Marcelo Zero avatar

Marcelo Zero

É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado

485 artigos

HOME > blog

Democracia?

A recente imposição de uma censura prévia aos jornalistas que cobrem o Pentágono recorda, com efeito, o que ocorria no Brasil na ditadura militar

Presidente dos EUA, Donald Trump (Foto: Reuters)

As previsões feitas por Steven Levitsky e Lucan A. Way em “O Caminho para o Autoritarismo Americano -O Que Vem Depois do Colapso Democrático” estão sendo ultrapassadas pela realidade.

A transição da democracia americana para uma autêntica e dura autocracia está ser revelando bem mais célere e profunda que o previsto.

A ofensiva de Trump contra a liberdade de expressão e de imprensa, em particular, assusta e começa a evocar a memória da ditadura militar brasileira.

A recente imposição de uma censura prévia aos jornalistas que cobrem o Pentágono recorda, com efeito, o que ocorria no Brasil na ditadura militar.

Agora, esses jornalistas terão de submeter suas pautas e textos às autoridades do Pentágono, para que possam ser liberados. Esses profissionais da imprensa terão também de andar com “escolta” em muitos setores do imenso prédio do Pentágono.

Tal decisão do Pentágono também poderá se estender a outros órgãos públicos dos EUA.

A decisão não é, obviamente, isolada.

Ela vem no esteio de uma série de medidas antidemocráticas, como a perseguição a estudantes e professores, a violência contra imigrantes, ofensivas contra universidades, museus e instituições culturais, processos bilionários contra jornais, ameaças de cancelamento de concessões de televisões e rádios, cancelamentos de shows de sátira política, ameaças contra escritórios de advocacia, campanhas anticiência e antivacina, intervenções militares em cidades controladas por Democratas etc.

Na sexta-feira, Trump demitiu o procurador Erik S. Siebert por ter fracassado em promover acusações contra Letitia James, New York Attorney General e desafeta política de Trump.

O cerco à democracia é geral.

Como bem observaram Steven Levitsky e Lucan A. Way, a democracia sobreviveu ao primeiro mandato de Trump porque ele não tinha experiência, plano ou equipe. Ele não controlava o Partido Republicano quando assumiu o poder em 2017, e a maioria dos líderes republicanos ainda estava comprometida com as regras democráticas do jogo. Trump governou com republicanos e tecnocratas do establishment, e eles o constrangeram em grande parte. 

Nada disso é mais verdade hoje em dia. Desta vez, Trump deixou claro que pretende governar com apoiadores leais. Ele agora domina o Partido Republicano, que, expurgado de suas forças anti-Trump, agora se submete vilmente ao seu comportamento autoritário.

Na realidade, sua equipe é um aglomerado de “incitati”, sem quaisquer qualificações para exercer os cargos. A única qualidade exigida é a da lealdade incondicional ao Imperador e aos desvarios ideológicos do MAGA. 

As suas reuniões de gabinete são demonstrações patéticas e vergonhosas de bajulações ridículas e hiperbólicas. Não há, como se diz, “adultos na sala”.

E é esse presidente profundamente autoritário, medíocre e vingativo que ousa criticar o Brasil, com base na Primeira Emenda da Constituição dos EUA, o texto constitucional que ele mais ataca, com suas medidas delirantes e autocráticas.

Steven Levitsky e Lucan A. Way afirmam, no texto citado, que os EUA não se converterão em uma ditadura pura e simples, mas sim em um “autoritarismo competitivo”, no qual as balizas constitucionais continuarão a existir e a oposição poderá operar, embora com constrangimentos.

Contudo, da maneira como as coisas estão se conduzindo, essa poderá ser uma previsão otimista. É preciso não esquecer que Trump, antes de Bolsonaro tentou dar um golpe com a invasão do Capitólio de 2021, crime pelo qual ele nunca respondeu, ao contrário do acontecido com o “Trump dos Trópicos”.

Como Bolsonaro, Trump não tem nenhum apreço pela democracia e sonha em se impor pela força, tanto no cenário externo quanto interno. 

Assim, a queda da democracia americana, que está combinada com a relativa queda geopolítica dos EUA, poderá ser, repito, mais extensa que o previsto.

Na realidade, o tecido social e político dos EUA está se esgarçando a olhos vistos e a polarização, alimentada pela total impunidade de Trump e do Maga, e pela falta de reação das instituições democráticas, está colocando aquele país ao borde de rupturas e de enfrentamentos civis.

Como já se afirmou na The Economist, no Guardian, no The New York Times e outras publicações estrangeiras, o Brasil está dando lições de maturidade democrática a um EUA irreconhecível, apático e atemorizado.

Esse esforço brasileiro, reconhecido mundialmente, não poderá destruído pela agenda descabida e vergonhosa da anistia aos agressores da democracia, combinada com a blindagem a criminosos. 

Não podemos cair ao nível dos EUA de Trump. Nossa bandeira é outra.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

Artigos Relacionados

Carregando anúncios...