Israel e a guerra às drogas na Síria
O lento colapso do Estado sírio permitiu que autoridades locais se tornassem senhores independentes do tráfico
Artigo produzido por Globetrotter e No Cold War, publicado em 24 de julho de 2025
As tensões aumentaram no sul da Síria quando aviões de guerra israelenses bombardearam o Ministério da Defesa em Damasco, áreas próximas ao palácio presidencial e vilarejos em As-Suwayda em 16 de julho de 2025, matando pelo menos duzentos e cinquenta sírios nesses ataques. As autoridades transitórias da Síria, lideradas pelo ex-chefe da al-Qaeda Ahmed al-Sharaa, condenaram os ataques, que Israel justificou como necessários para conter os confrontos entre as forças sírias, a recém-formada Quwwat al-Badu (ou Forças Beduínas) e o grupo druzo Harakat Rijal al-Karama (Homens da Dignidade).
Em dezembro de 2024, os Homens da Dignidade, as Forças Sheikh al-Karama e a Liwa al-Jabal (Brigada da Montanha) uniram-se na região de As-Suwayda para criar o grupo Ghurfat ‘Amaliyyat al-Janub (Operações do Sul), com o objetivo de defender a região das incursões israelenses e do novo governo sírio. No entanto, o grupo se dividiu no início deste ano, enfraquecendo a sua capacidade de conter o avanço israelense além da ocupação inicial das Colinas de Golã, tomadas desde 1967. Desde então, Israel expandiu o seu controle sobre as Colinas de Golã em direção a As-Suwayda e tem sido acusado por forças locais de interferir em disputas internas para justificar novas invasões militares.
Desde 2012, a autoridade central do Estado sírio enfraqueceu-se, estendendo-se da borda das Colinas de Golã, passando pela cidade de Daraa, até os vilarejos de As-Suwayda, formando um cinturão ao longo da fronteira sul da Síria e da Jordânia. As forças militares sírias permaneceram nessa zona, mas a sua legitimidade atingiu um nível historicamente baixo, levando ao surgimento de várias milícias nesse vácuo. Em 2013, a comunidade druza da região, liderada pelo Sheikh Wahid al-Bal’ous, formou o Harakat Rijal al-Karama (Homens da Dignidade), enquanto uma aliança de combatentes liderada por Murhij Hussein al-Jarmani (também conhecido como Abu Ghaith) criou a Liwa al-Jabal (Brigada da Montanha) no ano seguinte. Esses grupos foram estabelecidos para defender a comunidade druza dos ataques do grupo al-Qaeda, Jabhat al-Nusra (Frente da Vitória), que começara a se mover para o sul a partir das Montanhas Qalamoun e aparentemente recebia apoio de inteligência e forças militares israelenses. O declínio do papel do exército sírio na área levou ao aumento da influência política e de segurança tanto dos Homens da Dignidade quanto da Brigada da Montanha, que combateram as forças da al-Qaeda, os ataques posteriores do ISIS e as incursões israelenses.
A Rede de Fentanil no Sul da Síria
Em 2012, quando encontrei o exército sírio pela primeira vez na estrada próxima às Montanhas Qalamoun, já estava claro que o seu moral oscilava entre extrema confiança e exaustão devido à natureza pírrica da guerra. Sem o apoio aéreo dos EUA ou de Israel, os diversos exércitos rebeldes – os mais entusiasmados sendo as forças da al-Qaeda – não teriam conseguido prevalecer; isso garantia ao Exército Árabe Sírio que poderia contê-los. No entanto, cada avanço sírio era conquistado através de intensos bombardeios e violência que atingiam alvos civis, corroíam a sua superioridade moral e destruíam a base da economia síria. Uma economia colapsada e um aparato estatal em decadência deterioraram ainda mais o moral do exército.
Em 2013, todos os lados do conflito mantinham o seu ânimo não pela política ou pela ideologia, mas pelo influxo de grandes quantidades de anfetaminas, conhecidas na Síria pelos nomes comerciais Captagon e Tramadol – ou, como os combatentes as chamavam, "as pílulas brancas da morte".
Perto da fronteira jordaniana, na região de As-Suwayda, estive onde começou a produção em larga escala dessas pílulas. Ex-militares que administravam essas fazendas entraram em negócios com sindicatos internacionais do narcotráfico. Há uma década, circulavam rumores sobre o papel do Brigadeiro-General Wafiq Nasser na criação da rede de produção e distribuição de drogas em vilarejos de As-Suwayda. Nasser trabalhou com Abu Yassin Ahmad Jaafar e Jamil al-Balaas para estabelecer o sistema de fazendas, desde Busra al-Sham até al-Qurayya – a cerca de vinte quilômetros da Jordânia. Esses homens, junto com Marei al-Ramthan e Raji Falhout, aproveitaram-se do colapso do Estado sírio, subornaram autoridades jordanianas e libanesas e dominaram o comércio de produção e venda de anfetaminas em toda a região (incluindo Israel, onde eram usadas principalmente como droga recreativa).
