Difamação: toda a verdade documentada
Quero que as pessoas, próximas e desconhecidas, tenham a certeza de que as denúncias que aquelas mulheres fizeram contra mim são falsas
Há mais de três anos, em abril de 2023, surgiram, num capítulo, denúncias falsamente anônimas dirigidas ao CES e a alguns dos seus investigadores, entre os quais me incluíam. Por estar de consciência tranquila, desde logo assumi que o capítulo visava a minha instituição como um todo, a minha pessoa e mais dois colegas meus, em particular. Um ano depois, em abril de 2024, treze denunciantes, não contentes com o fato de o relatório de uma Comissão Independente não me ter feito qualquer imputação direta nem concreta, decidiram redigir e assinar uma carta gravemente difamatória para mim e para os dois colegas, Maria Paula Meneses (moçambicana) e Bruno Sena Martins (cabo-verdiano). Com base no capítulo, primeiro, e nessa carta, depois, fui alvo de uma intensa guerra midiática e de perseguição política por parte do CES, que resultaram num autêntico assassinato do meu caráter. As denunciantes relataram, ao longo do último ano, fatos falsos, sem apresentarem uma única prova! Nunca tive acesso às denúncias senão pela imprensa. Mas sempre soube que, se as confrontasse apenas com a minha versão, isso de nada serviria porque, no contexto #MeToo em que estas mulheres se colocam, a denúncia é suficiente para a condenação pública. Por isso, tive de recorrer à documentação, por vezes de pessoas e governos estrangeiros, para que a minha versão, ao contrário da das treze denunciantes, estivesse suportada com provas, assim demonstrando que as denúncias são falsas. Isso levou tempo. E sei que esse tempo foi prejudicial para a minha imagem. Mas, se não o tivesse feito, quem teria acreditado em mim? Não me basta a dúvida, quero que as pessoas, próximas e desconhecidas, tenham a certeza de que as denúncias que aquelas mulheres fizeram contra mim são falsas.
É por isso que aqui apresento os relatos documentados das minhas relações profissionais com as doze denunciantes. A décima terceira (Mye Tom) foi minha aluna, assistiu às minhas aulas, mas não foi orientada por mim e não tive contatos profissionais com ela. De fato, só tive contatos profissionais continuados com quatro das denunciantes (Sara Araújo, Teresa Cunha, Aline Mendonça e Élida Lauris). Com a autora principal do capítulo difamatório, retirado em setembro de 2023 pela editora do livro (Routledge) por violar a lei inglesa contra a difamação (Lieselotte Viaene), tive três reuniões. Apresento também a documentação sobre as minhas relações profissionais com a única denunciante veladamente mencionada no dito capítulo (Isabella Miranda); com a denunciante que, coincidindo com a publicação do capítulo, deu uma entrevista gravemente difamatória à revista espanhola El Salto (Moira Millán); com uma denunciante que participou de um dos cursos de verão organizados pelo Projeto ALICE (Mariana Cabello Campusano); com uma investigadora cujo contrato não foi renovado no Projeto ALICE (Carla Paiva); e com mais três denunciantes que, pelas razões e documentos que apresento, não posso imaginar por que motivo assinaram a carta (Eva Chueca, Julia Krabbe, Gabriela Rocha).
Ao publicar estes documentos, estou a abrir mão da minha privacidade. Mas faço-o sem medo e com a certeza de que os documentos falam por si: não houve assédio sexual, moral ou laboral, nem extrativismo. Os documentos não mentem e refletem as relações profissionais e de amizade que havia entre mim e aquelas mulheres.
É do conhecimento público que não fui acusado de nenhuma irregularidade pelo CES (remeto o leitor para o texto “Porque me demiti do CES parte 2”, que pode ser consultado em: https://aviagemdosargonautas.net/2025/05/13/porque-me-demiti-do-ces-parte-2-por-boaventura-de-sousa-santos/). Do meu conhecimento, nem houve qualquer acusação, ou sequer denúncia, nos tribunais, na ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho, ou na Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (Cite), que existe em Portugal desde 1979. Ou seja, as pessoas que me denunciam optaram, conscientemente, por manter o assédio de que se queixam fora da apreciação das autoridades. E fizeram-no porque não querem que eu me defenda dessas acusações segundo as regras dos tribunais: igualdade das partes. Por esse motivo, tive eu que recorrer aos tribunais civis e criminais para me defender das denúncias de que só tenho conhecimento pela mídia e pelas redes sociais. Nos tribunais cíveis, em 26 de setembro de 2024, instaurei uma ação especial de tutela da personalidade contra as denunciantes que residem em Portugal. O processo em causa tem em vista, como o nome indica, a proteção de direitos da personalidade, como é o direito ao (bom) nome, que foi premeditadamente atacado na sequência da publicação de uma carta enviada aos órgãos de comunicação social, ao CES, ao Ministério Público e a várias universidades com as quais eu colaborava, pelas mulheres que identifico neste texto.
