O cerco silencioso: anatomia da guerra política no Brasil atual
O cerco contra o governo e as instituições democráticas no Brasil se intensifica em 2025
O Brasil chega à metade de 2025 em estado de tensão política latente. A sensação de normalidade institucional é apenas aparente. O que está em curso é uma ofensiva contínua e multifacetada contra o governo eleito, contra a soberania democrática e contra os próprios mecanismos de sustentação republicana do país. Essa ofensiva não é inédita, mas atinge agora um novo patamar de sofisticação e intensidade. O cerco que se fecha sobre o governo Lula, sobre o Supremo Tribunal Federal e sobre os setores democráticos da sociedade não se dá apenas nas arenas visíveis do parlamento e da imprensa. Ele se articula também no campo financeiro, nas dinâmicas algorítmicas das plataformas digitais, na produção simbólica da deslegitimação e na captura da percepção pública por forças que operam dentro e fora do território nacional.
O que torna 2025 um ponto de inflexão é o fato de que a disputa política já não se restringe a divergências programáticas, nem à oscilação entre campo progressista e conservador. Trata-se agora de uma disputa sobre a própria possibilidade de existência de um Estado com capacidade de regular a economia, proteger os direitos sociais e resistir às formas contemporâneas de dominação transnacional. O atual governo não enfrenta apenas oposição, mas um processo articulado de enfraquecimento contínuo que combina chantagem parlamentar, sabotagem econômica, manipulação informacional e guerra cultural.
Este processo não é resultado do acaso. Ele expressa o esgotamento de um ciclo histórico e a consolidação de um novo tipo de conflito, onde as instituições são atravessadas por vetores de instabilidade permanente. O cerco se intensifica à medida que o sistema político, a elite econômica e os operadores da guerra informacional identificam no governo Lula, mesmo com todas as suas limitações, a ameaça de uma inflexão mínima em direção a um projeto de país. A reação a essa possibilidade é violenta, coordenada e persistente.
Neste cenário, é fundamental abandonar as categorias tradicionais de análise. Já não estamos diante de uma democracia liberal em funcionamento normal. Tampouco se trata de uma crise episódica que será superada com habilidade política e concessões graduais. O que está em curso é um tipo de guerra de desgaste institucional e simbólico, onde o objetivo não é vencer pelo voto ou pelo argumento, mas impedir a reconstrução do Estado como mediador legítimo de interesses sociais. O cerco é silencioso, mas é guerra. E como toda guerra, opera na desestabilização contínua, no bloqueio das iniciativas, na corrosão da confiança pública e na produção sistemática da impotência política.
A crise não é nova: o esgotamento do pacto institucional e a reconfiguração do Estado pós-2016.
A ofensiva contra o governo e contra a democracia brasileira em 2025 não nasce no presente. Ela é expressão de uma longa e progressiva decomposição do pacto institucional que sustentou a redemocratização formal iniciada em 1988. O que se observa hoje é o desdobramento lógico de um processo que teve início ainda nos primeiros conflitos distributivos do século XXI, ganhou contornos mais definidos a partir de 2005, aprofundou-se com as jornadas de 2013 e assumiu forma de ruptura em 2016 com o impeachment fraudulento da presidenta Dilma Rousseff. Desde então, o sistema político brasileiro deixou de operar como espaço de mediação de interesses conflitantes para se tornar um campo de dominação de classe direta, conduzido por mecanismos de exceção permanentes.
A partir de 2016, o Estado brasileiro foi reorganizado sob uma nova lógica. A Presidência da República perdeu centralidade decisória. O Congresso passou a exercer poder de veto sobre qualquer projeto que confrontasse minimamente os interesses do capital financeiro, da grande mídia ou da elite patrimonialista. O Poder Judiciário, particularmente o Supremo Tribunal Federal, foi submetido a um processo constante de intimidação e desgaste público. As forças de segurança e os aparelhos de inteligência passaram a operar cada vez mais de forma autônoma, ora em conivência, ora em conluio com forças políticas e econômicas que atuam contra o pacto democrático.
