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Heba Ayyad

Jornalista internacional e escritora palestina-brasileira

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Gaza: Quando a vida é mais dura que a morte

A criança palestina deixou de estar isenta de ser alvo: tornou-se o centro do alvo

Mãe palestina Amira Muteir com seu bebê de 5 meses, Ammar, na Cidade de Gaza - 5/8/2025 (Foto: REUTERS/Mahmoud Issa)

A mente humana sã não consegue conceber o crime em grande escala que está ocorrendo em Gaza, hoje, contra a Palestina. O massacre promovido pela ocupação israelense desde 7 de outubro de 2023 não foi meramente uma guerra contra combatentes ou um conflito territorial. Tratou-se, clara e descaradamente, de um plano sistemático para exterminar gerações inteiras, especialmente crianças — aquelas que nunca portaram armas, nunca ameaçaram a segurança de qualquer entidade e jamais cometeram outro “pecado” além de terem nascido palestinas.

A criança palestina deixou de estar isenta de ser alvo: tornou-se o centro do alvo. É bombardeada em sua casa, assassinada nos braços da mãe, morta de fome enquanto procura um pedaço de pão ou um gole de água, enterrada sob os escombros da própria escola ou alvejada na fila de ajuda humanitária. Não há distinção entre uma criança, um estudante ou uma criança brincando em um beco. O bombardeio não faz distinções; visa deliberadamente as crianças, como parte de uma política declarada de genocídio, em afronta a todas as leis e convenções internacionais. Gaza deixou de ser apenas uma frente de batalha e transformou-se em uma vala comum para crianças mortas enquanto lutavam pela vida. Algumas jamais tiveram sequer a chance de nascer plenamente: vieram ao mundo sob bombardeio e morreram no mesmo bombardeio, sem sequer um instante para respirar.

Relatórios do Ministério da Saúde de Gaza indicam que, até meados de 2025, mais de 26.000 crianças foram mortas, enquanto dezenas de milhares ficaram feridas — a maioria delas com membros amputados, deficiências permanentes ou traumas psicológicos irreparáveis.

Mas a tragédia não se limita à matança. Ela se estende à privação das crianças das necessidades mais básicas da vida. Uma geração inteira é privada de educação após a destruição das escolas, sofre com a fome em razão do embargo alimentar e é deixada para morrer lentamente devido ao colapso do sistema de saúde e à falta de medicamentos. Dezenas de milhares de crianças padecem de doenças crônicas, queimaduras ou deformidades, sem qualquer tratamento, em meio ao colapso total da infraestrutura médica. Há crianças que perderam os pais ou toda a família e são forçadas a viver como órfãs em campos de deslocados ou em abrigos superlotados, sofrendo de frio e sede, sem qualquer sensação de segurança e incapazes de compreender por que estão destinadas a viver nesse inferno.

A perseguição à infância na Palestina não é um efeito colateral da guerra; é uma política sistemática, implementada com precisão. A ocupação tem plena consciência de que a criança palestina representa o futuro e de que sua sobrevivência significa a continuidade da resistência. Optou-se por começar pelas raízes: aniquilar a geração que ainda não nasceu e destruir a psique da criança que sobrevive, para que jamais carregue a bandeira da terra em que nasceu.

A maior tragédia é que o mundo inteiro vê, ouve e permanece em silêncio. Não há comissões de inquérito, sanções ou julgamentos internacionais. Pelo contrário, o assassino é recompensado com mais armas e apoio político, enquanto a vítima é sufocada por mais cerco e fome — como se o sangue de uma criança palestina não tivesse valor, como se não fizesse parte dos cálculos da humanidade.

À luz dessa brutalidade, a vida em Gaza torna-se mais hedionda que a morte. A morte passa a ser um alívio, e a vida, uma humilhação insuportável, em um mundo que criminaliza até a caça de pássaros, mas nada faz quando infâncias inteiras são massacradas e cidades inteiras transformadas em lixões de restos mortais.

O que acontece hoje em Gaza é um teste moral decisivo para toda a humanidade: ou se fica ao lado da criança palestina e a salva do holocausto moderno, ou se aceita a extinção dos últimos resquícios de consciência neste mundo.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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