Heba Ayyad avatar

Heba Ayyad

Jornalista internacional e escritora palestina-brasileira

172 artigos

HOME > blog

As Nações Unidas limitam-se a coexistir com a guerra de extermínio em Gaza

Organização internacional cede à pressão de Israel e perde credibilidade ao adotar narrativas falsas

Faixa de Gaza (Foto: Reprodução / Divulgação)

Em 24 de outubro de 2023, o Secretário-Geral ousou afirmar que os eventos de 7 de outubro não surgiram do nada:

 “É importante reconhecer que os ataques do Hamas não aconteceram no vácuo. O povo palestino foi submetido a uma ocupação sufocante por 56 anos, vendo suas terras serem consumidas por assentamentos e sofrendo violência. Sua economia foi estrangulada, foram deslocados de suas terras, suas casas demolidas e suas esperanças de uma solução política para sua situação frustradas.”

Israel reagiu com fúria contra o Secretário-Geral, e o representante do país nas Nações Unidas, Gilad Erdan, exigiu sua renúncia e perguntou: “Em que mundo você vive?”. Desde aquele dia, Guterres não voltou a mencionar o contexto de 7 de outubro, aderindo à narrativa de que a história do conflito palestino-israelense teria começado naquela data e de que o ataque teria apagado um século de disputa.

Em 13 de maio de 2025, Tom Fletcher, Coordenador Humanitário da ONU, ousou dirigir-se ao Conselho de Segurança:

 “Vocês agirão agora — com firmeza — para prevenir o genocídio e garantir o respeito ao Direito Internacional Humanitário? Ou, em vez disso, dirão: Fizemos tudo o que podíamos?”

O representante israelense protestou e apresentou uma queixa formal contra o funcionário da ONU, exigindo um pedido público de desculpas por sua declaração perante o Conselho de Segurança. Desde então, os relatórios de Fletcher tornaram-se mais descritivos, evitando abordar diretamente a questão do genocídio.

Francesca Albanese, Relatora Especial da ONU sobre os direitos humanos nos territórios palestinos ocupados, ousou classificar o que ocorre em Gaza como um genocídio em grande escala. Contra ela recaíram todas as acusações possíveis, sobretudo a de “antissemitismo”. Insensível à campanha cruel que enfrentava, Israel contou com o apoio de seu aliado sionista, Donald Trump, e impôs sanções contra Albanese, incluindo a proibição de sua entrada nos Estados Unidos e o congelamento de seus bens. O secretário de Estado, Marco Rubio, chegou a descrever seus esforços como “ilegítimos e vergonhosos”.

Sessenta, setenta ou cem vítimas não são consideradas notícias dignas de menção pelos funcionários da ONU. No entanto, vemos esses mesmos funcionários repetindo falsificações, mentiras e narrativas fabricadas por Israel, que não enganam ninguém. Permitam-me citar alguns exemplos de como alguns representantes da ONU acabaram reproduzindo tais mentiras.

Mehdi Hadi, ex-Coordenador Humanitário para os Territórios Palestinos Ocupados, afirmou em discurso ao Conselho de Segurança, em 25 de novembro de 2024, que 98 dos 101 caminhões teriam sido roubados. Mas como alguém poderia acreditar que 98 caminhões, junto com seus motoristas, poderiam ser sequestrados por homens armados em Gaza? Onde eles se esconderiam? Onde estão os motoristas? Como os israelenses poderiam tolerar homens armados circulando livremente em Gaza e permitir que atacassem caminhões autorizados a entrar com carga? Existe algum lugar em Gaza onde se possa esconder um único caminhão, quanto mais 98?

Israel acusou a UNRWA de estar infiltrada pelo Hamas, alegando que centenas de funcionários colaborariam com movimentos de resistência. A acusação, que inicialmente envolvia milhares de pessoas, foi reduzida para doze e, depois, para sete. As Nações Unidas aceitaram a acusação e, de imediato, criaram duas equipes de investigação para apurar os fatos e rescindir os contratos dos acusados. Apenas um ou dois foram considerados culpados.

As Nações Unidas declararam repetidamente que não manteriam relações com a chamada “Fundação Humanitária de Gaza”, criada por Israel e pelos Estados Unidos, que se tornou uma armadilha para matar palestinos. Entretanto, descobriu-se recentemente que ocorreram reuniões secretas entre altos funcionários da ONU e representantes da fundação, patrocinadas pela embaixadora dos EUA, Dorothy Shea. O porta-voz oficial confirmou o encontro, após a Al-Quds Al-Arabi questionar o tema em uma coletiva de imprensa diária:

 “Sim. Confirmo que, a convite da Missão Permanente dos Estados Unidos nas Nações Unidas, algumas agências da ONU e outros parceiros participaram de um diálogo sobre a deterioração da situação humanitária em Gaza, realizado na quarta-feira da semana passada. O chefe da Fundação Humanitária de Gaza esteve presente a convite dos Estados Unidos.”

As Nações Unidas chegaram a esse nível: marginalizando o número de vítimas, repetindo narrativas falsas de Israel ou recusando-se — por medo — a dizer a verdade. Que credibilidade resta para a organização internacional?

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

Artigos Relacionados

Carregando anúncios...