Andrónico Rodríguez é a alternativa para Bolívia
Candidato simboliza renovação da esquerda boliviana e ameaça direta ao avanço da extrema direita no país
Do alto de seus 36 anos, Andrónico Rodríguez é presidente do Senado e está em destaque no cenário político da Bolívia. Ele tem chances reais de se tornar o próximo presidente do país andino no pleito que acontecerá no domingo, 17, com sincero apoio popular da classe trabalhadora. Tal situação decorre de seu histórico pessoal e familiar, de sua militância e das circunstâncias políticas e sociais conturbadas daquele país.
Rodríguez tem rosto indígena, como a maioria da população. Nascido e criado no seio do movimento sindical cocalero, em Sacaba, no estado de Cochabamba, é filho de trabalhadores rurais e produtores agrícolas. Foram essas as influências que moldaram o adulto e o político que se tornou. Sua breve trajetória política inclui participação ativa em debates e manifestações públicas, mobilização social em prol da organização das massas e reivindicações ao poder público. Aos 18 anos, Rodríguez ingressou no curso de Ciência Política da Universidade Mayor de San Simón e logo compreendeu que, na Bolívia, para se firmar politicamente e no campo da esquerda, é fundamental ter presença sólida em Cochabamba.
E isso ocorreu com Rodríguez. Ele foi presidente das juntas universitárias das Seis Federações Cocaleras dos Trópicos de Cochabamba e, em seguida, vice-presidente das Federações. Com tal perfil político, não poderia deixar de integrar as fileiras do Movimento ao Socialismo (MAS), partido que venceu as últimas cinco eleições presidenciais — quatro com Evo Morales e uma com o atual presidente, Luis Arce.
Ao observar sua trajetória, é possível perceber que Andrónico Rodríguez trilha um caminho consistente rumo à Presidência da Bolívia. Em 2019, candidatou-se ao Senado, mas, naquele momento, a extrema direita do país de maioria indígena colocou em prática uma de suas manobras históricas na América Latina: o golpe. Em novembro de 2020, Evo Morales e seu vice-presidente, Álvaro García Linera, renunciaram, e o país — que tem uma das Constituições mais avançadas da região — mergulhou numa ditadura de viés teocrático.
O que ocorreu em resumo? Jeanine Áñez, ex-senadora, assumiu o poder; Evo Morales deixou o país, exilado; e as eleições foram anuladas. O papel de Andrónico Rodríguez, diante disso, foi unir forças com as principais lideranças populares e se insurgir contra o arbítrio. À frente do enfrentamento ao governo golpista, sua relevância não pôde ser ignorada. Mesmo nutrindo ódio e temor, Áñez sentiu-se obrigada a convidá-lo para integrar o malfadado Acordo de Pacificação. Com altivez e senso democrático, ele recusou. Optou, em vez disso, por se encontrar com famílias brutalmente agredidas durante o Massacre de Senkata, quando militares atacaram manifestantes que pediam o fim do golpe, em El Alto, cidade de La Paz. A partir daí, conquistou corações e mentes como novo líder cocalero.
Rodríguez sempre esteve ligado ao MAS e a Evo Morales, conexão que elevou seu nome nacionalmente. Hoje, porém, afastou-se de ambos e caiu nas pesquisas. É candidato pelo Movimento Terceiro Sistema, uma aliança popular que mantém viva, no campo progressista, a percepção de que ele é a principal alternativa pós-Evo para impedir a vitória da extrema direita. Evo Morales está impedido de concorrer, e Luis Arce não buscará a reeleição. Arce perdeu apoio popular e político de Morales, com quem disputou liderança no MAS; hoje, são desafetos. Morales foi além: deixou o MAS e criou o partido Evo Pueblo. Assim, o espaço à esquerda está aberto para Rodríguez.
Entretanto, como em outros países da América Latina, a extrema direita segue atenta e articulada também na Bolívia. Pesquisas oficiais indicam dois candidatos desse campo na liderança: Samuel Doria Medina e Jorge “Tuto” Quiroga.
Tuto, 64 anos, é um neoliberal agressivo. Foi vice-presidente entre 1997 e 2001 de Hugo Banzer, militar que governou em período ditatorial, e conta com apoio do empresário Branko Marinkovic, ex-ministro de Jeanine Áñez. Doria, um ano mais velho, foi ministro do Planejamento em 1991, período marcado por reformas de livre mercado e privatizações. Tuto é inimigo declarado do setor cocalero e defende que a região de Chapare, onde Evo Morales é forte, receba um braço da Administração de Controle de Drogas dos Estados Unidos (DEA).
Caso a extrema direita vença, é provável que a Bolívia enfrente convulsão social e aumento da violência, pois o país ainda sente os efeitos do golpe e do governo de Áñez. Andrónico Rodríguez liderou as pesquisas com folga no início do ano, mas agora recuou. Ainda assim, tudo indica que os números atuais são apenas uma fotografia desfocada. Apesar da juventude, ele não deve ser subestimado: o presidente do Senado está preparado para ocupar o Palacio Quemado. Para Rodríguez, vale lembrar o pensamento de Ernesto Guevara, o libertador argentino que morreu em La Higuera, na Bolívia: Hasta la victoria, siempre!
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.



