Caminhos
De Espinoza a Teresa de Ávila, pensadores mostram como caminhar pode simbolizar o esforço de encontrar significado, liberdade e comunhão
Caminhada pode simbolizar a busca por sentido. Afinal, como lembra Espinoza (1632-1677), a vida não é um dado vago, mas algo concreto, as exigências que a vida nos faz são sempre bem concretas. Nenhuma pessoa pode ser comparada a outra, nenhum destino pode ser comparado a outro, nenhuma situação se repete. Na maneira como uma pessoa enfrenta seus desafios e sofrimentos está também a possibilidade de vitórias únicas e singulares. A emoção que é sofrimento deixa de ser sofrimento quando dela formamos uma ideia clara e nítida, caminhando.
Para Albert Camus (1913-1960), a caminhada simboliza a busca por significado diante do absurdo da existência. É um ato de consciência e de liberdade, onde a satisfação pode ser encontrada no próprio esforço e na vivência da plena realidade, e não em abstrações futuras. Sair para caminhar, segundo o autor, é uma forma de encontrar significado, respirar e afirmar a própria existência, focando em fins a serem alcançados. Caminhar é uma forma de não ceder, é uma forma de manter-se vivo, ato de resistência diante de cenários desesperadores.
Para Vitor Frankl (1905-1997), a liberdade interior do ser humano, a qual não se lhe pode tirar, permite-lhe até o último suspiro configurar sua vida de modo que tenha sentido. Pois não somente uma vida ativa tem sentido, dando à pessoa a oportunidade de concretizar valores de forma positiva. Não há sentido apenas no gozo da vida. Também há sentido naquela vida que dificilmente oferece uma chance de se realizar criativamente e em termos de experiência, mas que lhe reserva apenas uma possibilidade de configurar o sentido da existência, precisamente na atitude com que a pessoa se coloca face à restrição forçada sobre o seu ser.
Frankl propõe que quanto mais uma pessoa dedica-se a uma boa causa ou a amar outra pessoa, mais humana ela será e se realizará. Esta característica constitutiva do ser humano é denominada de auto-transcendência. A autorrealização só é possível como efeito colateral da auto-transcendência.
Ele comenta que uma pessoa pessimista é aquela que observa com temor e tristeza que a folhinha do calendário na parede vai ficando mais fina cada dia que passa. Por outro lado, a pessoa que enfrenta ativamente os problemas da vida é como aquele que, dia após dia, vai destacando a folhinha do seu calendário e cuidadosamente guarda junto às precedentes, com todos os apontamentos referentes ao dia anterior. E assim vai formando um livro, uma obra-prima.
Frankl propõe que transformemos criativamente os aspectos negativos da vida em algo positivo ou construtivo. Fazer de limões, limonadas. Transformar o sofrimento numa conquista e numa realização humana, criando a oportunidade de mudar a nós mesmos para melhor. Fazer da transitoriedade da vida um incentivo para realizar ações responsáveis. Afinal, todo ser humano é capaz de mudar a qualquer instante. Mas sem a responsabilidade, liberdade está em constante perigo de degenerar, transformando-se em mera arbitrariedade.
Hoje, 15 de outubro, comemora-se a data da espanhola Teresa de Ávila (1515-1582), considerada uma das mais importantes personalidades da mística cristã, com sua obra Castelo Interior (Moradas), escrita em 1577.
Seu livro é um convite ao cultivo da vida interior, por meio de um exercício contemplativo de mergulho no castelo da alma, onde Deus habita no centro, percorrendo o caminho de autoconhecimento e transcendência.
Para Teresa, a oração não é uma obrigação ou mera formalidade, mas o diálogo amoroso e íntimo com Deus. Portanto, é acessível a todos, mesmo em tempos de aridez espiritual. Perseverar neste diálogo é essencial para o crescimento interior.
Por sua vez, Chiara Lubich (1920-2008) propõe que o amor fraterno, vivenciado concretamente entre membros de uma comunidade, constrói um “castelo exterior” no qual Deus também se manifesta. Para ela, Deus está presente na comunhão entre as pessoas, especialmente quando colocam em prática, de forma concreta e perseverante, o amor recíproco determinado por Jesus de Nazaré: “Eis o meu mandamento: amai-vos como eu vos amei”.
Há uma relação dialógica entre os castelos de Teresa e de Chiara. O caminho interior de Teresa prepara a pessoa para o amor ao próximo. Já o amor vivido na comunidade, na proposta de castelo exterior de Chiara, fortalece a vida interior dos indivíduos. Teresa representa uma mística contemplativa interior e Chiara uma mística da concretude exterior. Ambas afirmam que Deus habita tanto no centro da alma como no centro da vida da comunidade.
Por fim, como diria o poeta, “o caminho está no caminhar”.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.



