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Regina de Aquino

Professora titular aposentada do DMAT-CCE-UFES

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Estamos, meu bem, por um triz

Estamos a um ano, do que eu considero, como muitos, ser a mais importante eleição da nossa história

Funcionários da Justiça Eleitoral preparam urnas eletrônicas para eleição (Foto: REUTERS/Diego Vara)

Há 6 anos atrás, no meio do primeiro ano do governo do ex-presidente, aquele que acabou de ser condenado por tentativa de golpe de Estado, eu escrevi um artigo, publicado aqui no Brasil 247 (https://www.brasil247.com/blog/vai-passar), que era como um aviso para mim mesma e todos que pudessem ler aquele texto : “Vai Passar…”! No último parágrafo do artigo, eu dizia:

“Nesse momento eu me apego às pessoas que conheço, à música e aos sábios. Assim, agora, depois que o desconhecido se revela, só consigo pensar, que Vai passar… “

E não é que passou!? Naquele momento, entramos em mais uma das horas escuras da história brasileira. Os fantasmas e algozes da ditadura militar, do golpe de 64 ressurgiam e nos sufocavam. O futuro do país bambeava a beira do abismo. E eu construí esse mantra interno. “Vai passar…” Mas não era, uma afirmação passiva ou omissa, de quem fica na janela, tal Carolina, e não vê o tempo passar. Eu terminava aquele artigo com as sábias palavras de Paulo Freire: “Enquanto eu luto, sou movido pela esperança; e se eu lutar com esperança, posso esperar”. Era a certeza, de que sabíamos esperar, sabíamos lutar e também, sabíamos como vencer e limpar os engulhos que regurgitavam da garganta do autoritarismo... Entravámos no modo “resistência”.

Minha geração, que cresceu em sua meninice e juventude, debaixo da bota militar, não conhecia a Liberdade Civil dentro de uma Democracia. A anterior, havia experimentado esse sabor de forma plena, e muitos morreram lutando para preservá-lo. Mas, muitos da minha geração, apesar de não saber sobre liberdades e democracia, acreditava, entre outras coisas, que Cultura Popular e Política, andam juntas, são irmãs quase siamesas, que se entrelaçam e se alimentam mutuamente.

Podemos observar essa minha constatação, no efeito que as comunidades eclesiásticas de base surtiram na luta política dos anos 70; na influência dos artistas na resistência dos jovens no início dos anos 80 e, nos dias de hoje, no modo como se comportam os evangélicos, que tentam impor à Nação, através da Política, seu modo de vida, sua Cultura.

Naquela época, nos anos 70 e 80, tínhamos os artistas. Em particular, os compositores de canções que traduziam nossos sentimentos e os cantores, nossos mensageiros, que faziam a Voz dessa geração sedenta por Liberdades, por falar, por romper o silêncio que os anos de chumbo nos impuseram. No último dia 21 de setembro, uma parte significativa desses mensageiros se reuniram, mais uma vez, para expressar nossos anseios e a nossa luta, por um Brasil soberano e democrático. E se fizeram Voz, novamente. Quando cantam para nós, falamos nós.

Estamos num momento crucial da construção da nossa democracia. Por fim, conseguimos lancetar e expurgar parte do ranço militar que impera no país e gangrena nossos sonhos de um país democrático com Justiça social. Estamos limpando as masmorras e nos livrando do cheiro de sangue e morte que os militares da ditadura de 64 trouxeram ao país e que, seus subordinados à época, a maioria da caserna e os saudosos do autoritarismo, ainda tem.

Estamos respondendo, no nosso tempo, aos brasileiros que sofreram e morreram nos quartéis, nas salas do inferno, nas ruas e campos do país. O tempo não é linear. Estamos conectados com as gerações passadas, suas lutas, suas histórias. E esse é um momento de “time loop”, em que o Tempo faz a História se dobrar em si mesma, e a calçada manchada de sangue ressurge nas lutas que travamos, hoje, e nos chama a honrar esse legado.

Estamos a um ano do que eu considero, como muitos, ser a mais importante eleição da nossa história, em que uma escolha crucial se impõe: persistiremos na construção de nossa democracia ou desistiremos dela, de vez, se curvando ao ranço de classes e do autoritarismo militar. De fato, a eleição já começou, posto que Cultura e Política se constroem no dia-a-dia, nos detalhes do cotidiano, nas conversas de ruas e bares, nos almoços em família e nas redes sociais. E a escolha está posta.

Estamos a um passo de consolidar essa escolha crucial. A campanha para a eleição de deputados progressistas, para a construção de um Novo Congresso comprometido com os ideais do Estado de Bem Estar Social e distribuição das riquezas produzidas no Brasil para o povo trabalhador, já começou. Assim como a campanha para renovar um Senado Federal que seja capaz de ser a pedra de sustentação dos nossos mais caros ideais, um país soberano, com justiça social e tributária.

Há 40 anos, na campanha pelas “Diretas Já”, iniciávamos nossa caminhada por essa Estrada da Democracia, onde minha geração e as anteriores a minha geração, que resistimos ao golpe de 64, esperavam encontrar Solidariedade, Dignidade e Empatia. Aprendemos que Democracia não é estrutura, como casa que se constrói e se usufrui, com manutenções e reformas. Não é assim, caros amigos e amigas. Estruturas (democráticas) são partes fundamentais da Democracia, mas somente parte.

Democracia é caminho que se percorre, é escolha a cada passo desse caminho. E a nossa democracia brasileira é construção conjunta e cotidiana da Cultura e da Política. E cada um é chamado a dar sua contribuição. Todos os dias, ao longo de todo o caminho.

E eu, para as minhas escolhas e contribuições, sigo me inspirando nas pessoas que conheci ao longo da caminhada; nos companheiros e companheiras de luta; na música, suas mensagens e seus mensageiros; e, nos sábios e suas reflexões. E sigo cantando...“Estamos, meu bem, por um triz, pro dia nascer feliz”.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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