Essa reconfiguração não foi improvisada. Ela foi estrategicamente conduzida por atores que compreenderam que a democracia representativa só seria tolerada enquanto não colocasse em risco os pilares da acumulação neoliberal, da subordinação externa e do controle oligárquico sobre os recursos do Estado. A partir do momento em que políticas de redistribuição, valorização do trabalho, soberania energética ou integração regional começaram a produzir resultados concretos, o sistema reagiu com virulência. O lawfare, a judicialização seletiva da política, a desinformação massiva e o moralismo reacionário foram mobilizados como armas de guerra. O objetivo era claro. Deslegitimar, isolar, neutralizar e, se possível, destruir qualquer possibilidade de inflexão histórica em direção a um projeto popular.
O governo Lula, em seu terceiro mandato, não rompeu com essa estrutura. Ao contrário, ele governa dentro dela, cercado por limitações brutais, chantagens diárias e um ambiente hostil tanto no plano institucional quanto no campo simbólico. A normalidade institucional é uma ficção útil para os setores que lucram com a instabilidade crônica. Enquanto os operadores da política institucional fingem normalidade, o sistema vai sendo corroído por dentro. A crise já não é episódica. Ela é estrutural. E o Estado brasileiro, reorganizado após 2016, tornou-se um território em disputa assimétrica, onde as forças democráticas atuam em permanente desvantagem, sem instrumentos institucionais reais para enfrentar o poder financeiro, a máquina de desinformação e a guerra cultural em curso.
O governo sob ataque: como opera o cerco de múltiplas frentes.
O cerco contra o governo Lula não é produto de um único ator, nem de uma ação coordenada centralizada. Sua força reside justamente na multiplicidade de frentes, na convergência de interesses e na dispersão tática dos seus operadores. A guerra política em curso se estrutura de forma distribuída, combinando vetores parlamentares, financeiros, midiáticos, jurídicos, digitais e culturais. É essa simultaneidade de frentes, cada uma com seu próprio ritmo e linguagem, que torna o cerco tão eficaz quanto difícil de nomear. O governo não enfrenta um inimigo específico. Enfrenta uma lógica de poder que se reproduz por dentro das próprias instituições.
No plano parlamentar, o governo se vê imobilizado por uma correlação de forças francamente desfavorável. A base bolsonarista não apenas sobreviveu à derrota eleitoral de 2022 como se reorganizou e se fortaleceu. Aliada ao centrão e alimentada por uma retórica de sabotagem sistemática, ela opera dentro do Congresso como uma maioria informal dedicada a bloquear, distorcer ou desmontar qualquer iniciativa governamental que dialogue com os interesses populares ou a soberania nacional. Projetos são desfigurados antes de chegarem ao plenário. Emendas orçamentárias são negociadas com lógica de mercado. Leis são instrumentalizadas para produzir escândalos, fabricar crises e manter o governo na defensiva.
No campo econômico, o mercado financeiro atua como poder de veto. Qualquer tentativa de promover políticas de distribuição de renda, fortalecimento do Estado ou investimento público é imediatamente combatida por meio de alerta de risco, flutuação do câmbio e cobertura midiática alarmista. A governabilidade é submetida à lógica do capital, que exige estabilidade apenas quando esta coincide com seus próprios interesses. A política monetária é blindada institucionalmente, mas funciona como instrumento de pressão. O Banco Central, formalmente autônomo, atua como agente do rentismo, promovendo sabotagens silenciosas contra o crescimento, o emprego e o investimento produtivo.
No campo midiático, as grandes corporações de comunicação mantêm uma cobertura assimétrica, marcada pela desconfiança sistemática, pela ênfase em crises fabricadas e pela omissão deliberada dos avanços do governo. O espaço simbólico é permanentemente tensionado. As manchetes constroem uma percepção de fracasso, descontrole e paralisia. Colunistas e comentaristas especializados se revezam na tarefa de minar a legitimidade das políticas públicas, reproduzindo as narrativas do mercado sob a fachada de análise técnica. O jornalismo político tornou-se um instrumento de disciplinamento ideológico.