Ao contrário do expectável (de acordo com as disposições dessa forma de processo), essa ação ainda não terminou. Ainda não foi produzida metade da prova testemunhal. Estranhamente, todos os depoimentos das minhas testemunhas não ficaram audíveis por um alegado problema na gravação (que não existiu quando foram ouvidas as assinantes da carta), estando o Tribunal há vários meses a tentar recuperar as gravações. Caso não o consiga, terão de ser repetidos os depoimentos.
Tentei, ainda numa fase inicial do processo, que o Tribunal impedisse (até que fosse proferida a decisão final) as quatro rés de fazer declarações contra a minha pessoa. Em vão. E, nessa sequência, essas quatro rés, bem como algumas das estrangeiras contra as quais também instaurei um processo de tutela da personalidade (mas que deu entrada mais tarde), deram uma entrevista ao canal Now, acusando-me de vários tipos de assédio.
Em janeiro deste ano, submeti um articulado superveniente, demonstrando a repercussão internacional que as denúncias tiveram na minha vida pessoal e profissional e requerendo a junção de dezenas de testemunhos. Ainda aguardo decisão sobre esse pedido.
Tentei ainda, enquanto o processo estava parado, ser ouvido. Também não me foi permitido.
Talvez por não ser ator querido do público ou jogador de futebol que entusiasma multidões, mas um sociólogo que sempre lutou pelos direitos das minorias (que só é reconhecido por aquelas e por aqueles por quem muito lutei), a comunicação social tem para comigo um tratamento diferente. Não me concede (como faz, e bem, com os que têm a admiração da opinião pública) o direito à presunção de inocência; não publica textos de homens e mulheres extraordinários que, convictos da minha inocência, a proclamam publicamente; não tem interesse em divulgar (ou analisar) as milhares de páginas de documentação (como todas as mensagens e todos os e-mails que troquei com essas denunciantes) e que suportam, sem sombra de dúvida, a minha versão (nunca cometi assédio)! À comunicação social dos dias de hoje interessa o que choca, não a verdade. A absolvição não é notícia. Só o abjeto, só a condenação. Culpa-se porque vende e nada mais interessa.
Tenho 84 anos. Esperei, com a ação de tutela da personalidade, uma decisão rápida que permitisse, de alguma forma, limpar o meu nome. Mas percebo agora, quase um ano depois de instaurar a ação, que essas sentenças não produzirão qualquer efeito útil no meu bom nome. O mal está feito e é irreversível. E, por isso, comuniquei hoje, aos meus advogados, a minha decisão de abandonar as ações cíveis. Não posso, contudo, em consciência, deixar impunes todos e todas que me causaram (e a outras pessoas) este mal. Assim, não sendo possível a tutela do meu nome, não me resta alternativa que não seja a punitiva. Por esse motivo, informo que, ao contrário do que era minha vontade há um ano, instaurei um processo criminal contra todas as assinantes da carta.
Curiosamente, fui recentemente informado de que três dessas mulheres, depois de apresentada a minha queixa, decidiram também agir criminalmente contra mim. E estou plenamente convicto de que o fizeram para tentar pressionar-me a desistir da queixa que apresentei contra elas ou para tentar tirar força à minha queixa: uma comum tática processual habitual dos que não têm a razão do seu lado. E estou convicto disso porque não me acusam de assédio (como fizeram publicamente), mas de difamação. Estas mulheres dizem ter sido assediadas durante anos, tendo dado, nos últimos dois anos, várias entrevistas e publicado várias declarações acusando-me de assédio, mas não apresentaram qualquer denúncia a qualquer entidade sobre esse assédio que dizem ter sofrido, e fazem-no por difamação? Um absurdo! Ou talvez não… Nos tribunais existe o direito ao contraditório, o que significa que a versão das denunciantes iria ser contestada (com abundantes provas) por mim. Na comunicação social não. Porque, na comunicação social, só existe uma versão: a que vende – e não é seguramente a minha.
Bem sei que esta minha declaração vai ter repercussões das denunciantes e, talvez, de algumas figuras públicas e de outras pessoas que, erradamente, acreditam que colocar-se ao lado de quem me denuncia significa defender as vítimas de assédio. Entendo essa posição. É fácil e gera apoio nas redes sociais. Mas dir-lhes-ei que não estão a defender as vítimas de assédio nem a criticar o assédio. Estão a promover a condenação sem prova, de alguém que muito lutou contra as injustiças e deu voz aos desfavorecidos. Honestamente, nesta fase, já não me importa o que digam. Tenho muito orgulho do meu caminho profissional e pessoal. Mas, se estiverem interessados em saber realmente o que aconteceu, perguntem-se: “O que é que eu sei sobre este caso?” Nada, provavelmente. Mas convido-os a saber, caso pretendam criticar-me e acusar-me de forma fundamentada (não espero, alguma vez, que me defendam, porque os adultos raramente mudam de opinião e não admitem erros).
Publico hoje, no meu site, os respectivos links https://www.supportboaventuradesousa.com/, mais todos os documentos que apresentei em tribunal sobre todas as denunciantes.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.