Envelhecer no Enem e no Brasil
Esta é a perspectiva melhor que pode existir. Criar condições para que o envelhecimento venha de modo suave e gratificante
Dia desses, fazendo O Barato da Idade na TV247, que tem tudo a ver com esse tema, perguntei à Márcia Carmo, nossa correspondente em Buenos Aires , se era verdadeira a minha impressão que a Argentina é um país mais idoso que o Brasil, nos hábitos, na cultura e no respeito aos mais velhos. Ela concordou apesar do presidente Milei gostar e cantar rock and roll. A cultura argentina é menos transformável que a nossa, menos influenciável, menos sujeita às variações, resultado de uma colonização mais europeia, mais conservadora.
Isso serve de introdução ao tema da redação do Enem deste ano e deste artigo que fala das perspectivas do envelhecimento no Brasil. Colocar perspectivas e envelhecimento na mesma frase já é um desafio. O envelhecimento pressupõe sobretudo a diminuição de perspectivas.
Os argentinos ainda cultuam e muito o peronismo que nos últimos tempos envelheceu demais, mas carrega no bojo elementos importantes justamente para a estabilidade social como o sindicalismo. Nada mais velho e, portanto, fora de moda aqui no Brasil. Aliado à aposentadoria, ao sistema de saúde, ao regime tradicional de trabalho fomos rejuvenescendo no mau sentido, na forma e nas soluções sociais, na presença do estado cada vez mais distante. O idoso hoje se vê afastado de qualquer solução mais ampla.
No filme O Último Azul, de produção recente brasileira, os idosos são levados para uma espécie de colônia porque causam muitas despesas aos mais jovens. Não servem mais à sociedade. Este na realidade é o mote geral do que vem acontecendo. Apesar de muitos idosos continuarem a produzir e bem, e comprovamos isso no programa O Barato da Idade, a sociedade no Brasil não só os segrega como desvaloriza seu legado. A experiência perde sua importância e junto com a meritocracia e o empreendedorismo as características da juventude prevalecem. Os resultados são os outros, é claro, mas a mentalidade é esta.
Está no jovem a produção e não mais a revolução ou a transformação de antes. As perspectivas do envelhecimento não passam por qualquer transformação. Passam pela manutenção desta estrutura que só facilita os ganhos de mercado e anulam totalmente qualquer possibilidade de planejamento de bem estar social que possa privilegiar os mais velhos. O mundo virou um lugar para os mais jovens, mas sem planos na cabeça. E aí temos outra contradição. Jovens e transformações podem e devem viver na mesma frase. São características típicas, mas dentre as transformações esperadas não estão as que melhoram a perspectiva de vida dos mais velhos. Todos os jovens serão idosos um dia. E isto é uma vitória. Significa que chegaram lá.
Esta é a perspectiva melhor que pode existir. Criar condições para que o envelhecimento venha de modo suave e gratificante. Estamos cada dia mais longe disso e talvez para isso tenhamos que ressuscitar coisas antigas como bem estar social e aposentadoria. Não vejo outra maneira de fazer da velhice um momento feliz.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.