Na esfera digital, o cerco assume contornos ainda mais sofisticados. As plataformas de redes sociais, sob controle de big techs estrangeiras, modulam algoritmicamente o debate público. A distribuição de conteúdos progressistas sofre limitação invisível. A monetização favorece vozes reacionárias e desinformativas. A lógica do engajamento privilegia o discurso de ódio, a simplificação grosseira e a radicalização emocional. O governo, mesmo com presença institucional nas redes, atua num ambiente hostil, onde sua mensagem é sistematicamente interceptada, desqualificada ou distorcida por máquinas de produção simbólica a serviço da antipolítica.
No plano jurídico e institucional, seguem operando núcleos remanescentes da estratégia de lawfare. Promotores, juízes e policiais federais agem com seletividade, alimentando investigações espetaculosas que servem mais à dramaturgia política do que ao devido processo legal. Inquéritos são abertos com base em recortes de rede social, delações vazias ou denúncias plantadas na imprensa. As comissões parlamentares de inquérito, como a do INSS, transformam-se em palcos de humilhação pública, fabricando escândalos para gerar manchetes e municiar as redes de desinformação.
A guerra cultural, por fim, é o pano de fundo permanente. Operada por think tanks, igrejas neopentecostais, influenciadores digitais e setores militares, ela reconfigura o senso comum e transforma disputas políticas legítimas em batalhas morais. O antifeminismo, o anticomunismo, o negacionismo climático e o discurso contra os direitos humanos se articulam como vetores de mobilização afetiva, gerando ressentimento social e deslegitimação da democracia como valor.
Este é o desenho do cerco. Um sistema que opera por redundância estratégica. Quando o Congresso cede, o mercado aperta. Quando a imprensa esfria, a internet incendeia. Quando a Justiça hesita, a moral religiosa grita. Quando a política resiste, a cultura ataca. O governo se vê imerso numa guerra assimétrica, em que cada frente alimenta as demais, produzindo uma sensação permanente de crise e uma paralisia programada da capacidade de governar.
A aliança invisível: Big Techs e mercado como operadores da nova hegemonia.
A engenharia do cerco contra o governo Lula não se sustenta apenas em forças visíveis como o parlamento ou a mídia tradicional. Ela é estruturada a partir de uma aliança tácita, mas profundamente eficaz, entre dois vetores centrais do poder contemporâneo: o mercado financeiro e as plataformas digitais. Cada um opera com sua própria lógica, mas ambos compartilham um objetivo comum. Manter o país sob um regime de dominação informacional e econômica que inviabilize qualquer tentativa de reconstrução democrática, distributiva ou soberana. Essa aliança silenciosa, mediada por fluxos de capital, dados e algoritmos, é o coração da nova hegemonia em disputa no Brasil de 2025.
No plano econômico, o mercado financeiro deixou de ser apenas um ambiente de especulação para se consolidar como um agente político direto. Suas ferramentas são bem conhecidas. Volatilidade do câmbio, pressão sobre juros, narrativas sobre risco-país, downgrades simbólicos promovidos por bancos e corretoras, recados cifrados enviados por analistas travestidos de técnicos. A lógica de atuação é clara. O governo pode existir, desde que não governe. Qualquer aceno à ampliação de investimentos públicos, à valorização do trabalho, à taxação dos super-ricos ou à revisão do teto de gastos é imediatamente interpretado como ameaça à ordem. A resposta vem em forma de sabotagem silenciosa. Dólar em alta, mercado “nervoso”, editoriais alarmistas. A política econômica é assim submetida a um regime permanente de chantagem e coerção.
O poder do mercado, no entanto, seria limitado sem o reforço simbólico oferecido pelo ecossistema digital controlado pelas big techs. A esfera pública brasileira está hoje submetida a mecanismos de mediação algorítmica que definem o que circula, o que viraliza e o que é silenciado. As plataformas não são neutras. Elas operam a partir de modelos de negócios que recompensam o engajamento tóxico, a radicalização emocional e a polarização antissistêmica. Esse modelo favorece, estruturalmente, a extrema-direita, os desinformadores profissionais e os discursos antipolítica. O governo Lula e os setores progressistas atuam em desvantagem estrutural nesse terreno, porque dependem de princípios como responsabilidade, complexidade e racionalidade, que são sistematicamente punidos pelos algoritmos de alcance e monetização.
