Divina Decadência
Boa parte dos paulistas nunca ouviu falar na QP. Oficialmente a QP é um bairro que integra o Distrito do Belém, que é vizinho ao distrito da Mooca
Na semana passada fui almoçar com um amigo de longa data, que passava por São Paulo. Entre as coisas que temos em comum está a descoberta de lugares fora do circuito Jardins – Itaim ou Leblon - ípanema. Um discreto português em Copacabana, um baiano – mineiro na Barra Funda e agora um Italiano na Quarta Parada (QP).
Boa parte dos paulistas nunca ouviu falar na QP. Oficialmente a QP é um bairro que integra o Distrito do Belém, que é vizinho ao distrito da Mooca. A parada ficava ao lado da passagem de ferroviária da Av. Álvaro Ramos. Em 1981 ela foi fechada, devido expansão do metrô.
Até 1970 era reduto dos imigrantes europeus que vinham para São Paulo, especialmente italianos. Era um bairro de uso misto, com residências e indústrias, como a alpargatas, goodyear (aviões), além de indústrias têxteis e metalúrgicas. O Bairro foi de vento em popa durante o “milagre”, com a instalação de bancos e empresas de serviços. Mas após as duas crises do petróleo (1973 e 1977) a QP passou a integrar a nossa Detroit tropical. As grandes empresas mudaram para outras cidades, os empregos foram junto e o bairro foi definhando.
Acredito que a pandemia agravou a situação. O avanço do comércio e dos serviços por meio da internet, durante a pandemia, foi imenso. E graças ao PIX, atingiu também as pessoas com menor renda, sem que precisassem aderir a cartões de crédito e débito, que em geral tem taxas de manutenção.
Mas onde há decadência nisso? Isso não é progresso?
Como tudo, parece que o progresso é desigual, afetando de forma diferentes as pessoas. Por exemplo, o comercio e os serviços, ao não necessitar de ‘pontos” comerciais, leva ao abandono de áreas outrora importantes, que precisam buscar nova vocação.
Fomos almoçar no restaurante Cozinha dos Ferrari, na rua Tobias Barreto. Com vista para o cemitério da quarta parada, para o imenso SESC Belenzinho e para a igreja de São Paulo apóstolo, onde fui batizado (a QP é bem familiar). E muitas, muitas placas de aluga-se.
A Cozinha dos Ferrari é um lugar suspeitíssimo. Posa de cantina napolitana, mas seu cardápio tem filé a Wellington e coxinha. A uma faixa homenageando o Bronx-Mooca, bairro mais pobre de Nova York. Sua ‘decoração’, se existe, é 100% kitsch ou 100% improviso. Há vários modelos de cadeiras, de mesas e várias camisetas de clubes de futebol, inclusive com o queridíssimo Maradona.
Fomos para almoçar. E fomos bem atendidos pela Maíra e pela Daniela, ambas da família. Tomamos um vinho nacional e iniciamos com uma burrata com purê de alho, seguido por uma “cotoletta alla milanese” de suíno. A comida estava ótima, bem-feita, bem-acabada e muito saborosa. Poderia ser vendida nos jardins pelo dobro ou triplo do preço. Mas a pegada do lugar é outra. Como em Nova York no final dos 1970 e início dos 1980, vejo uma tendência ao surgimento de restaurantes mais leves, com instalações quase improvisadas e cozinhas abertas. Muita gente boa passou por esses lugares.
No fim, tivemos um sério conflito com a equipe da casa, insisti que estava na QP. Eles falavam em Belém ou Mooca. Resolvemos numa queda de braço, onde apoiado numa edição do MOC - Mapa Oficial da Cidade, ali é QP. Vencemos e saímos de fininho. Mas voltaremos ao melhor Italiano caseiro de São Paulo.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.