da imposição da soberania na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Muitos compareceram para expor suas posições, já apresentadas publicamente nos amplos debates que se arrastaram por meses.

 Muitos acreditavam que, diante das circunstâncias regionais e internacionais, Israel estava mais próximo de impor sua soberania. O governo de direita já havia feito, em diversas ocasiões, promessas não cumpridas sobre a aplicação da soberania na Cisjordânia.

 Desta vez, acreditava-se que poderia ter surgido uma conjuntura política favorável. Antes mesmo da reunião oficial do gabinete, Netanyahu já havia convocado um fórum político, do qual participaram vários líderes.

 Segundo o Yedioth Ahronoth, o fórum incluiu, além de Netanyahu, seu assessor próximo, o ministro Ron Dermer — responsável pelas relações com os Estados Unidos e os países do Golfo —; o ministro das Relações Exteriores, Gideon Sa’ar; e o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich.

 O chefe do Conselho de Segurança Nacional, Tzachi Hanegbi, e o secretário de Gabinete, Yossi Fox, também participaram da reunião. Durante a discussão, Dermer expressou seu apoio à medida, afirmando: “Haverá soberania na Judeia e Samaria, e a questão é: sobre qual parte?”.

 Duas semanas antes, em outra reunião ministerial ampliada, Dermer já havia manifestado posição semelhante, após os ministros Struck, Smotrich e Levin levantarem a questão e pressionarem para que a medida fosse implementada antes mesmo da Assembleia Geral da ONU, em setembro, quando vários países pretendem reconhecer um Estado palestino.

 No fórum, os ministros discutiram se a soberania deveria ser aplicada apenas aos blocos de assentamentos, a todos os assentamentos, a toda a Área C ou, talvez, apenas às áreas abertas ou ao Vale do Jordão.

 Outra questão levantada foi se essa medida deveria ser promovida como reação ao reconhecimento de um Estado palestino ou mesmo antes disso, como medida preventiva.

 Durante o encontro, o ministro Sa’ar analisou a situação política de Israel no cenário internacional e destacou a existência de oposição europeia à medida, o que poderia provocar uma deterioração ainda maior nas relações entre Israel e os países europeus. Ele fez essa observação de um ponto de vista técnico, independentemente de sua posição de princípio sobre a questão da soberania.

 O ministro Smotrich há muito tempo pressiona para que essa questão seja levada adiante, e seus associados, na Administração de Assentamentos do Ministério da Defesa, prepararam a infraestrutura técnica necessária, incluindo mapas e levantamentos de campo, para viabilizar a iniciativa.

 De fato, quando Smotrich considera a possibilidade de dissolução do governo — por exemplo, em decorrência de um eventual acordo com o Hamas —, ele também enxerga a oportunidade de impor a soberania.

 A direita israelense, em todos os seus segmentos, antecipou a situação e aprovou, antes do recesso do Knesset, uma resolução com maioria de 71 membros, determinando a imposição da soberania israelense sobre a Cisjordânia.

 Embora Netanyahu sempre tenha preferido adotar um tom declarativo em todas as questões relacionadas à soberania, evitando o envolvimento direto em assuntos internacionais, ele buscou, por meio da resolução do Knesset e de suas visitas a assentamentos na Cisjordânia, incentivar a imposição da soberania de forma geral, sem especificidade ou compromisso.

 Muitos acreditam que, caso Netanyahu queira permanecer ativo na arena política e disputar as próximas eleições, a imposição da soberania será uma de suas promessas de campanha mais relevantes.

 Estados Unidos em cena

 Embora a posição oficial dos Estados Unidos, antes do governo Trump, sempre tenha rejeitado a imposição da soberania israelense — deixando a questão para ser resolvida em negociações —, o domínio do sionismo cristão na gestão Trump modificou essa postura.

 Trump e seus ministros acreditam que impor a soberania é uma decisão que cabe exclusivamente a Israel, sem envolvimento estadunidense. Isso, obviamente, viola o direito internacional e a legitimidade, além de provavelmente gerar conflitos agudos entre Israel e seus vizinhos árabes mais próximos.