As tensões aumentaram entre as milícias de autodefesa (principalmente os Homens da Dignidade, de maioria druza) e os cartéis de drogas, pois os primeiros tentavam impedir a venda de anfetaminas à população local. Em 2015, um carro-bomba em As-Suwayda matou Wahid al-Bal’ous, líder dos Homens da Dignidade. Rumores sugeriram que ele foi assassinado pelo governo sírio ou pela al-Qaeda (após a prisão de um homem chamado Wafi Abu Trabi). Mas, nos bastidores, era claro que al-Bal’ous foi vítima da guerra das drogas. Três anos depois, os Homens da Dignidade capturaram Abu Yassin Ahmad Jaafar, que confessou – em vídeo – seu envolvimento no assassinato e o seu papel como um dos principais chefes do narcotráfico na região. Jaafar foi executado pelos Homens da Dignidade.
Em sua confissão, Jaafar mencionou que Marei al-Ramthan recrutara jovens beduínos para contrabandear drogas para a Jordânia. Al-Ramthan, um pastor antes de entrar no narcotráfico em 2006, tornou-se o maior transportador de drogas do Levante após o aumento da produção pós-2012. Condenado várias vezes por tribunais jordanianos, ele nunca foi preso.
A guerra das drogas
O lento colapso do Estado sírio permitiu que autoridades locais se tornassem senhores independentes do tráfico. Em 2018, o Major-General Kifah al-Mulhim substituiu Nasser. Inicialmente, a sua nomeação gerou esperanças de que as redes de drogas seriam pressionadas. Mas uma série de eventos se seguiu: em 2021, o Estado prendeu Raji Falhout, mas o libertou horas depois. Em julho de 2022, autoridades e os Homens da Dignidade invadiram a fazenda de Falhout, encontrando um laboratório de Captagon. No mesmo ano, al-Ramthan foi preso e solto. O exército sírio e a Brigada da Montanha enfrentaram grupos armados de Falhout perto da Jordânia, eliminando vários deles.
De janeiro a março de 2024, a Força Aérea jordaniana bombardeou fazendas de Captagon em As-Suwayda, matando civis e levando os Homens da Dignidade a pedir o fim dos ataques. O exército sírio manteve-se em silêncio. Ou al-Mulhim fazia parte da rede de drogas que ia de As-Suwayda a Damasco, ou não tinha autoridade para limpar a região. Nos últimos dias do governo Assad, al-Mulhim foi transferido para Bagdá como diretor do Escritório de Segurança Nacional Sírio. Os EUA haviam imposto sanções pessoais a ele, mas elas foram suspensas após a queda de Assad.
A queda do governo Assad em dezembro de 2024 ocorreu devido a múltiplos fatores: a guerra de Israel contra o Líbano (que enfraqueceu o Hezbollah), ataques aéreos a posições sírias e uma ofensiva relâmpago das ex-forças da al-Qaeda, de Idlib a Damasco. Israel, aproveitando-se da situação, expandiu a sua ocupação ilegal das Colinas de Golã em direção a As-Suwayda, alegando criar uma "barreira de segurança" para Israel e a minoria druza – uma justificativa frágil.
Em julho de 2025, Israel atacou alvos em Damasco, mas poupou as fazendas de drogas, repetindo o discurso de "proteção aos druzos". Líderes druzos, como Sheikh Sami Abi al-Muna, rejeitaram a proteção israelense, lembrando o genocídio contra os palestinos. Na realidade, os ataques visavam pressionar Ahmed al-Sharaa, agora presidente transitório da Síria, que não atendeu à principal exigência de Israel: o reconhecimento oficial do Estado israelense. Al-Sharaa expulsou líderes da Frente Popular para a Libertação da Palestina e do Hamas e prendeu figuras da Jihad Islâmica, mas isso não basta. Israel continuará usando qualquer pretexto – drogas, proteção aos druzos – para forçar a Síria a se submeter. O que realmente preocupa Israel não são as drogas ou os druzos, mas o fato de al-Sharaa não ter renunciado a histórica posição pró-palestina da Síria aos pés do regime israelense.
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