A vitória contra o satanismo político
A condenação dos golpistas foi um marco, porém a anistia inconstitucional é a nova trincheira do inimigo
A condenação dos golpistas foi um marco, porém a anistia inconstitucional é a nova trincheira do inimigo. A luta agora é uma guerra de movimento, onde a esquerda deve superar o pragmatismo eleitoreiro e se unir a uma sociedade civil renovada para assegurar que a vitória judicial se torne uma vitória política definitiva em 2026.
1.
O golpismo como “crime continuado”, com o assalto dos parlamentares de extrema direita à Mesa da Câmara, com as novas iniciativas de Donald Trump pleiteadas pelos traidores do país acoitados nos Estados Unidos, com a tentativa de demolir a legitimidade do STF depois do julgamento do núcleo dirigente bolsonarista, com as ameaças de morte aos Ministros do Supremo e as suas famílias, com as barreiras para conceder os vistos aos Ministros brasileiros que acompanharão o Presidente Lula na abertura da Assembleia Geral da ONU – este golpismo continuado – mostra a gravidade da opressão colonial-imperial que governo americano desencadeou contra o Brasil depois da eleição de Donald Trump.
Nas crises que marcam os ciclos da época moderna, o futuro próximo é sempre de aguçamento das contradições entre estados, com vários episódios em série que levam à Guerra. Estas guerras, hoje – dispersas ou concentradas em diferentes territórios – confrontam interesses geopolíticos dos estados dominantes no cenário global e recuperam, de outra parte, a ideia do Estado-nação. Esta recuperação se dá numa fase em que os protocolos tradicionais de regulação das guerras e do comércio mundial já são solenemente ignorados.
Resta a força militar dos Estados-nação mais fortes, o terror de estado e o terrorismo, as políticas genocidas e os crimes de guerra – com novas e velhas tecnologias – bem como as chantagens econômicas e financeiras globalizadas. É a regra do satanismo político acompanhando a crise da democracia liberal, substituindo o velho direito internacional, que cede à força normativa dos fatos.
É o “estado de guerra” que tende a se tornar permanente, reforçando a indústria bélica como vanguarda experimental de novíssimas tecnologias e um fator de acumulação, estatal e privado, cada vez mais atraente nos países líderes.
Isso retrata, todavia, apenas o universal. No particular concreto, com as mudanças que conhecemos, nas novas tecnologias e técnicas de poder – com o presumido (e enganoso) fim da ideia de nação soberana – é possível chegarmos a um trágico “empate estratégico”.
É o fenômeno da putrefação do Estado liberal-democrático, ou talvez (com o bloqueio parcial das crises locais) chegarmos a um compasso de espera: uma estabilidade mórbida que adie o desfecho da guerra total, que hoje passa pela forma como o mundo vai superar – se superar – o genocídio em Gaza. Genocídio patrocinado pelo Governo de Israel, não pelo povo judeu.
Os conflitos dispersos, contudo, também podem pautar o próximo ciclo decadente da dominação imperial-colonial americana, já que a guerra total – por hora – é impossível. O equilíbrio atômico e os vínculos orgânicos das economias mais fortes do globo, são os fatos históricos que contêm, em parte, a gana de acumulação da indústria bélica. A sucessão dos oportunismos políticos internos da extrema direita neofascista, racista e nacionalista, de outra parte, são o suporte político universal da indústria bélica e do poder colonial-imperial dos EUA.
Jean-Paul Sartre respondeu a uma situação análoga, no século passado, com o existencialismo militante; Walter Benjamin, com o suicídio; Vladímir Lênin, negociando com um banqueiro suíço o financiamento do trem da Estação Finlândia, para comandar a Revolução Russa; o Partido Socialista e o Partido Comunista Francês, promovendo a Frente Popular, pela qual François Mitterrand (depois do General De Gaulle) organizou os confusos trilhos da Revolução Francesa, que estavam com seus dormentes “em falso” no próprio país da revolução.
2.
No Brasil, dias atrás – no que refere à crise da democracia política – tivemos o maior episódio jurídico e político de caráter democrático do século, na América Latina, com a condenação dos golpistas pelo STF, que recolocou o Brasil no “concerto das nações” com democracias resilientes.
Este processo pode terminar bem, não só com a profissionalização permanente das nossas Forças Armadas e com a Suprema Corte firmando-se como “guardiã da constituição”, como pode ser esterilizado por uma maioria parlamentar fisiológica que, com a proposta de anistia, quer manter o curso do golpe continuado, através de uma anistia flagrantemente inconstitucional.
Os “grandes intelectuais” (como os denominava Antonio Gramsci) dos nossos partidos políticos democráticos e as lideranças da sociedade civil sem partido, os partidos e frações de partidos mais comprometidos com a democracia política, o movimento sindical com capacidade de interferir nas redes e na imprensa, e com capacidade de influir – para dentro e para fora dos partidos democráticos – como fizeram, entre outros – os movimentos plurais “Derrubando Muros” e o movimento “Direitos Já”, este 15 de setembro no Tuca, cimentando, junto com os partidos de esquerda, uma sociedade civil renovada nas suas aspirações democráticas, que deverão influenciar fortemente as eleições de 2026.
Os partidos, quase sempre limitados pela pressão pragmática das “próximas eleições”, devem ser alertados pela sociedade civil democrática, que precisam formar um suporte vigoroso de resistência, à volta do modo de vida e da forma de fazer política do neofascismo bolsonarista. Este tem na morte a sua pulsão principal e na corrupção das instituições do Estado, uma nova forma de empalmar o poder total. Tudo sempre motivado pelas redes sociais dos esgotos monetizados e pelas iniciativas totalitárias, na nova ordem mundial tutelada pelo trumpismo delirante.
Uma nação artificial e uma democracia pequena não fazem o que nós conseguimos até agora: uma afirmação democrática que nenhum país assediado pela violência fascista conseguiu, seja na Europa, seja na Ásia: não estamos entre Walter Benjamin e Vladímir Lênin, mas entre Xandão-Lula e Bolsonaro-Tarcísio, não difícil saber para onde devemos ir e onde estaremos no futuro se fizermos as opções corretas.
A nação sai de uma “guerra de posição”, na qual o fascismo e a extrema direita estavam encasteladas no Estado – mentindo impunemente, unidos aos quatro Cavaleiros do Apocalipse – e entra numa “guerra de movimento, em direção às eleições nacionais do próximo ano, cujo resultado vai determinar os nossos futuros passos de prosperidade e democracia. Estes passos podem ser exemplares num mundo dividido pela guerra, pelo genocídio e pela fome.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.