O funcionamento cotidiano dessas plataformas é o da guerra cognitiva automatizada. Redes coordenadas, bots, impulsionamento artificial de conteúdos, desinformação em escala, memes fabricados por inteligência artificial, vídeos cortados para viralizar fora de contexto, ataques organizados a figuras públicas. As instituições democráticas, especialmente a Presidência da República e o Supremo Tribunal Federal, tornaram-se alvos sistemáticos desse circuito. Qualquer fala do presidente é imediatamente desfigurada por uma avalanche de distorções que antecedem e superam sua circulação institucional. A autoridade é corroída em tempo real. O STF, por sua vez, é bombardeado com narrativas conspiratórias que o associam a censura, perseguição ou corrupção. O objetivo é simples e eficaz. Quebrar os últimos pilares de legitimidade institucional que ainda sustentam a democracia formal.
Essa aliança entre mercado e plataformas produz um efeito cumulativo. A desconfiança que o mercado planta, a big tech amplifica. A desinformação que circula nas redes legitima o veto financeiro. A narrativa de crise gera fuga de capitais, convertida em manchetes e depois multiplicada digitalmente em linguagem emocional. É um sistema autorreferente, mas com efeitos concretos. O governo não apenas perde capacidade de iniciativa. Ele é obrigado a reagir o tempo todo a uma realidade manipulada, onde seus movimentos são antecipados, distorcidos ou bloqueados antes mesmo de serem compreendidos.
A soberania brasileira está, assim, duplamente comprometida. No plano econômico, porque a política fiscal, monetária e orçamentária é submetida ao controle informal do mercado, que não responde a nenhum voto. No plano informacional, porque o acesso à opinião pública é mediado por empresas estrangeiras que modulam a percepção política da população com base em interesses privados e códigos opacos. Não se trata apenas de censura ou manipulação de conteúdo. Trata-se de uma arquitetura sistêmica de desestabilização permanente. O governo não governa sozinho. Governa sob supervisão, cerco e sabotagem dos dois principais operadores da nova ordem mundial: o capital financeiro global e o capital informacional privado.
A guerra cultural e o avanço da extrema-direita internacional: Brasil como trincheira geopolítica.
O Brasil, em 2025, não é apenas uma democracia vulnerável. É também um território central no tabuleiro da nova reorganização geopolítica da extrema-direita global. O bolsonarismo, longe de ser um fenômeno exclusivamente nacional, integra uma rede transnacional de forças reacionárias articuladas por meio de fundações conservadoras, think tanks privados, plataformas digitais, igrejas ultraconservadoras e conglomerados econômicos que operam à margem da institucionalidade formal. Essa rede tem no Brasil não apenas um campo de testes, mas uma frente estratégica de atuação. O país tornou-se uma trincheira central da guerra cultural contemporânea, onde se disputam valores, narrativas e identidades com implicações diretas sobre a correlação de forças políticas internas e externas.
A guerra cultural em curso não é acessória. Ela é estrutural. Funciona como o cimento ideológico de uma ofensiva que visa remodelar o Estado e a sociedade com base em valores autoritários, hierárquicos, patriarcais, racistas e anticientíficos. Ela despolitiza o debate público ao transformar disputas materiais em conflitos morais. Transforma a luta de classes em guerra de valores. Substitui o campo da economia pelo campo da religião. Nesse processo, o bolsonarismo opera como um vetor nacional de uma ofensiva internacional mais ampla, que tem como referências o trumpismo nos Estados Unidos, o sionismo de extrema-direita em Israel, os partidos ultraidentitários da Europa e as estratégias comunicacionais de desinformação aplicadas em diversos países do Sul Global.
