O genocídio em Gaza e o questionamento sobre sua ocorrência
Genocídio em Gaza expõe silêncio da ONU e ataques sistemáticos a civis, hospitais, imprensa e organizações humanitárias
O Secretário-Geral da ONU, António Guterres, continua evitando descrever o que está acontecendo em Gaza como genocídio. Sempre que levantamos a questão à luz da gravidade e da escala dos crimes revelados dia após dia — especialmente as mortes por fome, que já somam 222 vítimas, incluindo 104 crianças, até o momento em que este texto foi escrito —, a resposta recorrente é que o único órgão capaz de decidir se o que ocorre em Gaza constitui genocídio é um tribunal competente, como a Corte Internacional de Justiça.
A maioria dos altos funcionários internacionais se escondeu atrás da posição do Secretário-Geral, repetindo o mesmo argumento: não se consideram qualificados para emitir um posicionamento jurídico sobre se o que está acontecendo em Gaza configura genocídio. A Corte Internacional de Justiça concedeu a Israel mais um ano para apresentar seus argumentos contrários à caracterização do que ocorre em Gaza como genocídio.
Francesca Albanese, relatora especial da ONU para os Direitos Humanos nos Territórios Palestinos Ocupados, contestou essa posição padronizada, afirmando com ousadia e firmeza que o que se passa em Gaza constitui um “genocídio completo”. Albanese desfruta de maior liberdade que outros, pois não é funcionária oficial da organização internacional, mas sim uma relatora especial — especialista nomeada pelo Conselho de Direitos Humanos para essa função —, sem receber salário mensal.
A segunda pessoa que quase classificou a situação como genocídio foi Tom Fletcher, coordenador de Assuntos Humanitários e de Socorro de Emergência, em seu briefing ao Conselho de Segurança em 13 de maio. Ele foi alvo de uma campanha feroz e de pedidos de retratação. O embaixador israelense Danny Danon apresentou uma queixa formal contra ele, acusando-o de usar o termo sem provas. Em sua carta, afirmou: “Foi uma declaração completamente inadequada e irresponsável, que destruiu qualquer noção de neutralidade. Fletcher não informou o Conselho; ele fez um discurso político".
Desde essa carta, Fletcher não voltou a usar o termo, como se tivesse aprendido a lição. Quem duvida que tenha sido deliberado?
A destruição quase total do sistema de saúde
Segundo a Organização Mundial da Saúde, Israel atacou o setor de saúde em Gaza 664 vezes, por meio de ataques aéreos, bombardeios de artilharia, invasões de pátios, incêndios, destruição de enfermarias e ataques a hospitais. Essas ações destruíram quase completamente o sistema de saúde da Faixa de Gaza, deixando todos os 36 hospitais total ou parcialmente fora de serviço. Israel matou 1.206 funcionários do Ministério da Saúde em Gaza e feriu milhares de outros, impossibilitando-os de exercer suas funções. Aproximadamente 300 profissionais do setor de saúde foram presos, incluindo diretores de hospitais, chefes de departamento e médicos especialistas, como o diretor do Hospital Kamal Adwan, Hussam Abu Safia. O paradeiro de outros 33 permanece desconhecido. Também foram mortos 125 médicos, cerca de 300 enfermeiros, 49 paramédicos, 74 farmacêuticos, 9 acadêmicos de medicina, 66 dentistas, 15 oftalmologistas e 304 administradores de unidades de saúde e hospitais. Esses números indicam aniquilação deliberada ou não?
Alvejando a imprensa
Com o ataque à tenda de jornalistas da Al Jazeera no último domingo, que resultou na morte de seis profissionais — incluindo Anas al-Sharif e Mohammed Qreiqea —, o número total de jornalistas e trabalhadores da mídia mortos desde 7 de outubro subiu para 242. Israel matou mais jornalistas nos 22 meses desde o início da guerra do que o total de mortos globalmente na Primeira e na Segunda Guerras Mundiais e na Guerra do Vietnã juntas. Esse ataque para silenciar suas vozes é genocídio deliberado ou não?
Alvejando organizações internacionais
Israel matou pelo menos 400 funcionários e trabalhadores de organizações humanitárias, incluindo cerca de 220 membros da UNRWA. Interrompeu o trabalho da UNRWA na Cisjordânia, suspendeu a cooperação e a emissão de vistos para o Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) e impediu a entrada de vários altos funcionários da ONU nos territórios ocupados. Israel atacou todos os armazéns de organizações humanitárias, fechou todas as passagens de fronteira e restringiu o número e a quantidade de suprimentos que entram em Gaza. Criou a chamada “Fundação Humanitária de Gaza”, que se transformou em uma armadilha para quem buscava alimentos, resultando em pelo menos 1.239 mortos, segundo o OCHA. Isso é parte de um genocídio ou não?
Não há espaço aqui para detalhar os demais setores que compõem a sociedade palestina, incluindo atletas, trabalhadores agrícolas, pescadores, funcionários do saneamento, policiais e muitos outros. Como Israel não conseguiu atingir seus três objetivos declarados, a estratégia de Netanyahu passou a ser assumir o controle militar completo da Faixa de Gaza, começando pela tomada da Cidade de Gaza e pela evacuação forçada de dezenas de milhares de seus moradores. Este é apenas o próximo passo do plano apoiado pelos EUA para esvaziar Gaza de toda — ou da maior parte de — sua população. Se os palestinos não concordarem com o deslocamento, forçado ou “voluntário”, serão exterminados.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.