 Também é evidente que a imposição da soberania contradiz até mesmo os chamados Acordos de Abraão, patrocinados por Trump, que incluíam a promessa entre EUA e Israel de não implementar nenhuma anexação na Cisjordânia.

 Há alguns dias, quase simultaneamente à reunião israelense para discutir a imposição da soberania, o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, declarou: “O que vocês estão vendo agora em relação à Cisjordânia e à anexação não é definitivo — é algo em discussão entre várias partes em Israel, e não pretendo expressar minha opinião neste momento.”

 No mês passado, o embaixador dos EUA em Israel, Mike Huckabee, disse ao Washington Post que a anexação israelense seria “uma decisão israelense”. Ele explicou: “7 de outubro mudou tudo.”

 Assim, os Estados Unidos deixaram Israel agir como quisesse, não apenas na Cisjordânia e na Faixa de Gaza, mas em toda a região árabe. Esse é o verdadeiro significado da declaração do enviado dos EUA à Síria e ao Líbano, Tom Barak, que justificou a mudança israelense até mesmo em relação às fronteiras de Sykes-Picot.

 É evidente que o silêncio dos Estados Unidos sobre o assunto criou em Israel a impressão de que o Estado hebreu havia perdido seu “soberano”, capaz de controlar suas ações e impedi-lo de adotar a abordagem do “o dono da casa enlouqueceu”.

 Talvez seja por isso que Netanyahu, após convocar uma reunião governamental para discutir oficialmente a imposição da soberania, tenha sido forçado a retirar o item da pauta poucas horas antes do encontro. Ministros chegaram a ironizar que a reunião se destinava apenas a discutir as ações dos jovens colonos das colinas da Cisjordânia.

 A radicalização israelense atingiu seu ápice quando o ministro das Finanças, Smotrich, pediu a Netanyahu que impusesse a soberania na Cisjordânia sobre pelo menos 82% do território, deixando apenas 18% para os palestinos. Ele afirmou: “A área máxima — o número mínimo de árabes.”

 Smotrich acrescentou: “O amplo consenso sobre a soberania baseia-se no entendimento de que é necessário impedir que qualquer ameaça existencial se infiltre em nosso território. Chegou a hora de aplicar a soberania israelense sobre a Judeia e Samaria e pôr fim à divisão deste pequeno território.”

 Ele prosseguiu: “O papel político da soberania é garantir que nenhum Estado terrorista árabe seja estabelecido. O estabelecimento de um Estado palestino deve ser impedido. Portanto, nada de blocos de assentamentos, nada de Área C e nada de soberania parcial. Tudo isso apenas deixa o restante do território para o inimigo, permitindo-lhe estabelecer um Estado que nos colocaria dentro das fronteiras de Auschwitz.”

 O primeiro passo dessa política defendida por Smotrich foi o anúncio da construção na área E1, considerada vital para a contiguidade territorial entre os diversos territórios palestinos.

 Muitos observaram que, se Netanyahu decidir não conter seus parceiros naturais e extremistas, ele se tornará, aos olhos deles, o coveiro das relações entre israelenses e árabes, que estadistas e diplomatas israelenses vêm tentando fomentar ao longo dos 76 anos de existência do Estado de Israel.

 E não parou por aí: recentemente apresentou seu plano abrangente de ocupação, anexação e vitória rápida por meio da guerra, do cerco, da fome e do deslocamento. Smotrich não fala apenas por si; ele expressa as vertentes mais profundas de toda a direita israelense, que não encontra resistência significativa dentro da própria sociedade israelense.

 O plano prevê a anexação da Faixa de Gaza e a expulsão de seus moradores. Smotrich afirma que Netanyahu “entende a lógica do plano” e está trabalhando para concretizá-lo.

 O projeto de Smotrich inclui a eliminação completa da ideia de um Estado palestino, com base na premissa de que “a aprovação de planos de construção em E1 enterra a ideia de um Estado palestino e dá continuidade às inúmeras ações que estamos liderando em campo como parte da imposição do plano de soberania de fato, iniciado com a formação do governo. Após décadas de pressão internacional e congelamentos, estamos violando acordos e vinculando Ma’ale Adumim a Jerusalém. Isso é o sionismo em sua forma mais glamorosa: construir, colonizar e fortalecer nossa soberania sobre a Terra de Israel.”

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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