No Brasil, essa guerra cultural se dá em várias camadas. Ela atinge a escola pública com projetos de censura e doutrinação ideológica travestidos de neutralidade pedagógica. Ataca universidades, institutos federais e centros de pesquisa com campanhas de criminalização e cortes orçamentários. Instrumentaliza a fé evangélica para promover uma cultura de obediência cega, aversão à ciência, culto à autoridade e negação dos direitos humanos. Opera nas redes sociais com narrativas que vinculam o governo Lula ao comunismo, à perversão moral ou à ameaça à família. Atua também no campo internacional, mobilizando causas como o apoio irrestrito ao Estado de Israel como arma simbólica para atacar posições progressistas e construir uma retórica de guerra civilizacional.
Esse processo não é espontâneo. Ele é financiado, organizado e orientado por núcleos especializados em guerra psicológica, engenharia de opinião pública e captura de subjetividade. Não se trata apenas de disputa narrativa. Trata-se de uma guerra ontológica, que reorganiza o modo como milhões de pessoas percebem a realidade, o poder, a política e o próprio lugar no mundo. A extrema-direita internacional compreendeu antes da esquerda que o século XXI não será vencido apenas nas urnas, mas no campo expandido da cognição, do afeto, da moralidade e do senso comum. A captura da cultura antecede a tomada do poder.
Nesse cenário, o Brasil se tornou uma linha de frente geopolítica. Por seu tamanho, por sua posição estratégica na América do Sul, por sua tradição de pensamento crítico e por seu papel no sistema internacional, o país representa uma ameaça real à hegemonia neoliberal e neocolonial. Qualquer tentativa de reconstrução de um projeto nacional soberano, redistributivo e integrado ao Sul Global é imediatamente enfrentada com a força total do aparato simbólico e institucional das forças reacionárias. Por isso, o governo Lula é atacado não apenas por suas políticas, mas por aquilo que simboliza: a possibilidade de uma inflexão histórica fora dos eixos de dominação global.
O bolsonarismo, nesse contexto, opera como o agente local de uma contra-revolução global. Suas redes se articulam com o trumpismo, com a ultradireita espanhola, com os think tanks libertários norte-americanos, com os setores mais reacionários do sionismo político e com os conglomerados digitais que lucram com o caos informacional. Não é uma força isolada. É um campo articulado. A guerra cultural, portanto, não é uma cortina de fumaça. É o próprio campo de batalha. E nele, o Brasil é hoje o território mais disputado do planeta.
Prognóstico: o que está por vir se o cerco não for rompido.
Se o cerco contra o governo e contra a soberania institucional brasileira não for enfrentado de forma coordenada, estratégica e consciente, o cenário para os próximos meses tende a se agravar de maneira rápida e irreversível. A ofensiva atual não tem como meta apenas a paralisia política. Seu objetivo é criar as condições subjetivas, institucionais e materiais para inviabilizar qualquer possibilidade de reeleição em 2026 e, se possível, promover um novo tipo de ruptura institucional, ainda mais sofisticada e menos perceptível do que os ciclos anteriores de exceção.
O primeiro sinal desse aprofundamento é a intensificação da instabilidade parlamentar. O Congresso já opera majoritariamente como instrumento de bloqueio programado. A tendência é que essa dinâmica se radicalize, com a proposição de novas CPIs, pautas-bomba e obstruções em temas centrais da agenda social, fiscal e ambiental. O campo bolsonarista, fortalecido financeiramente e protegido pela imunidade do anonimato algorítmico, continuará usando o Parlamento como vitrine para atacar ministros do STF, desgastar lideranças do governo e fabricar narrativas de caos.
No plano judicial, deve-se esperar o avanço de ações direcionadas contra ministros, parlamentares progressistas e gestores públicos. O lawfare, ainda que temporariamente amortecido, permanece como tática latente, pronto para ser reativado quando a conjuntura permitir. O objetivo é manter em suspenso o medo da judicialização seletiva, que paralisa decisões e enfraquece a ousadia institucional. O Judiciário, se isolado, tende a se tornar alvo de novas campanhas de deslegitimação pública.
