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Leonardo Attuch

Leonardo Attuch é jornalista e editor-responsável pelo 247.

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Da viagem de Jango à China à condenação de Bolsonaro: o que eu disse aos jovens líderes chineses sobre o fio que une a História

Brasil e China estão diretamente conectados pela História

Mesa-redonda entre Leonardo Attuch e jovens líderes chineses em Pequim (Foto: Divulgação)

Nesta quarta-feira, 10 de setembro, tive o privilégio de dialogar com um grupo de jovens líderes da China, mentes brilhantes que integram o programa Diálogo de Jovens Líderes Globais (GYLD), na sede da Academia de Estudos Contemporâneos sobre a China e o Mundo (ACCWS), em Pequim. Foi um encontro riquíssimo, em que foi possível viajar pelo tempo e mostrar como as histórias de Brasil e China estão diretamente conectadas — desde a visita de João Goulart à China, em 1961, até a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro e de militares golpistas pelo Supremo Tribunal Federal, ocorrida no dia seguinte, quinta-feira, 11.

Recordei aos jovens intelectuais que a visita de Jango a Mao Zedong, em 1961, ocorreu na mesma semana em que o presidente Jânio Quadros renunciou, alegando “forças ocultas”. Na prática, cedeu às pressões de militares alinhados a Washington. A presença do vice-presidente brasileiro na “China comunista” serviu de pretexto para uma crise que quase antecipou a ditadura militar brasileira, consumada três anos depois, em 1964.

Jango só assumiu a presidência em razão da Campanha da Legalidade, liderada por Leonel Brizola, e também após uma negociação que reduziu seus poderes, ao implantar o parlamentarismo. Mesmo assim, os Estados Unidos temiam que o Brasil seguisse o caminho da China. O resultado todos sabemos: o golpe de 1964, que mergulhou o país numa ditadura de 21 anos.

O encontro histórico entre João Goulart e Mao Zedong, em 1961
O encontro histórico entre João Goulart e Mao Zedong, em 1961(Photo: Divulgação)Divulgação

Bolsonaro e a repetição da história

Contei também como esse fio condutor chega ao presente. O Brasil viveu, em 2023, nova tentativa de golpe, liderada por Bolsonaro e setores militares. E eu estava naquela mesa-redonda com jovens brilhantes chineses justamente quando o STF iniciava o julgamento inédito de um ex-presidente por conspirar contra a democracia.

Dois dias depois da palestra, na manhã de 12 de setembro na China (e tarde de 11 de setembro no Brasil) a história se fechou: o STF formou maioria para condenar Bolsonaro e sete aliados, num marco histórico. O voto da ministra Cármen Lúcia foi categórico: o 8 de janeiro não foi um ato banal, mas parte de uma “empreitada criminosa” para abolir o Estado Democrático de Direito.

Era como se, ao falar em Pequim, eu estivesse acompanhando o desfecho de um livro iniciado em 1961, com a viagem de Jango, e que só agora, em 2025, encontrou uma conclusão.

Também relatei ao grupo que a história não é feita apenas de rupturas, mas também de reencontros. Depois da visita de Richard Nixon à China, em 1972, o Brasil retomou relações diplomáticas com Pequim em 1974. Hoje, a China é nosso maior parceiro comercial, destino prioritário da soja e da carne bovina brasileiras, além de grande investidora em energia renovável e mobilidade elétrica. Ou seja: João Goulart foi visionário. Enxergou com antecedência quão forte seria a relação Brasil-China, ainda que tenha pago um preço por seu pioneirismo.

O momento decisivo do Sul Global

Concluí lembrando que vivemos outro momento decisivo. O Sul Global emerge como ator central num mundo multipolar, com os BRICS como eixo de articulação entre os países emergentes e a Iniciativa de Governança Global apresentada pelo presidente Xi Jinping na cúpula da Organização para a Cooperação de Xangai (OCX), apontando um caminho concreto para um multilateralismo real. 

A condenação de Bolsonaro, cujos apoiadores erguem a bandeira estadunidense e sonham com a volta da ditadura, mostra que o Brasil finalmente enfrenta seu passado golpista e autoritário. A viagem de Jango a Pequim, em 1961, e o julgamento histórico de agora fazem parte de um mesmo fio. Sessenta e quatro anos depois, parece que a História fecha um ciclo.

Além disso, lembrei a eles sobre o papel de Rubens Paiva, que denunciou o papel do imperialismo no golpe de 1964 e foi brutalmente assassinado, citando ainda a vitória do filme “Ainda estamos aqui", baseado na obra de Marcelo Rubens Paiva, como Melhor Filme Estrangeiro no Oscar de 2025.

No dia de hoje, os golpistas foram finalmente derrotados e julgados por seus crimes. É um dia de celebração, mas também de prestar um tributo a João Goulart.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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