A máquina de desinformação digital seguirá sua expansão. A proximidade das eleições de 2026 criará um ambiente de saturação informacional permanente. Serão produzidas crises falsas, denúncias vazias, escândalos manipulados e imagens artificiais com alto potencial de viralização. A utilização de inteligência artificial para distorcer falas, forjar vídeos e simular situações será intensificada. Influenciadores reacionários, financiados por grupos empresariais ou religiosos, amplificarão as campanhas de sabotagem contra figuras públicas associadas à esquerda, ao STF e ao campo democrático. A erosão da confiança pública será acelerada por meio de doses contínuas de pânico moral, cinismo e histeria coletiva.
No campo econômico, é provável o aumento da pressão por parte do capital financeiro, com chantagens explícitas. A retórica da irresponsabilidade fiscal será mobilizada para justificar cortes, travas e novas amarras ao investimento público. Essa retórica será imediatamente absorvida pela imprensa tradicional e replicada nas redes, transformando-se em narrativa dominante. As oscilações do dólar e os relatórios de risco funcionarão como instrumentos de coerção e sinalização política.
Por fim, a própria imagem do presidente tende a ser submetida a um processo de corrosão simbólica contínua. O objetivo da guerra política não é apenas fragilizar o governo. É desfigurar sua legitimidade. Lula, mesmo com sua popularidade residual e carisma histórico, será apresentado como figura decadente, isolada e anacrônica. Essa operação simbólica busca anular o horizonte de 2026 antes mesmo que a disputa eleitoral comece. Trata-se de uma tentativa de matar politicamente o futuro.
Se nenhuma ruptura for operada, se o campo democrático continuar atuando de forma fragmentada e defensiva, o Brasil chegará a 2026 com sua democracia formal corroída, sua soberania fragilizada e seu povo desmobilizado. A extrema-direita não precisará vencer no voto. Bastará manter o país no limbo, onde o medo, a impotência e o cinismo operam como formas de governo.
Caminhos possíveis: resistência material, organização tática e soberania informacional.
A superação do cerco que se fecha sobre o governo e sobre as instituições democráticas brasileiras não se dará por efeito de acordos de cúpula nem pela esperança de um retorno espontâneo à estabilidade. A crise é estrutural. O campo democrático, se quiser sobreviver politicamente e projetar algum futuro, precisará operar rupturas táticas, reorganizações estratégicas e rearticulações populares de médio e longo prazo. Isso exige abandonar a ilusão de governabilidade baseada em conciliação com o inimigo, reconhecer a natureza da guerra política em curso e construir dispositivos reais de enfrentamento, defesa e produção de hegemonia contra-hegemônica.
O primeiro passo é a reorganização da comunicação institucional do governo, que precisa deixar de atuar como órgão informativo para assumir a função estratégica de disputa simbólica. Não se trata de produzir propaganda, mas de compreender que a comunicação é um campo de batalha. É preciso criar estruturas técnicas e políticas capazes de mapear redes adversárias, antecipar narrativas, responder com agilidade, proteger lideranças públicas, fortalecer vozes aliadas e territorializar o discurso em diferentes linguagens e plataformas. Isso não será feito com improviso nem com amadores. Requer inteligência de rede, investimento estatal, integração com universidades e articulação com a sociedade civil organizada.
A soberania informacional precisa ser tratada como prioridade nacional. O país não pode continuar refém de algoritmos opacos, dados privados e mediação estrangeira. É urgente avançar em marcos regulatórios que imponham às plataformas digitais regras mínimas de transparência, responsabilidade e justiça distributiva no acesso à esfera pública. Ao mesmo tempo, é preciso criar uma rede nacional de soberania cognitiva e informacional, reunindo centros de pesquisa, mídias independentes, organizações populares e iniciativas de formação crítica. A disputa pela mente coletiva é tão importante quanto a disputa institucional. Sem controle sobre os meios de produção simbólica, não há projeto democrático possível.
No campo institucional, o governo precisa abandonar a defensiva. A correlação de forças no Congresso não será revertida com acenos e recuos. É necessário construir uma agenda ofensiva, que coloque a extrema-direita na posição de resposta. Propostas concretas de taxação dos super-ricos, de revogação de privilégios corporativos, de reforma do sistema de justiça e de ampliação dos direitos sociais podem não ser aprovadas, mas serão instrumentos de mobilização simbólica e delimitação de campo. A política precisa voltar a ter densidade de conflito. A centro-esquerda não pode continuar pedindo licença para existir.
A mobilização popular, por sua vez, deve ser reconstruída a partir das bases reais. A ideia de convocar as massas sem trabalho de base é ilusória. É preciso investir em movimentos sociais, sindicatos, coletivos comunitários e redes de solidariedade concreta. A ação coletiva nasce do enraizamento. A retomada da presença física do Estado e das organizações democráticas nas periferias urbanas, nos rincões rurais, nas escolas, nos postos de saúde e nas redes digitais é condição para qualquer resistência material. A luta simbólica não se vence apenas na internet. Ela precisa estar ancorada na vida cotidiana.
Por fim, o campo progressista precisa construir articulações internacionais consistentes. O Brasil não está isolado. Outros países enfrentam ataques similares. É possível formar alianças estratégicas no Sul Global, em defesa da soberania digital, da justiça social e da democracia substantiva. A extrema-direita é uma rede transnacional. A resposta não pode ser localista nem fragmentada.
Não há saídas fáceis. Mas há saídas possíveis. Elas exigem coragem política, lucidez estratégica e capacidade de operar no conflito sem se submeter ao caos. O tempo para hesitação acabou. O que está em jogo não é apenas a governabilidade do presente. É a própria possibilidade de existir um futuro democrático.
Conclusão: entender o cerco é a condição para combatê-lo.
O Brasil de 2025 vive sob um cerco que não se expressa apenas em decisões legislativas ou em manchetes de jornais. Trata-se de um bloqueio estrutural, construído por camadas sucessivas de dominação, cujo objetivo é impedir que qualquer projeto minimamente soberano, redistributivo e democrático volte a ter viabilidade. Esse cerco opera por dentro das instituições, atravessa os algoritmos, habita o discurso econômico, mobiliza afetos reacionários e atua no subterrâneo da cultura. Ele não é um acidente da conjuntura. É o resultado de uma engenharia política, financeira e informacional de longo prazo, calibrada para impedir que o país escape da posição que lhe foi historicamente reservada na divisão internacional do poder.
Nenhuma análise séria pode tratar essa conjuntura como normalidade institucional. O que está em jogo não é apenas a popularidade de um governo ou o resultado de uma eleição futura. O que está em disputa é a possibilidade de manter vivo o horizonte de um país que se pense fora da lógica colonial, que reivindique autonomia frente aos interesses do capital global e que se reconheça como sociedade capaz de produzir sua própria história. O cerco é silencioso, mas ele grita nas entranhas da vida nacional. Ele está na fome que voltou, no ódio que se dissemina, no cinismo que paralisa, na impotência que se impõe como destino.
Romper esse cerco exige mais do que resistência. Exige consciência estratégica. Não basta reagir a cada nova crise. É preciso compreender o desenho do conflito em curso, suas formas, seus operadores, suas tecnologias e suas metas. É preciso nomear os inimigos do processo civilizatório e produzir formas organizadas de enfrentamento, defesa e reconstrução. Isso implica pensar o Estado como instrumento político, disputar a cultura como campo de poder, reorganizar o trabalho de base como prática cotidiana e compreender a tecnologia como terreno decisivo da soberania.
Nenhuma dessas tarefas será realizada com fórmulas prontas, pactos ilusórios ou conciliações com quem quer destruir o país. O que o presente exige é lucidez diante da brutalidade do tempo histórico. O cerco pode ser rompido, mas não será rompido por inércia. Será rompido por aqueles que estiverem dispostos a compreender a guerra política que nos atravessa e a lutar com todas as armas legítimas por um Brasil que volte a se pertencer.
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